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Juristas se unem em defesa de brigadistas e alertam para retórica autoritária que vai às vias de fato sob Bolsonaro

Defesa dos voluntários de Alter do Chão diz que há registro de ameaças e aponta ilegalidade em processo contra associações que atuam na Amazônia

Os brigadistas de Alter do Chão, da esquerda para a direita: Gustavo de Almeida Fernandes, Marcelo Aron Cwerner, Daniel Gutierrez Govino e João Victor Pereira Romano.
Os brigadistas de Alter do Chão, da esquerda para a direita: Gustavo de Almeida Fernandes, Marcelo Aron Cwerner, Daniel Gutierrez Govino e João Victor Pereira Romano.Tiago_Silveira


Depois da liberdade, a prioridade da equipe de defesa dos quatro voluntários da Brigada de Alter do Chão, no Pará, é garantir a segurança de Daniel Gutierrez Govino, João Victor Pereira Romano e Gustavo de Almeida Fernandes e Marcelo Aron Cwerner. Os quatro foram presos preventivamente sob acusação de terem ateado fogo, em setembro, em parte da vegetação da Área de Proteção Ambiental em Santarém e foram liberados com habeas corpus na última sexta-feira. Agora, fontes da defesa afirmam que “há registros de ameaças” contra eles e que um dos voluntários chegou a ter ataques de ansiedade durante a noite, por medo de ter sua casa invadida.

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“Queremos a revogação das medidas cautelares contra eles e demonstrar a ilegalidade do processo. Mas nossa intenção também é garantir não só a segurança dos quatro, mas dos demais brigadistas e voluntários de outras associações que atuam na região”, diz ao EL PAÍS o advogado Beto Vasconcelos, ex-secretário nacional de Justiça. Ao lado de Antônio Mariz de Oliveira, Maíra Salomi, Augusto de Arruda Botelho e Fernando Cunha, Vasconcelos passa a integrar a defesa da Brigada de Alter. Todos são membros da Aliança, uma rede de advogados, promotores e defensores públicos criada em setembro para atuar em casos “concretos e emblemáticos” de violação de liberdades e direitos fundamentais. “Alguns membros já haviam trabalhado juntos no sistema de Justiça em casos relacionados a direitos humanos. De um ano para cá, quando recrudesceu a retórica contra liberdades e direitos humanos, começamos a nos reunir por acreditar que esse discurso passaria da retórica à prática", afirma Vasconcelos.

Em outubro, a Aliança —que deve mudar de nome depois que o presidente Jair Bolsonaro anunciou a criação do partido Aliança pelo Brasil— atuou na defesa de Janice Ferreira da Silva, conhecida como Preta Ferreira, líder do movimento de moradia Movimento Sem Teto do Centro (MSTC) de São Paulo, que foi presa no final de junho e conseguiu o habeas corpus em outubro.

Agora, além de representar os quatro membros da Brigada de Alter, a Aliança também defenderá o Projeto Saúde e Alegria, onde foi cumprido um dos mandados de prisão contra o grupo, e a ONG internacional WWF. Um inquérito, baseado em provas frágeis, segundo os advogados, apontou que a ONG repassou fundos à Brigada e comprado fotos dos incêndios provocados por 47.000 reais. A WWF nega a compra de imagens e confirma uma parceria com o Instituto Aquífero Alter do Chão (do qual nasceu a Brigada, em 2018) para a compra de equipamentos de combate a incêndios florestais no valor de 70.600 reais.

Para Vasconcelos, o inquérito foi baseado em “áudios distorcidos e possivelmente ilegais que não indicam delito ou gravidade”. O delegado José Humberto Melo Júnior, um dos responsáveis pela investigação da Polícia Civil que durou dois meses, alegou que imagens, depoimentos e, principalmente, interceptações telefônicas indicavam a participação criminosa dos voluntários em incêndios florestais. “Trata-se de um caso extremamente sensível que remete a crimes ambientais, ainda mais na véspera da COP [Conferência do Clima realizada em Madri de 2 a 13 de dezembro]. Houve uma ação desmedida e injustificada do Estado contra a sociedade civil organizada, o que encaramos como uma criminalização dessas organizações”, argumenta o advogado.

Vasconcelos considera que a prisão preventiva dos quatro voluntários “não tem qualquer fundamento”, já que nenhum deles tem precedente na Justiça e todos vivem com suas famílias em endereços fixos. “E o trabalho voluntário que realizam é feito com o próprio Corpo de Bombeiros e amplamente divulgado”, acrescenta.

Em uma entrevista coletiva no sábado (30/11), os voluntários da Brigada de Alter negaram que estivessem na área em que começou o fogo em meados de setembro: segundo eles, Daniel fazia um trabalho de fotografia e turismo na Floresta Nacional Tapajós; Marcelo também estava em atividade turística na cidade; Gustavo se encontrava no interior de São Paulo, em um casamento familiar; e João encontrava-se em casa, com a mulher e as duas filhas. “Tudo o que mais fazemos, como profissionais e como voluntários, é preservar o ambiente e proteger a floresta. Foi revoltante perceber que nos transformaram em suspeitos por algo que o oposto em que acreditamos”, afirmou Marcelo.

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