_
_
_
_

O terremoto Le Pen afunda Hollande ainda mais

A histórica ascensão da extrema direita é resultado da insatisfação social, dos escândalos da UMP e das renúncias do socialismo

Marine Le Pen, presidenta do Frente Nacional (FN) francês, a sua chegada nesta segunda-feira a uma reunião de seu partido em Nanterre.
Marine Le Pen, presidenta do Frente Nacional (FN) francês, a sua chegada nesta segunda-feira a uma reunião de seu partido em Nanterre.M. M. (AFP)

Dos mais de 44 milhões de franceses inscritos para as eleições municipais, 38,7% preferiram não comparecer às urnas no domingo, segundo dados oficiais divulgados nesta segunda-feira. A abstenção, que bateu um recorde negativo de 40 anos e se mostrou especialmente elevada nas zonas urbanas, foi a vencedora indiscutível do primeiro turno. A desmobilização levou aos péssimos resultados do Partido Socialista (PS), à meteórica ascensão da Frente Nacional (FN), da líder nacionalista, xenófoba e antissistema Marine Le Pen, e à vitória – mais por ausência do rival do que por entusiasmo próprio – das listas de centro-direita da União por um Movimento Popular (UMP).

Muitos meios de comunicação franceses levaram nesta segunda-feira o terremoto Marine Le Pen às primeiras páginas. Outros escolheram a foto de Hollande – que, aliás, gastou 9.500 euros do dinheiro público para ir a Tulle em um jato oficial para votar – para ilustrar a derrota dos socialistas.

As duas notícias eram previsíveis, embora a ascensão da FN tenha superado as expectativas da sua líder, e embora o presidente da República e sua maioria tenham se saído bem pior do que se esperava. A insatisfação dos franceses com a sua classe política, visível na impopularidade do presidente Hollande e nos escândalos de corrupção e divisão que a direita tradicional há meses protagoniza, contribuíram com o histórico resultado da Frente Nacional.

Acabou o bipartidarismo na França, como disse Le Pen assim que foram divulgados os primeiros resultados? A tendência geral do voto e as pesquisas de opinião parecem indicar que a Frente Nacional deixou de ser um demônio para se tornar um terceiro incômodo e em uma alternativa real de poder. Antes da eleição, 40% de franceses diziam que não se importariam em ter um prefeito de ultradireita. E, embora o partido ainda seja pobre e pequeno, conseguindo apresentar listas apenas em 597 cidades e povoados – cobrindo um terço do eleitorado total –, o primeiro turno demonstra que Le Pen é de longe a maior vencedora das eleições e a única figura política emergente, como escreveu nesta segunda-feira François Fressoz no Le Monde, por ser “capaz de se conectar com as vítimas da crise, os esquecidos da globalização e os desencantados que acreditaram numa mudança em 2007 e 2012 e não a viram chegar”.

Os dados das eleições municipais inclusive não refletem totalmente essa tendência, embora emitam sinais muito claros. A FN, que em 2008 não obteve nenhuma prefeitura em todo o país, conquista agora 4,5% dos votos totais (que sobem para 9,2% nas cidades com mais de 10.000 habitantes), mas ganha pela primeira vez em sua história duas prefeituras no primeiro turno: Hénin-Beaumont, na bacia mineradora do norte, e Orange, no centro do país. Enquanto isso, a centro-direita garante 250 cidades no primeiro turno, e a esquerda, 139.

Além disso, a FN se coloca na liderança em 17 municípios com mais de 10.000 habitantes, espalhados por todo país, inclusive Perpignan (34%), Avignon (29,6%), Saint-Gilles (42%), Fréjus (40%), Forbach (35%). Tarascon (39%) e Luc (37%). Classificou-se em segundo lugar para o segundo turno em outros 44 municípios (incluindo Nîmes, Cavaillon, Istres e Villeneuve-sur-Lot). Tornou-se protagonista em Marselha, Metz, Lille, Saint-Etienne, Amiens e Quimper. E garante para si não só os mais de 2.000 vereadores que Le Pen predisse, como também se torna a estrela do segundo turno.

Depois de provocar 229 disputas triangulares contra candidatos do OS, da UMP e da centrista UDI, os estados-maiores dos grandes partidos não chegam a um acordo sobre reeditar a Frente Republicana. A esquerda quer isso, e a direita se nega, contribuindo assim para sanar um pouco mais a imagem de uma extrema direita cada vez menos diabólica, e com a qual a UMP parece se identificar cada vez mais.

Com os líderes do bipartidarismo atônitos, possivelmente será a sociedade civil quem se ocupará de fazer o trabalho. Ontem, Olivier Py, diretor do Festival do Avignon, disse que, se a FN vencer o segundo turno das eleições municipais, o Festival irá se transferir para outra cidade. “Não me imagino trabalhando com um prefeito da FN, porque o festival significa o contrário: abertura e hospitalidade.”

Mas a abstenção não parece decorrer apenas da raiva de uma parte da população. Os sociólogos já haviam advertido que só 8% dos franceses confiam nos partidos atualmente, e que 88% consideram que os políticos não se preocupam com seus problemas. Os dados definitivos revelam índices de participação inferiores a 50% em uma centena de cidades. Algumas viveram campanhas centradas nos temas favoritos da Frente Nacional: imigração e segurança.

Evry, cidade-dormitório próxima a Paris, da qual já foi prefeito o ministro do Interior, Manuel Valls, e Roubaix, no norte minerador, superaram os 61% de abstenção. E as duas vêm de amargas polêmicas por causa da presença de ciganos romenos em seu território. A estratégia de Valls ao copiar a política de expulsões de Sarkozy e jogar com a mensagem xenófoba da extrema direita, em vez de procurar soluções humanas e progressistas, revelou-se um fiasco. Em Lille, outra cidade com forte histórico de expulsões de ciganos, Martine Aubry perdeu 11 pontos percentuais com relação a 2008, mas deverá se manter como prefeita no segundo turno.

O voto de castigo aos socialistas é generalizado, por isso se deduz que ele vá além da política local, assentando-se também no terreno dos princípios. A guinada neoliberal de Hollande, abandonando de forma impudica a política de esquerda que o levou a ganhar a eleição presidencial, recebe um primeiro rechaço eleitoral em grandes cidades, como Paris, Bordéus, Toulouse, Estrasburgo e Marselha, onde a abstenção está longe de bater recordes.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_