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O crime impõe o luto na Zona Sul do Rio após morte de traficante

Comerciantes do bairro do Catete são obrigados a fechar suas portas após a polícia matar o Fat Family

Rua do Catete, por volta das 14h, com todo o comércio fechado.
Rua do Catete, por volta das 14h, com todo o comércio fechado.M.M.
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Rio de Janeiro, dez e meia da manhã de uma segunda-feira de setembro de 2016, um mês após o fim da Olimpíada. Um jovem entra em uma ótica da rua do Catete, bairro comercial de classe média alta da Zona Sul, e avisa no balcão: “É para fechar agora. O recado vem do morro de Santo Amaro e é para todos os comerciantes fecharem suas lojas pela morte do Fat Family”. A advertência repetiu-se na lanchonete, na farmácia, na loja de tintas, de hidráulica e até na franquia norte-americana de lanches e saladas e, em menos de três horas, todos, com medo de represálias, tinham fechado suas portas.

Era assim que o bairro do Catete, vizinho da comunidade de Santo Amaro, relativamente tranquila mas dominada pela facção criminosa Comando Vermelho, assumia um luto obrigatório pela morte de um chefe do tráfico por ordem de criminosos. Nicolas Labre Pereira Jesus, o Fat Family, com 28 anos e mais de 100 quilos, acabava de ser morto a tiros pela polícia após três meses de buscas. O Fat Family tinha se tornado o narcotraficante mais procurado do Rio depois de ser resgatado de um hospital em junho, onde era custodiado pela polícia, por mais de duas dezenas de comparsas armados com fuzis.

O traficante Fat Family antes de ser resgatado enquanto se recuperava de um disparo no rosto.
O traficante Fat Family antes de ser resgatado enquanto se recuperava de um disparo no rosto.Reprodução

O fechamento de dezenas de lojas e galerias comerciais ao longo de quase um quilômetro de rua foi acatado pelos comerciantes sem discussão. Foi interpretado como um sinal de luto imposto, mas também como uma demonstração de força do tráfico ante o Estado, na qual eles só têm a perder. “A gente tem que se submeter ao poder paralelo. Não temos como não obedecer”, explicava a funcionária de uma lanchonete. “É um sinal de poder e demonstra como a polícia não é capaz de evitá-lo. Eu tenho um grande prejuízo, mas prefiro fechar antes que abrir com medo”, explica o gerente de uma loja de tintas. Nenhum dos entrevistados, todos com receio de falar, quis dar seu nome.

No código não escrito entre traficantes e moradores, a ameaça não precisa ser explícita. “No passado, já houve casos de algum comerciante não obedecer a ordem e sofrer represálias”, explica a gerente de uma rede de farmácias. As represálias, contam em cochichos entre eles, podem ir de ter a fachada metralhada a sofrer ataques com coquetéis molotov. Nas redes sociais percebeu-se a revolta de alguns comerciantes e como a onda de medo foi além dos estabelecimentos que foram advertidos: “Estou fechando meu atelier porque todos os comércios da galeria estão fechando! Não dá para ficar sozinha! Cadê os policiais que nós pagamos para nos dar segurança?”, reclamava uma comerciante em um grupo do Facebook do bairro.

A Polícia Militar, na verdade, estava sim nas ruas perpendiculares que dão acesso à favela, ocupada desde 2012 pela Força Nacional sob a justificativa de implementar um programa social da Prefeitura contra o crack, mas não teve como impedir o cumprimento das ordens do tráfico. Em nota, a Polícia Militar afirmou ter reforçado o patrulhamento na região por tempo indeterminado e assegurou que o comércio local estava voltando a funcionar normalmente, embora a reportagem tenha comprovado que não era verdade. Nas lojas da rua da Glória, por volta das 15h, contagiados pelos vizinhos do Catete, vários comerciantes resolveram fechar as portas embora não tivessem recebido as ordens do tráfico. “Ninguém quer ser o último a fechar. Todos têm medo”, explica um dos responsáveis de um grande comércio que aguardava ordens da gerência para resolver o que fazer.

As advertências dos traficantes contra o comércio local após a morte de algum dos seus chefes foi relativamente frequente na cidade na década dos anos 90 e 2000, mas os jornais lembram também de casos recentes, inclusive fora das comunidades, onde o domínio do tráfico é mais forte. O último registrado pela prensa local foi em janeiro de 2014, após a morte do traficante Petrick Costa dos Santos, o Cachorrão, na comunidade Pavão-Pavãozinho, quando seus comparsas impuseram o luto aos comerciantes de duas ruas de Ipanema, obrigados a fecharem suas portas até o dia seguinte.

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