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Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

É a hora de um pacto para salvar a Venezuela

Essa solução seria profundamente injusta, pois não exigiria uma prestação de contas dos governantes atuais. No entanto, é pragmática

Oliver Stuenkel
Nicolás Maduro em ato de Governo nesta terça-feira.
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Há exatamente um ano, muitos venezuelanos tinham a esperança de que 2016 traria mudanças ao país. A oposição havia acabado de celebrar uma vitória histórica nas eleições parlamentares em dezembro e, apesar das ameaças de que não reconheceria os resultados, Nicolás Maduro proferiu, na noite das eleições, as palavras de um verdadeiro estadista: “Na política, às vezes você ganha, às vezes você perde”. Desde então, no entanto, as coisas só pioraram para o país das maiores reservas de petróleo já descobertas do mundo. Diante de um parlamento privado de seus poderes, o judiciário controlado pelo presidente e, acima de tudo, uma crise humanitária, a Venezuela se tornou uma ditadura e um Estado falido.

Quando a economia entrou em colapso, levando à emigração de milhares de pessoas, muitos previam que a Venezuela logo pedisse moratória. No entanto, essas expectativas subestimaram a resiliência do Governo em Caracas, que está interessado exclusivamente em sua sobrevivência, impondo grandes privações à população. Como consequência, a prioridade máxima do Governo é o pagamento de sua dívida externa, o que tem feito de forma confiável. Afinal, a inadimplência faria com que os credores confiscassem os carregamentos de petróleo, acabando com a entrada de petrodólares e, portanto, com os recursos usados pelo Governo para comprar apoio. Aqueles que esperavam que o revés eleitoral moderaria o Governo não compreenderam que Maduro estava ganhando tempo, habilmente protelando negociações enquanto esperava que os preços do petróleo se recuperassem. Isso ficou claro em setembro do ano passado, quando Maduro cancelou um referendo, permitido pela Constituição, que tentava removê-lo do cargo. Os protestos massivos da oposição tentaram restabelecer a votação, mas falharam. Com o recente aumento dos preços do petróleo, é provável que o presidente permaneça no poder em 2017.

Maduro está tão relutante em aceitar a promoção de eleições livres por saber que, depois de uma derrota nas urnas, grande parte das lideranças políticas e militares do chavismo seriam presas por envolvimento sistemático no tráfico de drogas, corrupção ou por abusos de direitos humanos amplamente documentados. Maduro também tem pouco espaço para reformar seu modelo econômico fracassado porque os militares, dos quais ele depende, ganham milhões de dólares arbitrando controles de preços e taxas múltiplas de câmbio. Dessa maneira, o presidente precisa manter as mesmas políticas que levaram à maior inflação do mundo e a tanto sofrimento para permanecer no poder. Sua recente indicação do radical Tareck El Aissami como vice-presidente é prova disso. Como não ofereceram uma saída estratégica para Maduro, todas as negociações para chegar ao fim do impasse político nos últimos anos com participação internacional fracassaram.

Não há, portanto, uma saída fácil. O que fazer?

Por mais que pareça partidária e politicamente difícil, a melhor opção a esta altura parece ser a proposta de um “grande pacto” por meio da reativação do grupo “Amigos da Venezuela” (integrado, entre outros, por Brasil, Chile, México, Estados Unidos e Espanha), que ajudou o país a vencer a crise no período após o golpe de 2002 e a evitar uma guerra civil. O compromisso envolveria quatro condições. Em primeiro lugar, o Governo Maduro libertaria todos os prisioneiros políticos e permitiria que eles concorressem a cargos públicos. Em segundo lugar, o acordo envolveria a organização de eleições livres, supervisionadas por um grupo internacional de observadores renomados que teriam completa liberdade na montagem de sua equipe e liberdade de circulação na Venezuela. Em terceiro lugar — medida controversa, mas necessária — no caso de uma provável derrota do Governo, seria oferecida uma anistia completa às atuais lideranças chavistas e militares. Finalmente, o “Amigos da Venezuela” asseguraria que, se Maduro e as principais figuras do Governo assim desejassem, a todos os beneficiários da anistia seria oferecido asilo em um país de sua escolha na América Latina, nos Estados Unidos ou na Espanha.

Essa solução seria profundamente injusta, pois não exigiria uma prestação de contas dos governantes atuais. No entanto, é uma solução pragmática e hoje parece provável que seja a única maneira de convencer Maduro a aceitar eleições livres, caminho necessário para dar início a um longo processo de recuperação e reconciliação nacional. Considerando a confiança de Maduro, os governos da região teriam que aumentar a pressão diplomática sobre a Venezuela para que o Governo aceitasse o plano: além de remover Caracas do Mercosul (o que ocorreu em 2016), isso significaria um esforço coletivo para isolar o regime tanto na UNASUL quanto na OEA, com um lobby ativo sobre a China para que não trabalhasse contra tal medida.

Quais são as alternativas? Cada vez mais ditatorial, parece provável que o Governo Maduro cancelará as eleições presidenciais previstas para o início de 2018, ou que reprima as eleições a tal ponto que deixarão de ser livres e justas. O cenário de um regime permanentemente não democrático na América do Sul seria um desastre para a região, instalando uma fonte contínua de instabilidade política. Isso ficou evidente quando Maduro, na tentativa de desviar a atenção dos problemas domésticos, intimidou a vizinha Guiana em uma disputa territorial no leste e fechou arbitrariamente a fronteira com a Colômbia no oeste. Tal cenário também limitaria o potencial de cooperação para lidar com diversos desafios que os governos nacionais não podem resolver sozinhos, como a do crime organizado transnacional. Ajudar a Venezuela a superar a crise deve, portanto, ser prioridade para todos os governos da região.

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