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O melhor chocolate do mundo é orgânico e vem do Equador

Sem fertilizantes nem produtos químicos, as barras de chocolate equatoriano são vendidas em 35 países

Amelia Castilla
As frutas de cacau são adquiridas na costa equatoriana da Amazônia
As frutas de cacau são adquiridas na costa equatoriana da AmazôniaAna Nance
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Nas noites de lua cheia, a mãe de Raúl Vera, agricultor equatoriano de 44 anos, percorria a cavalo a plantação familiar. Mas essa imagem idílica pertence ao passado. Nos 24 hectares que lhe couberam por herança, localizados na zona costeira de Esmeraldas (Equador), colhe duas safras por ano. Armado com seu facão e protegido com botas de borracha, vigia o estado das árvores onde crescem as bagas do cacau, um fruto em todas as gamas de amarelo que pende dos ramos e contrasta com o verde das folhas. No caminho, Vera colhe abacates, toronjas, chirimoias, bananas e maçãs em um balde de plástico. Um espaço tão paradisíaco como sísmico. Os efeitos do terremoto de 2016 ainda são evidentes nas casas e as réplicas são constantes. Na fazenda, conta, “não se mata nem uma formiga”. Entre a folhagem, uma casca de ameixa serve de manjar para os vermes. Aqui se aproveita tudo, incluindo as ervas do mato, que usam para curar dores e doenças. Vera não utiliza fertilizantes nem produtos químicos nem pesticidas. As bagas recolhidas são transportadas até o centro de estocagem da zona de Atacames, onde os frutos são armazenados para serem submetidos aos delicados processos de fermentação e secagem do grão em pátios ao sol, antes de enviá-los em sacos para a capital. Por seu cacau “sem veneninho” lhe pagam 100 dólares, a moeda do país (323 reais), por cerca de 50 quilos. Muita “pratinha” quando se compara com o agricultor que, nessa mesma tarde de volta para casa, depois de um dia completo em uma fazenda adjacente, carregava ao ombro o cacho de bananas pactuado como salário.

Raúl Vera vende suas colheitas a Santiago Peralta (Cuenca, 1971), fundador em 2002 da empresa Pacari (natureza em quéchua), produtora de cacau orgânico e biodinâmico. Mais de 3.000 famílias de agricultores – na maioria, equatorianas, embora suas redes abarquem também plantações no Peru e Colômbia – fornecem o fruto que a empresa transforma em chocolate, em sua fábrica de Quito, a um ritmo de 24.000 barras por dia. Cerca de uma centena de empregados, de uniforme branco da cabeça aos pés, selecionam os grãos do cacau e os descascam antes de tostá-los e moê-los para transformá-los em pó. Daí vão para a esmagadora, que os convertem nesse líquido escuro que faz as delícias de crianças e adultos; depois, para os moldes, onde se fundem com uma variada gama de sabores. Ingredientes como jasmim, cardamomo, frutos andinos, rosa andina ou sal de Maras, procedente das salinas de Cuzco, potencializam os novos sabores. Sua produção inclui chocolate kosher.

Garantir a autenticidade desses produtos requer certificados de segurança e controles

Dizem que foram os maias os primeiros a utilizar as sementes desta planta e que sua árvore crescia de forma natural 4.000 anos antes do nascimento de Cristo. Agora, o Equador, considerado uma das zonas privilegiadas da biosfera, exporta cacau no valor de 900 milhões de dólares (2,9 milhões de reais) por ano. Mais de 100.000 famílias vivem de seu cultivo. A importância desta indústria, ao lado da do petróleo e das bananas, tem sido crucial ao longo da história deste país. O primeiro banco equatoriano foi criado com os recursos gerados pelo comércio do cacau. Mas Santiago Peralta quis construir um mercado onde não havia um, “pagando o dobro” dos cacaueiros tradicionais e fabricando chocolate orgânico. “Ser sustentável custa muito dinheiro, o que, em parte, justifica que o preço final seja mais alto que o de produtos procedentes da agricultura tradicional”, conta. Para conseguir isso, precisa estar presente em todas as fases, desde a produção – que inclui o cuidado do terreno onde a árvore cresce – até a distribuição a outros continentes, feita em contêineres próprios. Sua empresa possui o certificado Demeter (equivalente orgânico ao guia Michelin), emitido na Alemanha por uma firma especializada, criada em 1927. A agricultura biodinâmica implica, entre outras coisas, fertilizar os solos com preparados homeopáticos vendidos embalados e que foram preparados com esterco de vaca, levar em conta as fases lunares e planetárias e submeter-se a inspeções periódicas que avaliem a pureza dos processos. A marca, que não recebeu críticas do ponto de vista científico, foi registrada em mais de 68 países.

