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Monica de Bolle | pesquisadora do Peterson Institute for International Economics

Monica de Bolle: “Apesar das boas intenções, o Governo Temer é muito frágil”

Para economista, país depende de reformas que exigem um tipo de pulso que o presidente interino não tem

Monica de Bolle, economista e pesquisadora do Peterson Institute for International Economics.
Monica de Bolle, economista e pesquisadora do Peterson Institute for International Economics. Divulgação

A economista Monica de Bolle, única mulher latino-americana a integrar a equipe do Peterson Institute for International Economics, nos Estados Unidos, não acredita que as boas intenções do presidente interino Michel Temer e sua equipe econômica dos sonhos serão capazes de colocar o país novamente nos trilhos do crescimento no próximo ano.

Monica, que foi responsável pela tradução para o português do best seller  "O Capital no Século 21", de Thomas Piketty, considera que o reequilíbrio das contas públicas brasileiras depende de reformas complicadas que exigem um tipo de pulso firme que Temer não tem e nem terá.

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Pergunta.  Passados quase três meses do Governo interino de Michel Temer, como você avalia o rumo que a economia tomou desde então? Há uma dicotomia entre o discurso inicial de austeridade e a realidade?

Resposta. Sem dúvidas. Sempre achei que fosse difícil acontecer algum avanço, mesmo no pós-impeachment. Muito complicado que algo de concreto fosse sair das pautas de reforma que o Brasil precisa. Os entraves políticos são imensos. O que ficou muito evidente nos últimos meses é que, apesar das boas indicações para a equipe econômica, e das boas intenções, o Governo Temer é muito frágil. O presidente interino tem uma área técnica forte, mas o lado político é muito complicado, assim como era no Governo Dilma. Não tem muito como ser diferente já que Temer é a costela da Dilma. O cenário não tinha como mudar de uma hora para outra só porque você afastou uma presidente e colocou um vice no lugar de forma interina. Tanto é assim que vimos diversas concessões que Temer precisou fazer: aumentou o salário do funcionalismo público, realizou a renegociação da dívida dos Estados às pressas (para salvar alguns estados como o Rio) e cujos custos ainda não temos muita dimensão. Há uma série de movimentações de aumento de gastos visando a articulação política, o que vai contra a sua retórica de austeridade. Ele tem a intenção de apoiar os esforços para as reformas, mas há um questionamento sobre a capacidade dele de fazer isso.

P. Caso seja mesmo confirmado o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, você acredita que começará uma nova fase do Governo Temer?

R. O problema é esse. As pessoas apostam nisso, que tudo muda depois do afastamento. E que até agora ele tem feito o que era possível, que as pautas que a Dilma já tinha colocado no Congresso - como o aumento do funcionalismo - eram impossíveis de se reverter. Porém, a realidade política do país não vai mudar porque o impeachment vai acontecer. O PMDB é um partido que não é coeso, sabemos que ali existem alianças diversas, com pessoas diversas. E também que outros partidos da base aliada têm problemas semelhantes. Nada mudou fundamentalmente na política brasileira. O Temer não é uma pessoa de confronto, que vai enfrentar o sistema político. Ele é um político tradicional, vem de um partido tradicional, é o mais tradicional possível e é um homem de certa idade. Não que isso fale nada contra ele, mas diz respeito da maneira dele de operar. Eu não vejo muito como vai surgir um novo Temer depois do impeachment, é o mesmo Temer. É esse que está aí há muito tempo. As dificuldades também não vão mudar muito. O que vejo é que o debate sobre as reformas que precisam ser feitas ainda não repercutiu muito entre a população. Quando as pessoas começarem a ver como essas medidas vão pesar sobre suas vidas, o tipo de pressão que isso vai exercer não será compatível com essa visão otimista do pós-impeachment. São reformas complicadas que exigem um tipo de pulso que o Temer não vai ter e nem teria sendo ele quem é.

P. E quais as reformas deveriam ser prioritárias? A PEC sobre o limite de gastos que não poderá ter crescimento acima da inflação já ajudaria a avançar no reequilíbrio das contas?

R. O teto de gastos sozinho não significa nada, porque para você fazer realmente um teto que tenha efeito no crescimento das despesas você precisa fazer as outras reformas: a da previdência, passar outras PECs que quebrem mecanismos de aumento de gastos automáticos que já existem no Brasil. Você precisa mexer com Saúde e Educação, não tem jeito. O teto é uma boa manchete, um bom guarda-chuva, por enquanto, porque não tem nada abaixo dele. É preciso acompanhamento de outras reformas para que ele tenha alguma efetividade. E essa é a batalha que terá que ser enfrentada no ambiente que as pessoas parecem ter deixando de lado. Vamos ter eleições municipais em outubro, em que o PMDB vai estar, cada vez mais, disputando espaço. Em seguida, estaremos quase no próximo ano. 2017 é um ano pré-eleitoral. Já estamos começando a ver muito barulho em termos de definição de candidatura para 2018. Esse barulho vai aumentar e é um entrave para esse tipo de reforma feita por um Governo que não tem um pulso político forte. Em tese, as reformas todas fazem sentido, tudo que foi proposto é o que o país precisa. Porém, entre a retórica e a implantação dessas reformas de fato há um obstáculo político, que até aqui, parece intransponível. Não entendo por que as pessoas estão tão otimistas.

