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Coluna
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Os corruptos sentem alguma coisa?

Quando a política ignora a dor do mundo para dar lugar ao cinismo, está se abrindo as portas para a barbárie

Juan Arias

Os políticos são capazes de ter sentimentos? E os corruptos? A política deveria ser uma das artes mais nobres, já que sua finalidade é a busca da felicidade dos cidadãos que depositam sua confiança em seus representantes. É assim? Existe nela sentimentos ou só é feita de negociações frias, compromissos, intrigas e corrupções?

Em razão das últimas denúncias contra a empresa brasileira Petrobras, que foi orgulho mundial, temos visto nos meios de comunicação uma verdadeira dança de cifras de milhões de dólares que em boa parte poderiam ter acabado no bolso de quem deveria ter protegido uma empresa criada com o esforço de milhares de cidadãos.

É uma dança de zeros que se repete a cada vez nas já rotineiras acusações de corrupção política. Uma dança que revela o pouco apreço que existe pelo dinheiro público, fruto do esforço cotidiano de tantos trabalhadores e de pequenos empresários que trabalham quatro meses de graça para o Estado para pagar impostos. Para receber o quê em troca?

Bastaria usar essas cifras estelares da corrupção, que se avalia já em bilhões e que um simples trabalhador nem consegue calcular, para que o Brasil pudesse ser um país com melhor qualidade de vida sem aparecer sempre no final da fila nas pesquisas mundiais sobre educação, violência e qualidade de vida.

O que sentem em relação a seus governantes esses milhões de homens e mulheres que lutam para que não falte a seus filhos o necessário, ao se depararem com essa dança dos algarismos da corrupção que acaba se perdendo quase sempre no poço da impunidade?

Nesse macabro baile de cifras, um milhão de reais já é considerado um pecado venial. E, no entanto, para uma professora de escola primária com o salário médio de 1.500 reais mensais ganhar esse milhão, sabem quantos anos deveria trabalhar? Exatamente 70, quer dizer, duas vidas de trabalho.

Penso também em tantos trabalhadores assalariados, que deixam em suas tarefas sua saúde e às vezes até a vida, como vimos nas mortes na construção dos novos estádios da Copa (por Deus, Pelé, a vida de uma pessoa vale mais que todos os estádios e os Mundiais do mundo juntos).

Penso nos milhões de funcionários anônimos dos hospitais, do campo, dos serviços públicos de limpeza, nas empregadas domésticas que realizam um trabalho obscuro em favor de todos nós com um salário que lhes dá, justo, para viver no aperto.

Eu me pergunto o que devem sentir intimamente todos os que necessitam usar diariamente dois ou três meios públicos de transporte para ir ao trabalho, e que às vezes percorrem quilômetros a pé para poupar algumas moedas, quando veem alguns políticos usando, sem necessidade, aviões, helicópteros do Exército ou de empresários – às vezes corruptos – por pura comodidade ou porque se consideram diminuídos viajando como todos os mortais.

Ninguém, nem sequer os trabalhadores mais humildes, exige de seus políticos que façam voto de pobreza ou que deixem de usar os meios que necessitam para exercer com eficácia seu trabalho. O que pedem e exigem é que os impostos cobrados deles revertam em benefício de todos. E não só de uns poucos. E que não os roubem.

E o que sentem os corruptos? Sentirão pelo menos um mínimo de desassossego sabendo que esse dinheiro que os enriquece ilicitamente e que eles esbanjam, às vezes até com descaramento, é subtraído da fadiga dos demais?

Conseguirão sentir, como um lamento em suas consciências, que esse dinheiro da corrupção está feito com as lágrimas de tanto trabalho duro de pessoas que têm de fazer fila para tudo, que sofrem a violência institucional cada vez que pedem o que lhes pertence por lei e por justiça? E não estou falando dos mais pobres nem dos negros, mas também da classe média branca, cada vez mais sacrificada.

Há quem garanta que esses corruptos não só não abrigam esses sentimentos de vergonha como também até pensam que as pessoas “vivem bastante bem”, já que “nunca tiveram tanto como hoje”. Referem-se às pessoas a pé, às pessoas sem privilégios, às quais as cifras astronômicas da corrupção produzem vertigem.

Quando em uma sociedade acabam desaparecendo os sentimentos, sem que a ilegalidade chegue a tirar o sono de ninguém, todo o resto (desde as comissões de investigação do Congresso às possíveis reformas políticas) será tristemente inútil e facilmente burlado.

A primeira grande reforma deveria começar compelindo certos sentimentos básicos de decência aos que regem o destino da comunidade. Esse pudor que deveriam ter aqueles que a sociedade elege com seu voto para que cuidem do bem-estar de todos, e não para que se transformem em perigosos ladrões do galinheiro.

Quando na política os sentimentos de compaixão se apagam e se ignora a dor do mundo para dar lugar ao cinismo, estamos abrindo perigosamente as portas à barbárie.

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