Santiago Peralta supervisiona grãos de cacau
Santiago Peralta supervisiona grãos de cacauAna Nance

Nas noites claras, este empresário de rosto delicado e modos singulares se estica no jardim de sua elegante residência de Quito com os dois filhos para contemplar as estrelas, em busca de inspiração. Advogado frustrado, tentou vários negócios antes de se tornar um apóstolo da sustentabilidade. Em sua casa só se consomem tomates cuja procedência seja conhecida e na geladeira tudo tem selo ecológico. E o mesmo para os cardápios dos empregados de sua fábrica, da qual sai o chocolate que exporta para 35 países. Seus planos incluem também a criação de hortas ecológicas para ampliar a dieta dos agricultores. Tanto ele como sua esposa, Carla Barboto, dão palestras pelo mundo esclarecendo as virtudes da ecologia e alertando para o perigo dos pesticidas. Sua militância inclui a assistência, entre outras, à feira mundial de produtos orgânicos realizada anualmente em Nuremberg, considerada uma das maiores e mais importantes.

Ser sustentável custa muito dinheiro, o que, em parte, justifica que o preço final seja mais alto

Antes de se tornar um apóstolo da ecologia, Peralta conviveu na Alemanha, enquanto estudava Direito, com uma família que só consumia produtos biológicos. A Alemanha não só é pioneira na onda orgânica que invade o planeta, mas é a nação com maior incidência dessa prática vital. A família com a qual dividia moradia já se deslocava em bicicleta havia mais de duas décadas e seguia as teorias do filósofo austríaco Rudolf Steiner, inspirador da corrente biodinâmica. Aquele modo de vida ficou registrado em sua cabeça até que chegou o momento de desenvolvê-lo. Durante um tempo experimentou vários trabalhos, sem se encaixar em nenhum, até que, há uns 15 anos, deu início a um negócio de rosas. O Equador é um dos principais produtores do mundo, mas Peralta e sua mulher tinham já o bichinho da sustentabilidade dentro do corpo. Tentaram cultivá-las fora das estufas e sem pesticidas, o que resultou em fracasso. As flores apodreciam nos contêineres a caminho da Europa. Mas já não havia como dar marcha a ré. Tinha se deparado com algo mais que um negócio, um modo de vida, uma filosofia que abrange também a gestão do sucesso empresarial. Também essa parte da empresa tem de ser sustentável. A Pacari faz parte da LAB, um posicionamento adicional que contém o empreendimento social, regulado em todo o mundo e que tem como um dos eixos a agricultura. Nasceu nos Estados Unidos e já funciona em quase cinquenta países. A filosofia dessa marca, que bem poderia ser definida como “capitalismo legal”, abarca desde as relações trabalhistas até os acordos com os fornecedores.

A Pacari recebeu essa certificação há meio ano e a entrega do diploma de credenciamento foi em Archidona, uma cidade da Amazônia equatoriana à qual se chega depois de horas de estrada pela intrincada cordilheira andina. Os 748 indígenas quéchuas do povoado vivem do cacau: a estrada chegou há quatro anos e com ela as comunicações e sua inclusão na rota do cacau, o que garante visitas turísticas. “Às vezes me pergunto se fizemos bem em chegar até aqui”, se perguntava Peralta antes de iniciar um improvisado discurso de agradecimento pela medalha de bom papel como empresário. Modificar seu ecossistema lhes permitiu ter escola e um trabalho além da atividade no campo: sob um teto de palha, que protege do sol e da chuva amazônica, preparam os pratos da região para os turistas que desejam e dão explicações no percurso pelas plantações de cacau.

Aqui não se mata nem uma formiga. Aproveita-se tudo, incluindo as ervas do mato

Aos 45 anos, Peralta parece um desses sujeitos com swing, gente com o ritmo suficiente para mover o mundo das tendências. Em poucos anos se transformou em uma das referências do universo gastronômico. Nos últimos dois meses percorreu o Japão e a índia em busca de novos mercados. Gastón Acurio e Virgilio Martínez conhecem seu chocolate, e na Espanha fica lado a lado com o Aduriz ou Quique Dacosta. Recebeu mais de uma centena de prêmios em todos os campos e, em outubro, renovou em Londres, pelo segundo ano nos International Chocolate Awards, a premiação de melhor chocolate em barra do mundo. Tanto no Equador como nas viagens pelo mundo nas quais promove seu produto, organiza degustações que reúnem todos os rituais semelhantes aos do vinho. O chocolate é servido em porções sobre um prato e saboreado contrastando os aromas florais ou de madeira. “Você o coloca na boca e desliza como a seda”, conta este empresário. A exportação para a Europa é feita por navio em contêineres próprios, que atracam no porto de Roterdã. Dali viaja para países como a Espanha, onde é vendido nas lojas gourmet do El Corte Inglês e em estabelecimentos especializados em produtos ecológicos, uma viagem que leva uns 20 dias. Sua meta agora passa por desbancar, com suas barras premium, o chocolate belga e o suíço.

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