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“Temer deve assumir ônus de indicar o ministro que vai relatar a Lava Jato”

Professora de Direito Eloisa Machado fala sobre as dúvidas deixadas pela morte de Teori Zavascki

Eloísa Machado, da FGV-SP
Eloísa Machado, da FGV-SPDivulgação

Não é a primeira vez, nem será a última, que acontece na atual crise brasileira: um fato do mundo da Justiça tem o impacto de um terremoto sobre a política. Dessa vez, não foi uma decisão de algum tribunal, mas a inesperada morte do ministro Teori Zavascki que trouxe mais uma dezena de dúvidas sobre o futuro brasileiro. Quem será seu substituto na relatoria da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal? Como se dará sua escolha? O que o fato representa para Michel Temer e para um Governo envolto em problemas ministeriais, com índices econômicos claudicantes e uma crise prisional fora de controle? São perguntas que todo analista político está tentando responder nos últimos dias. Em entrevista ao EL PAÍS, a professora de Direito da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo (FGV-SP), defende que os processos da Lava Jato devem ficar com o novo indicado para o Supremo e que não se deve criar novas exceções às regras para contornar as desconfianças políticas que envolvem o presidente e ministros do STF.

Pergunta. O que está em jogo na decisão de qual ministro receberá a relatoria da Lava Jato?

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Resposta. A função do ministro relator de um caso é extremamente relevante, é ele quem dá andamento diário processualmente às investigações, é ele também que analisa as provas e que libera o caso para julgamento quando considera adequado. Além disso, é o relator que acaba conhecendo melhor as provas, o que é muito importante em se tratando de uma ação penal, como as da Operação Lava Jato. Assim, na minha opinião, em um momento de crise política e institucional, o mais seguro e oportuno é fortalecer as regras e fornecer transparência aos processos.

P. E qual você julga que seria um bom encaminhamento para o impasse que o Brasil vive hoje com a morte de Teori Zavascki, relator da Lava Jato?

R. O regimento interno do STF é bastante claro ao afirmar que o novo ministro, sucessor de Teori, deverá receber os casos. É o que está previsto no artigo 38. Apesar disso, cogita-se alterar essa regra, criando uma excepcionalidade para que os casos da Lava Jato fiquem com algum ministro que já faz parte do Supremo. Se isso ocorrer, com certeza haverá o questionamento sobre a isenção e imparcialidade do STF no caso. Ora, se o problema é a desconfiança com o ministro a ser indicado – motivada pelo possível envolvimento do presidente Michel Temer e a cúpula do seu Governo nas delações –, ele não será resolvido com uma interpretação diferente do regimento. O que deveria acontecer é: se não há confiança na isenção do presidente da República para a indicação de um ministro da corte, este deveria ser barrado e o presidente investigado.

P. Para você, o presidente Temer, então, fica em uma posição mais delicada?

R. Ele fica exposto ao ter que nomear um ministro que julgará o caso, sem dúvidas. Qualquer tentativa de manipulação da indicação, que aponte no sentido de dificultar as investigações, poderá ser exposta e fragilizar ainda mais sua posição. Por isso, é importante que as regras sejam seguidas e que o processo seja feito com transparência: Temer, mesmo tendo sua legitimidade questionada, tem que assumir o ônus e a responsabilidade por seus atos.

"Historicamente, o Supremo é marcado por muitas decisões monocráticas de seus ministros. Neste último ano, porém, foram proferidas liminares muito polêmicas e de grande impacto político"

P. O STF é constituído por 11 ministros, por que a indicação de um novo nome pesa tanto?

R. Historicamente, o Supremo é marcado por muitas decisões monocráticas de seus ministros. Isso não é um fenômeno recente e decorre das competências atribuídas aos ministros individualmente, sobretudo na concessão de medidas liminares. Neste último ano, porém, foram proferidas liminares muito polêmicas, de grande impacto político. É só citar a prisão em flagrante do senador Delcídio do Amaral, amplamente questionada, a suspensão do mandato de Eduardo Cunha e o afastamento de Renan Calheiros da presidência do Senado Federal. São decisões monocráticas que criaram um cenário de instabilidade enorme no país. Por isso, mesmo atuando em um colegiado, a indicação de um ministro é muito relevante, porque sempre há um enorme poder concentrado em suas mãos.

