_
_
_
_
Editoriais
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

Lições escocesas

O secessionismo debilita, as reformas pactuadas fortalecem; Mas e Rajoy deveriam tomar nota

A vitória, no referendo escocês, dos partidários da permanência no Reino Unido, ampliando seu autogoverno, acarreta três importantes consequências imediatas. Internamente, propicia uma inédita federalização do país; na União Europeia, dissipa as inquietudes acrescidas à difícil recuperação econômica e deve abrir caminho a uma atitude menos obstrutiva de Londres em relação a Bruxelas; e vai contra movimentos separatistas, como o da busca da soberania na Catalunha.

É muito mais do que se poderia esperar, e isso se deve à consistência do resultado. Diante de algumas pesquisas que previam um empate técnico, a diferença entre unionistas (vitaminamos pelo autonomismo) e os secessionistas supera dez pontos. Isso põe por terra a suposta fragmentação da sociedade escocesa em duas metades simétricas e, ao mesmo tempo, reafirma a profundidade de sua vontade de autogoverno. A elegante renúncia do líder secessionista Alex Salmond endossa a vitória rival, depois de um resultado que, se não tivesse sido engrandecido antes, seria notável. Também demonstra o exigente hábito de prestação de contas, essencial nas democracias avançadas.

A clareza do resultado se mostra mais relevante se comparada com as aparências que vieram à tona na campanha: o impulso secessionista, a ebulição juvenil, epifenômenos que trazem ecos das mobilizações catalãs de busca da soberania. E é mais meritória porque ocorre depois dos erros do unionismo conservador. A aceitação de um referendo, motivada em parte pelo cálculo da vitória futura. A altivez de abandonar durante meses o processo por sua conta e risco; o esquecimento da recomendação do Tribunal Superior do Canadá exigindo maiorias reforçadas em Québec para evitar a segmentação social; as ameaças trapaceiras da futura expatriação de bancos nominalmente escoceses, mas de capital ainda britânico, e a tardia promessa de aumentar a autonomia são um rosário de erros. Em troca, deve ser aplaudida a rápida reação do primeiro-ministro David Cameron, nesta sexta-feira, garantindo que cumprirá todos os seus compromissos e dará impulso a uma devolution generalizada (federalização, embora sem esse nome), que não figura no DNA do seu partido. Quem dera que esses comportamentos, de Salmond a Cameron, refinadamente legais, dialogantes, consensuais e responsáveis perante a opinião pública se espalhassem pelos nossos lares.

Não é assim, não só pela escassa sensibilidade na reação do presidente do Governo (primeiro-ministro), Mariano Rajoy, ao interpretar nesse episódio o código das distintas sensibilidades espanholas (também das catalãs): nem sua atuação melhora a de Cameron nem ofereceu a retomada do imprescindível diálogo como alternativa à deriva separatista. Tampouco pela falta de conteúdo do presidente catalão, Artur Mas, enfatizando à exaustão que votar é a única coisa importante, sem aprender nem como se pode organizar legalmente uma votação nem seus efeitos: sobretudo se, como neste caso, lhes são muito prejudiciais. Nada do que acontece parece afetar o rumo invariável e eterno de seu caminho já traçado; nem as pesquisas que anunciam que os partidários da “terceira via” são o dobro dos separatistas; nem os revezes pelos reiterados posicionamentos da UE contra o secessionismo catalão; nem os saques do caso Millet ou do caso Pujol, nada importa, nada, como se não fosse um processo humano, mas mineral.

E, contudo, a derrota de Salmond e seus partidários é devastadora para os soberanismos europeus. Depois do reiterado fracasso dos quebequenses, o adiamento da independência pelos flamengos, a ruína política e moral de uma Liga Padana transformada em baluarte da pior ultradireita xenófoba..., a derrota das ilusões do Partido Nacionalista Escocês marca o fim do ciclo da ilusão secessionista nas democracias ocidentais. No entanto, Mas e os seus partidários se fazem de desentendidos.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_