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Educação brasileira tem jeito. Basta priorizá-la como política de Estado

Avaliação internacional da OCDE mostra que até a elite dos alunos do Brasil amargaria a lanterna no Vietnã, mas é possível virar o jogo

Marcos Santos (USP Imagens)

A assistente social Viviane d’Almeida formou seus quatro filhos na escola pública. Marília, 23, é estudante da Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho (Unesp). Bia, 19, faz cursinho para entrar em biomedicina. Beto, 17, cursa técnico em ecologia, e Malu, 15, está no primeiro ano técnico em nutrição. Viviane é o que se pode chamar de entusiasta do ensino público. “Aqui em casa, todos estudam em escola pública do começo ao fim”, afirma. Mas sua família é exceção. Por isso ela não se surpreende quando são divulgados estudos que mostram que a qualidade do ensino no país vai mal. “Sinto que, com o passar dos anos, os professores estão mais desgastados, a estrutura das escolas se deteriorou e isto afetou a qualidade do ensino.”

Esta percepção desanimadora não é privilégio da escola pública. Mesmo os 10% dos mais privilegiados do Brasil, aqueles que estudam em escola particular, têm uma educação semelhante aos 10% mais pobres no Vietnã, um país que vem tendo destaque em qualidade de educação, mas que tem menos recursos que o Brasil. Este dado faz parte da avaliação divulgada esta semana pelo Programa Internacional de Avaliação de Estudantes 2015 (PISA, em inglês), realizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

A enfermeira Paula Martins, que tem dois filhos – Bianca, 14, e Guilherme, 10 –, em escola particular, admite que a conclusão sobre a da baixa qualidade do ensino privado também não a surpreendeu. “Pensar em problemas da educação é pensar em educação pública. Minha filha vai bem na escola, neste ano, só tirou A. Mas meu marido e eu sempre nos perguntamos se ela foi bem porque estudou muito ou se é porque a escola não foi desafiadora o suficiente.”

A cada três anos, o PISA reúne estudantes de 15 anos a 16 anos, de vários países, para testar o conhecimento em três áreas: ciências, leitura e matemática. Em 2015, o estudo envolveu 72 países e meio milhão de estudantes, sendo 23.141 brasileiros, de 841 escolas. “A tarefa da prova não é reproduzir o que eles aprenderam, mas usar criativamente o conhecimento adquirido em novas situações”, afirmou Andreas Schleicher, diretor de Educação da OCDE, em videoconferência organizada pelo Jeduca (Associação de Jornalistas de Educação).

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O Brasil participa da prova desde 2000 e nunca conseguiu chegar à média dos países da OCDE. Em 2015, o país conseguiu 401 pontos em ciências, comparados à média de 493 pontos dos demais países; 407 pontos em leitura, contra a média de 493; e 377 pontos em matemática, contra uma média de 490 pontos. Em ciências e leitura, o Brasil estacionou em relação a 2012. Mas em matemática, o país perdeu quase 12 pontos em relação à edição passada. Cingapura foi o país com melhor colocação nas três áreas, com 556 pontos em ciências, 535 em leitura e 564 em matemática.

Na prática, estes dados mostram que os estudantes brasileiros são incapazes de interpretar dados e evidências cientificamente, lidar com a integração de informações de textos, documentos, notícias, gráficos e tabelas e mesmo interpretar dados matemáticos que fujam da realidade cotidiana, como figuras geométricas ou figuras espaciais.

Mas por que os estudantes brasileiros vão tão mal? Esqueça todas as soluções fáceis e promessas de governos. A resposta é mais simples do que parece: os estudantes vão mal porque educação não é prioridade. “Nos anos 60, a Coreia do Sul tinha o nível de desenvolvimento social do Afeganistão de hoje. Muito pior que o Brasil. Mas a Coreia colocou educação como a maior prioridade e conseguiu criar um dos melhores sistemas educacionais do mundo. O Brasil investe cerca de metade do que a Coreia do Sul investe em educação. Por quê? Por uma opção política”, afirma Andreas, diretor de Educação da OCDE.

“A cada avaliação, a realidade que vemos é que a educação vive um filme monótono no Brasil, porque não se atacam as questões estruturais”, afirma Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. “Tivemos uma pequena melhora no período de 2008 e 2010, quando o país implementou um plano de ação articulada entre estados e municípios, e havia pressão para aumentar os recursos na educação. Porém, só reorganizar a gestão não é suficiente. Falta implementação das medidas”, afirma.

O Plano Nacional de Educação (PNE) é um exemplo. Fruto de anos de discussão da sociedade civil, e aprovado pelo Congresso Federal, em 2014, como um plano de metas para melhorar a qualidade da educação no país até 2024, o PNE vem sendo esvaziado por medidas unilaterais, como a Reforma do Ensino Médio e a PEC 55/2016, em debate no Senado Federal, que limita os gastos do Governo pelos próximos 20 anos.

Preocupados com a movimentação do Governo Federal, a Campanha, juntamente com outras 17 outras organizações de direitos humanos fizeram denúncia contra a PEC 55/2016 e o desmonte das políticas sociais no Brasil na Comissão Interamericana de Direitos Humanos. "A educação é considerada importante para a população brasileira e ao redor do mundo tem se tornado um valor, mas isso não se reflete nas políticas públicas atuais", afirma Daniel.

Copo meio cheio

Daniel Cara afirma que, se considerado o processo de evolução das medidas em prol da educação, o país teve grandes avanços em pouco tempo. Só lembrando que, na década de 50, o país era majoritariamente analfabeto. Atualmente, o desafio está em integrar um sistema de ensino subfinanciado e que se mostra precário em todas as instâncias - como mostrou a performance dos estudantes das particulares - o que deveria ser prioridade de todos.

Priscila Cruz, presidente-executiva do Todos pela Educação, também afirma que apesar do resultado de estagnação, o Brasil conseguiu manter a mesma (baixa) qualidade, mesmo tendo aumento de matrículas, o que normalmente, é uma variável que puxa para baixo os indicadores. “Estou olhando o copo meio cheio, apesar de manter minha indignação e achar que não podemos naturalizar o resultado ruim”, explica. Desde 2016, é obrigatório no Brasil a matrícula de alunos de 4 a 17 anos – anteriormente, valia apenas alunos de 7 a 14 anos. Essa regra começou a ser implementada em 2009, por isso o país ainda espera aumento no número de matrículas.

Priscila acredita que o segredo para dar jeito na educação está em priorizar a formação e capacitação dos professores. "A gente pode melhorar o financiamento, infraestrutura, desenho das etapas de ensino, reforma do ensino médio, desde que a qualidade do professor seja crescente" afirma.

Viviane d'Almeida, que tem quatro filhos na escola pública, concorda: 'Muito professor não tem formação mínima." Mas para ela, o segredo do sucesso escolar está em priorizar a atuação da comunidade na escola: "As escolas precisam convidar os pais para participar da vida escolar dos filhos, criar canais para que possamos verificar o desempenho dos alunos, para falarmos com os professores e com a coordenação. Uma escola tradicional não tem isso."

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