_
_
_
_
Coluna
Artigos de opinião escritos ao estilo de seu autor. Estes textos se devem basear em fatos verificados e devem ser respeitosos para com as pessoas, embora suas ações se possam criticar. Todos os artigos de opinião escritos por indivíduos exteriores à equipe do EL PAÍS devem apresentar, junto com o nome do autor (independentemente do seu maior ou menor reconhecimento), um rodapé indicando o seu cargo, título académico, filiação política (caso exista) e ocupação principal, ou a ocupação relacionada com o tópico em questão

Uma história mal contada

O assassinato do tenente-coronel Paulo Malhães revive desconfianças e alimenta tensões que já deveriam estar superadas

Incrível, repleta de suspeições, lapsos e gritantes contradições a investigação sobre o assassinato do tenente-coronel reformado Paulo Malhães, torturador confesso, alonga-se há nove dias.

Clamoroso desafio à Comissão Nacional da Verdade que considerou o ex-agente do CIE (Centro de Informações do Exército) como a mais importante testemunha do sistema de violação de direitos humanos durante a ditadura militar, este mistério -- ou negligência -- é também um insulto: aos brasileiros que nas últimas semanas se defrontaram com um dos capítulos mais sangrentos da nossa história na passagem dos 50 anos da quartelada que o iniciou.

Malhães foi rendido junto com a mulher, à luz do dia, na entrada do sítio onde morava na zona rural de Nova Iguaçu, Baixada Fluminense. Os três bandidos portavam as armas da coleção do militar. A mulher e o caseiro, ameaçados de morte e trancafiados em outros cômodos, dez horas depois descobriram o cadáver com o rosto enfiado num travesseiro.

A guia de sepultamento providenciado às pressas mencionava como causa mortis um problema cardíaco (pré-existente), acrescido de edema pulmonar e isquemia do miocárdio, as duas últimas ocorrências causadas eventualmente por infarto agudo, intenso estresse ou asfixia.

O caso foi entregue à Polícia Civil do Estado do Rio (embora a Comissão Nacional da Verdade seja órgão federal), que logo produziu a hipótese de latrocínio: teriam sido roubados computadores, jóias e a coleção de armas, O casal vivia com algum conforto embora modestamente. A viúva, dona de casa, veste-se com simplicidade, não aparenta inclinação para luxos.

Quando a Polícia Federal depois de pressionada (inclusive pelo Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos), finalmente entrou no caso, verificou-se que computadores e equipamentos digitais lá permaneceram. Então, que latrocínio é este?

Até agora não se divulgou o laudo cadavérico e a perícia do local. Também ficou sem explicação o fato de que a primeira informação sobre o assassinato de Malhães foi divulgada pelo site do coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, amigo e companheiro da vítima, ex-chefe do DOI-CODI em S. Paulo, notório direitista, um dos mais veementes defensores da ditadura militar.

O único dado concreto que veio à luz é incompleto: o caseiro ajudado por dois irmãos participaram do latrocínio. Estão presos, mas não há notícias do quarto elemento, possivelmente mascarado, foragido. Evaporou no mato.

Tudo muito estranho, duvidoso, reticente. Sobretudo, inquietante: a importância do personagem e sua eliminação não admitem tamanha omissão. Ninguém está reclamando uma revisão ou revogação da Lei da Anistia. A presidente Dilma Roussef foi inequívoca ao comprometer-se a respeitar os pactos que permitiram a redemocratização. Em troca, os comandantes das três forças prometeram investigar o que se passou em sete instalações militares sabidamente identificadas como centros de tortura.

A hipótese de queima de arquivo não é a única. Malhães era um tipo truculento, já mandara avisar a bandidagem que infesta o lugar que passaria fogo em quem o perturbasse. Não é absurda a suposição de que tenha sido eliminado pelo narcotráfico, hoje em plena ofensiva não apenas no Rio, também em S. Paulo e no resto do país.

Além de mal contada, esta história revive desconfianças e alimenta tensões que já deveriam estar superadas. Uma coisa é certa: o clima de sigilo e clandestinidade que envolve o assassinato do agente da repressão é incompatível com os requisitos mínimos de transparência do Estado de Direito.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_