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Opinião
Texto em que o autor defende ideias e chega a conclusões basadas na sua interpretação dos fatos e dados ao seu dispor

Se está em jogo a “propinocracia”, TSE deve julgar chapa Dilma-Temer

Força-tarefa da Lava Jato reescreve história com foco no PT e deixa o novo protagonista oculto

Há poucas coisas tão dolorosas nesta crise política como as oportunidades perdidas. Um impeachment casuístico e fatiado é a desculpa perfeita para o PT se esquivar do profundo exercício de mea culpa que deve à sociedade brasileira e à esquerda, em particular, pelos erros no poder. Era a hora e o momento de um debate sério sobre privilégios e desigualdades com o facão dos cortes sobre as nossas cabeças. O Governo Temer acha, aliás, que está tudo bem com os mais pobres pagando o pato. É muito provável que a questão da Previdência acabe com um grupo pequeno e coeso tentando empurrar goela abaixo um projeto enquanto outro grupo maior é liderado por uma cúpula que esperneia e tenta, se der, garantir umas vantagens setoriais e corporativistas. 

Deltan Dellagnol na procuradoria.
Deltan Dellagnol na procuradoria.Geraldo Bubniak (EFE)

É com a mesma desolação que vemos a elite de umas das principais carreiras do serviço público brasileiro, a do Ministério Público Federal, abraçar sem dó o espetáculo para apresentar a denúncia contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Lava Jato. Ele foi descrito como fundador e "maestro" do "Governo das propinas", mesmo que entre os crimes a ele atribuídos na acusação formal não estivesse o de formação de quadrilha.

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Não é a primeira vez que a grandiloquência acomete os procuradores de Curitiba na hora de falar sobre Lula. Em março, na nota em que explicavam porque pediram à Justiça que o obrigasse a depor, o petista já era apontado como "maior beneficiado" do esquema de desvios na Petrobras (no qual só o ex-diretor Pedro Barusco devolveu 100 milhões ao erário, lembre-se).

Mas vá lá que à mais admirada geração da procuradoria seja dada a liberdade de uma abordagem mais profunda e totalizante da corrupção no Brasil, para efeitos da construção da acusação. Aí ficam faltando peças bastante eloquentes. Qualquer pessoa razoavelmente esperta no país encontra eco no termo "propinocracia" para descrever o "modelo de negócios" da política brasileira. Pelo já fartamente publicado, não há nenhuma dúvida do papel do PT e —pela lógica do senso comum, não de um julgamento— o de Lula na engrenagem. No entanto, os mesmos delatores que Deltan Dallagnol usou para embasar sua tese sobre Lula —Néstor Cerveró e Delcídio do Amaral entre eles—, poderiam ter servido para uma menção a esquemas de propina que vieram antes de 2003, durante o Governo FHC, ou para frisar o papel do partido que provavelmente segue se beneficiando deles, o PMDB de Michel Temer, que agora governa. Ou a "propinocracia" terminou em 31 de agosto?

As menções seriam saudáveis não porque nomes do passado ou ainda no poder fossem parte dessa acusação —se conhece bem as limitações sobre prescrição dos crimes da Operação Lava Jato—, mas porque para parte dos observadores ainda resta uma prova de fogo para a Lava Jato: a de que a força-tarefa é capaz de agir de maneira sóbria e equânime com todo os atores envolvidos. Essa parte espera desesperadamente poder tirar o PT do lugar de vitimismo que a apresentação de hoje volta a alimentar.

Se estamos há tanto tempo no Governo das propinas, é um escárnio que os sócios dela —minoritários antes, se querem, mas agora definitivamente donos do espólio— possam ver esta quarta-feira como um trunfo. As escolhas narrativas dos procuradores da Lava Jato em Curitiba só reforçam o escárnio que é ver mofar no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) o pedido de cassação da chapa Dilma-Temer, quando se avolumam as acusações de fundos ilegais no caixa comum de campanha —não apenas pela via petista, mas também diretamente ligadas ao atual presidente (ver reportagem da equipe do Buzzfeed). A "propinocracia" agradece.

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