P. No o caso da Lava Jato for parar na mão de outro ministro, há quem critique o sistema de sorteio do Tribunal, argumentando que ele é pouco transparente e isso seria um problema. Você concorda?

"Se não há confiança na isenção do presidente da República para a indicação de um ministro da corte, este deveria ser barrado e o presidente investigado"

R. A distribuição de processos e a definição de relatores é muito importante para garantir a imparcialidade na prestação jurisdicional. Ninguém pode escolher o juiz que atua em seu caso e, portanto, deve haver regras confiáveis de que há um sorteio, uma distribuição incapaz de ser manipulada. O STF, contudo, não divulga a forma, o algoritmo usado para essa distribuição eletrônica de processos, diminuindo a transparecia e o controle social sobre isso. Sem dúvidas, se o caso for redistribuído, mais transparência seria importante para controlar a eficiência desse processo.

P. O prolongamento da Lava Jato, em decorrência do impasse no STF, pode trazer ainda mais instabilidade para o país?

R. A extensão da Lava Jato é mesmo assustadora e impactou todo um setor produtivo. Afetou de morte o Executivo e o Legislativo e agora traz instabilidade para o Judiciário. Mas não é possível nem admissível construir um projeto de país baseado em corrupção. Os mecanismos jurídicos de recuperação desse setor, de repatriação de bens e valores e de responsabilização de agentes políticos estão sendo testados, alguns, pela primeira vez. Há muito espaço para aperfeiçoar esses instrumentos e permitir a conjugação de combate à corrupção e preservação do setor produtivo.

P. Parte da instabilidade do Judiciário não advém, exatamente, da forma como ele está influenciado e, algumas vezes, decidindo por outros poderes?

R. O arranjo brasileiro delegou ao Judiciário muitas atribuições e esse poder foi usado e ampliado. Não há um assunto relevante na sociedade brasileira que não esteja em debate no Supremo. Nesse ano de 2016, isso ficou ainda mais claro: o Judiciário reconfigurou as suas relações com o Legislativo, tornado-se hiper invasivo e com uma agenda de moralização da política. O Brasil sempre teve análises indicando a presença de um Executivo forte, Legislativo fragmentado à reboque do Executivo e um Judiciário superlativo. Os anos de 2015 e 2016 colocaram essas análises em xeque.

"Se havia um rumo de construção e consolidação institucional democrática após a Constituição de 1988, há agora uma inflexão, um claro retrocesso"

P. Há quem defenda que o Brasil tem instituições sólidas, caso contrario, não conseguiria estar passando pelo momento turbulento que está. Você concorda?

R. Não. Estamos passando por uma crise institucional sem precedentes. Tivemos um questionável processo de impeachment, conduzido por dois réus na Operação Lava Jato e que usaram, claramente, seus cargos em benefício próprio. O Presidente do Senado, Renan Calheiros, e a Mesa Diretora do Senado se manifestaram oficial e publicamente em desrespeito a uma decisão de um ministro e o Tribunal precisou voltar atrás em seus próprios precedentes. Ministros de Estado são envolvidos reiteradamente em escândalos de corrupção. Uma emenda constitucional aprovada a toque de caixa altera toda a estrutura de financiamento do estado social. O exemplos são muitos. Se havia um rumo de construção e consolidação institucional democrática após a Constituição de 1988, há agora uma inflexão, um claro retrocesso. É preciso ver como os poderes se comportarão a partir das próximas eleições para saber se esses foram anos excepcionais ou se entramos em uma crise mais perene.

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