_
_
_
_

Alemanha passa em revista suas fraquezas

Políticos e especialistas concordam com a necessidade de investir mais em infraestrutura, mas o Governo se aferra ao objetivo de não gerar mais dívida

Luis Doncel
Obras no canal Havel-Oder.
Obras no canal Havel-Oder.A. BERRY (BLOOMBERG)

A cena é pouco habitual. Um ministro da Economia apresenta o livro de um especialista que puxa a orelha do Governo por ser excessivamente complacente e não ter implantado as reformas necessárias. O autor, além de encabeçar um prestigiado centro de pesquisa, é o presidente de um comitê de especialistas que assessora... o próprio ministro. Tudo isso acontecia há uma semana no centro de Berlim, no lançamento do livro A ilusão alemã, de Marcel Fratzscher. O ministro para quem a cartilha estava sendo lida era o número dois do Governo e líder dos social-democratas, Sigmar Gabriel.

Ao falar da Alemanha, Fratzscher descreve um país de duas caras. De um lado, um país que pode se orgulhar de três grandes sucessos recentes: o PIB cresceu em torno de 8% desde 2009, o desemprego caiu para 6,9% (o menor desde a reunificação) e seu setor exportador disparou. Mas, se o foco é afastado um pouco, a economia alemã cresceu discretamente desde 2000, abaixo da média da região do Euro; os salários subiram pouco e fizeram com que dois em cada três trabalhadores tenham uma renda real inferior à que tinham em 2000; a pobreza aumentou de modo que hoje uma em cada cinco crianças hoje vive abaixo do nível da pobreza e a desigualdade está entre as maiores do continente.

O que explica essa série de dados negativos? Uma produtividade que evoluiu a passo de tartaruga. A conclusão desse amálgama de dados extraídos por Fratzscher, presidente do Instituto Alemão de Pesquisa Econômica, é a de que o país que emergiu da crise do euro como superpotência do continente enfrenta um futuro complicado se não realizar reformas urgentes. E entre elas destaca o aumento dos investimentos, sobretudo em infraestrutura. Depois de mais de uma década em que o nível de investimentos da Alemanha esteve abaixo da média europeia, essa diferença agora é 20% menor em comparação com a média da OCDE.

O debate sobre a falta de investimentos acendeu a Alemanha. Publicações como o jornal semanal Der Spiegel ou o dominical conservador Die Welt dedicaram capas ao assunto. E políticos de diversas linhas políticas citam o tema de forma cada vez mais recorrente. “A economia alemã tem fraquezas, como sua excessiva dependência externa e a exportação de capital demais em vez de investir em casa”, afirma o economista Hans-Werner Sinn.

No Governo também se fala sobre importância de investir mais, mas com matizes segundo quem defende a ideia. “Estou convencido de que a debilidade de nosso nível de investimentos é a maior ameaça para a nossa competitividade futura”, disse há algumas semanas o ministro da Economia, o social-democrata Gabriel. “Há anos vivemos de renda”, acrescentou. “As acusações de que não investimos o suficiente caem no vazio”, respondeu há poucos dias o porta-voz de Wolfgang Schäuble, ministro da Fazenda e colega das fileiras democratas-cristãs da chanceler Angela Merkel.

Uma em cada cinco crianças vive abaixo do nível da pobreza

As diferenças entre um ministério e outro também são palpáveis quando se fala com seus porta-vozes. Na área de Gabriel, insiste-se em que o fortalecimento dos investimentos é “um objetivo central do Governo” e recorda-se da recente criação de uma comissão técnica para estudar “mais medidas de estímulo para os próximos meses”. Enquanto isso, os porta-vozes de Schäuble, que é quem detém a chave da caixa forte, insistem na importância de uma consolidação fiscal “favorável ao crescimento” e destacam que, se os níveis de gastos em investimentos tivesse crescido nos últimos anos em 1,6%, essa porcentagem poderia aumentar para 2,2%.

O que nenhum membro do Governo coloca em dúvida é o compromisso de não gerar novas dívidas de agora até 2018. Nos orçamentos apresentados para o próximo ano, já se conseguiu esse objetivo, algo inédito na Alemanha desde 1969. Democratas-cristãos e social-democratas acordaram essa decisão no contrato que assinaram em dezembro do ano passado para formar o Governo de grande coalizão e ninguém tem a intenção de contrariar a palavra dada. Economistas como Clemens Fuest, presidente do think-tank ZEW, defendem essa decisão. “É verdade que a Alemanha precisa de mais investimento, mas não de mais dívidas. O correto seria aumentar o gasto que favorece a competitividade, mas reduzindo outros”, conclui.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_