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Goya 2014: Noite de cinema e de reivindicação

'Vivir es fácil con los ojos cerrados' de David Trueba triunfa com seis prêmios, entre eles melhor filme, direção e ator O presidente da Academia de cinema, Enrique González Macho, lamenta o ano difícil para o cinema

Elsa Fernández-Santos

O prêmio Goya foi para um homem de 89 anos que não se dedica ao cinema, mas à educação. Juan Carrión, um velho professor de escola sentou-se na primeira fileira junto a David Trueba, diretor de 'Vivir es fácil con los ojos cerrados' (referência a um trecho da letra de Strawberry Fields Forever, dos Beatles), filme inspirado nele e em sua grandiosa aventura por trás de um sonho: conhecer John Lennon em uma turnê de 1966 em Almería (na Espanha). A viagem que conduz a este sonho é o filme que ontem saiu vitorioso dos prêmios Goya, uma comédia melancólica, alegre e triste, a bordo de um carro verde junto ao professor e dois jovens desesperados. Javier Cámara (para Goya o melhor ator) dá vida a esse professor, a esse homem obstinado que crê no futuro de um país: seus jovens. Trueba (melhor diretor, melhor roteiro) falou das coisas com as quais se importa, o cinema, os atores, a família, o jornalismo e a política: “E é bom lembrar que no cinema espanhol há de tudo, gente de esquerda e de direita”. E falou, lógico, como em seu filme, de não perder nunca nem a vontade de viver nem a esperança. Uma mensagem nada pueril nestes momentos.

Graças a sua ausência, o ministro de Cultura, José Ignacio Wert converteu-se na presença mais importante de uma noite incerta pela chuva, pelos duros gritos dos manifestantes muito perto do Auditório (trabalhadores da Coca Cola, figurantes de Madri que denunciam a precariedade de seu trabalho etc…) e pelas declarações no palco dos membros de uma profissão ofendida e castigada. O discurso do presidente da Academia, Enrique González Macho, visivelmente nervoso e emocionado, lembrou que “fazer cinema na Espanha é um ato heroico”.

Dessa heroicidade nasceram os filmes que foram premiados: As bruxas de Zugarramurdi, de Álex de la Igresia, que somou oito goyas de dez nomeações e foi por número de estatuetas a virtual ganhadora; Vivir es fácil con los ojos cerrados, de David Trueba, seis (melhor filme, direção, roteiro, ator, atriz revelação, música); La herida, duas (atriz e diretor revelação); La gran familia española, duas (canção original e ator coadjuvante) e Caníbal, um (fotografia); .

Heróis que pegaram suas melhores roupas e ânimos para fazer boa presença, apesar das enormes dificuldades econômicas que atravessam e do desemprego que registram muitos de seus trabalhadores, especialmente os técnicos. A ausência de Wert foi recebida como a última gota em um copo de um ano amargo: a alta do IVA (imposto), a ausência de um modelo de negócio consensual entre o Governo e o setor, e a enorme inquietude desatada pelo preço das entradas deixou descoberto um setor debilitado como nunca. Esperava-se um gesto do Governo antes desta noite (como ocorreu com setores como a arte ou o teatro), mas o único gesto foi uma cadeira vazia. “Não sei em quantos países do mundo se aceitaria que um ministro cometa tal ato de indiferença com a indústria que representa”, ressaltava Javier Bardem. “É uma coisa baixa, mas algo perfeitamente consciente”. No palco, o ator não titubeou em referir-se a Wert como o ministro da “anticultura”. Mariano Barroso (melhor roteiro adaptado por Todas las mujeres) perguntou o que aconteceria se o ministro da Defesa não fosse ao desfile das Forças Armadas. “E esta noite estão aqui as forças armadas do cinema. Você deveria se demitir”.

Nessas forças armadas do cinema espanhol há todo tipo de categorias: generais como Terele Pávez, de 74 anos, eleita a melhor atriz coadjuvante por Las brujas de Zugarramurdi, que subiu ao palco chorando, quase sem palavras, e dedicou o prêmio a seu único filho, Carolo (“Tudo isto é por um sorriso teu”) e a seu ofício (“Quero-te tanto querida profissão. Eu nunca tive outra meta na vida que pertencer a isso”). Capitães como Marian Álvarez, melhor atriz por La herida, ou Roberto Álamo, melhor ator coadjuvante por La gran familia española, que lembrou a morte de Philip Seymour Hoffman, “uma referência para todos nós”. E soldados, como Natalia de Molina, de 21 anos, melhor atriz revelação por Vivir es fácil con los ojos cerrados. “David, muito obrigada por acreditar em mim em um momento em que é difícil acreditar em algo”, disse a jovem atriz que lembrou uma frase de sua personagem, essa Belém errante e grávida em uma Espanha sombria e imóvel, que na Espanha da Lei do Aborto de Gallardón, tem infelizmente ressonâncias no presente: “Não deixe que ninguém escolha por você”.

Manel Fuentes estreou como apresentador da festa com um roteiro no qual declarou seu amor ao cinema espanhol (“já que não podemos esquecer de nossa realidade façamos isso com a nossa ficção”), disparou contra a ausência de Wert (“Estamos em uma noite histórica, a primeira festa dos Goya sem um ministro de Cultura”) e contra outro de seus alvos favoritos (o ministro da Fazenda, Cristóbal Montoro). Uma festa que naufragou graças a alguns inexplicáveis números musicais e a um ritmo irregular, mas que valeu a pena só pelo grande momento Femen de Joaquín Reyes, que provocou gargalhadas nas 2.000 pessoas que foram ao Centro de Congressos Príncipe Felipe, no hotel Auditorium de Madri, uma gala grandiloquente e impessoal capaz de mudar (como ontem à noite) em qualquer coisa.

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