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COLUNA
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Quando chegar setembro

Enquanto olhos estão voltados para a Olimpíada, o Senado continua cumprindo o rito do impeachment

Torcida comemora durante os Jogos
Torcida comemora durante os JogosFRANCK FIFE (AFP)

Estranho país esse nosso, onde a mídia pauta a lista de preocupações de seus cidadãos. No momento, os olhos encontram-se voltados para as Olimpíadas – em relação a qual, nós, que sofremos coletivamente de transtorno bipolar, passamos do pessimismo profundo à completa euforia. Enquanto isso, no Brasil real, o Senado continua cumprindo o rito farsesco de votação do impeachment da presidente Dilma Rousseff. Farsesco porque, como se trata de um julgamento político e não técnico, desde o princípio sabemos seu resultado: todos os partidos, incluindo o próprio PT, têm interesse em transformar Dilma Rousseff em bode expiatório.

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No dia 21 ocorrerá a festa de encerramento dos Jogos Olímpicos que deverá ser acompanhada em êxtase pela maioria da população. No dia 25 ou no mais tardar no dia 29, ainda de ressaca, notaremos que, findo o processo de impeachment, Michel Temer ocupa legal, mas ilegitimamente, o cargo de presidente da República, para o qual não teria condições de ser eleito por mérito próprio. Então, teremos destituído uma presidente culpada por cometer erros contábeis, as chamadas “pedaladas fiscais”, substituindo-a por um político sobre o qual pesam graves denúncias de envolvimento com corrupção.

Em menos de três meses na interinidade, Michel Temer já contabiliza duas acusações contra ele formuladas no âmbito da Operação Lava-Jato. Em junho, o ex-presidente da estatal Transpetro, Sérgio Machado, responsabilizou Temer por um pedido de R$ 1,5 milhão destinados à candidatura de seu então pupilo, Gabriel Chalita, candidato à Prefeitura de São Paulo, em 2012. Ironicamente, Chalita hoje aparece como vice na chapa do prefeito petista, Fernando Haddad, que disputa a reeleição. Na época, o depoimento de Sergio Machado derrubou dois ministros de Temer: o da Transparência, Fabiano Silveira, e o da Previdência Social, Romero Jucá, ex-líder do governo de Luiz Inácio Lula da Silva no Senado.

Mais comprometedora ainda é a revelação de Marcelo Odebrecht, dono da empreiteira que leva seu nome. Ele afirmou em depoimento oficial que em maio de 2014, a pedido de Temer, então vice-presidente da República, repassou R$ 10 milhões, via caixa dois, para o PMDB, dinheiro que teria sido destinado ao presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, candidato ao governo do estado de São Paulo (R$ 6 milhões), e a Eliseu Padilha, na época deputado federal pelo Rio Grande do Sul, mais tarde ministro-chefe da Secretaria da Aviação Civil no segundo governo de Dilma Rousseff e atual ministro da Casa Civil (R$ 4 milhões).

Temer vem confirmar a melancólica sina: todos os presidentes da República do período democrático estão envolvidos em denúncias de corrupção, desde José Sarney e Fernando Collor a Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. O quadro para as eleições de 2018 é desolador: além de Temer e Lula, outros possíveis candidatos têm frequentado as manchetes policialescas, como o senador tucano Aécio Neves, que tem dois pedidos de investigação protocolados pela Procuradoria Geral da República junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), e o livre-atirador José Serra, que, segundo o empreiteiro Marcelo Odebrecht, recebeu R$ 23 milhões, via caixa dois, para sua campanha à Presidência da República em 2010.

Aparece também como candidata a evangélica Marina Silva, da Rede Sustentabilidade, missionária da Assembleia de Deus, cujo marido, Fábio Vaz de Lima, é réu em processo que tramita desde 2001 sob a acusação de desvio de R$ 44 milhões liberados pela Sudam para a construção de uma fábrica de autopeças no Maranhão e que nunca saiu do papel - o nome de Fábio aparece ao lado do da ex-governadora Roseana Sarney e de seu marido Jorge Francisco Murad Jr. Além de Marina, surgem os nomes do deputado fascista Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que teve a desfaçatez de homenagear o reconhecido torturador, coronel Brilhante Ustra, ao pronunciar na Câmara seu voto pelo impeachment de Dilma Rousseff, e o prefeito Eduardo Paes (PMDB), este, no caso, dependente ainda dos resultados efetivos dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, contra quem também há pedido de investigação no STF por envolvimento com denúncias na Operação Lava-Jato.

Ao fim e ao cabo, encontram-se todos com as mãos sujas. Por isso, o provável afastamento em definitivo da presidente Dilma Rousseff aparece como uma solução que agrada aos políticos de maneira geral, para além de partidos e ideologias. Quando o vaqueiro se depara com um rio infestado de piranhas, ele sangra um boi magro e sacrifica-o para que o restante do rebanho alcance incólume a outra margem. O povo se sente justiçado e os bois gordos podem voltar a encher a pança com tranquilidade. Há, no entanto, aqueles que, otimistas, creem que em 2018 teremos depurado o plantel e que novos rostos surgirão, comprometidos com a ética e com o bem comum... Mas há também aqueles, pessimistas, que temem que das cinzas surja um messias...

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