P. Você acha que a saída de Eduardo Cunha da presidência da Câmara e a chegada de Rodrigo Maia podem diminuir um pouco os embates?

R. Acho que continua do mesmo jeito. O nosso Congresso é tão complicado, esse emaranhado de alianças que mudam o tempo todo é tão complexo, que prefiro ser mais cética em relação ao tema. O PMDB não tem coesão interna. Agora tem o Rodrigo Maia como presidente da Câmara, o que parece bom para o Temer. Mas não há certezas, e se muda a forma do PMDB operar na Câmara após o impeachment - o que é bem provável que aconteça? Eles querem ter um candidato para 2018, Temer já falou que não será ele. Como as forças vão se arrumar para dar a condição para esse candidato que ainda não sabemos quem será? É muito difícil esse panorama. E o foco vai estar aí, não vai estar em arrumar a economia nem em fazer grandes reformas. Algumas coisas vão acontecer naturalmente para agravar essa complacência e essa leniência. Você já vai ter um processo de alguma redução inflacionária em decorrência da recessão e da queda da atividade. Isso já dá uma margem de manobra maior para o Governo. Até agora, Temer teve uma margem de manobra maior por conta do enorme impulso de confiança dado pelos escolhidos para compor a equipe econômica de Henrique Meirelles. Tudo isso tirou restrições imediatas contra o Governo.

P. No fim de 2014, a chegada de Joaquim Levy ao ministério da Fazenda também causou uma onda de otimismo, mas que não foi sustentada por muito tempo. Existe o risco do Henrique Meirelles também caminhar para o mesmo destino?

R. Realmente é o mesmo quadro, mas há algumas diferenças que são os instigantes desse otimismo atual. A primeira é que o Levy era uma pessoa sozinha no meio de outras que não lhe eram muito amigáveis, como vimos nos embates que ele teve com o Nelson Barbosa [ministro do Planejamento na época] e com diversos políticos do PT. Hoje você não tem mais o mesmo tipo de problema. Há um apoio da equipe e do presidente às medidas propostas. Em tese, existe um arranjo que parece menos frágil que o do Levy na época da Dilma. A segunda diferença é que você tem um presidente que entende, de maneira mais pragmática e menos ideológica, os problemas que a economia enfrenta. Temer é uma pessoa mais hábil que a Dilma no campo político também. O problema é: isso é suficiente para você transcender a complicação política? Acho que não, até agora não deu provas disso. E nem foi chamado para dar provas disso. Tudo que tinha sido decidido por Dilma antes ele seguiu e deu a desculpa que foi colocado por ela. Algumas pessoas criticaram, mas a confiança do mercado prevaleceu…

P. Mas já vemos ruídos entre as equipes. Há rumores que Meirelles quer que a secretaria do Orçamento, hoje no ministério do Planejamento, seja transferida para a sua pasta.

R. Desde a época que meu pai [o economista Alfredo Luiz Baumgarten] trabalhou com o [Mário Henrique] Simonsen, na Fazenda, e o Delfim [Netto] estava no Planejamento as brigas existem. Nem sempre os ministros enxergam as coisas da mesma maneira. O Planejamento tem objetivo de olhar para o país a longo prazo, o que nem sempre é compatível com o arrocho fiscal de longo prazo. Você tem uma série de problemas nessa divisão ministerial no Brasil que vem de longa data. Sinceramente, é uma questão prática de como você trabalha. Não faz sentido você ter o tesouro responsável pela execução da política fiscal tentando fazer uma coisa e o ministério do Planejamento sendo responsável pelo orçamento. Para que estão separados? A meu ver, a consolidação dos dois é importante para um bom modus operandi. Mas isso significa reduzir um ministério, menos um potencial aliado, menos uma pessoa da base aliada dentro da equipe econômica que possa influenciar determinadas coisas. É complicado. A relutância do Temer em fazer isso de cara, que já vinha na decisão anterior de reduzir os ministérios, essa relutância é ruim e mostra a falta de pulso. O mais óbvio é juntar esses ministérios.

P. Desde que assumiu, Temer e a equipe econômica têm evitado falar em aumento de impostos, mas não negam que talvez eles existirão...

R. Acho difícil ter uma escapatória, porque para isso seria necessário você realmente passar uma massa de reformas que são difíceis. Mas como o Brasil vai aumentar impostos em 2017? Acho que pouco será feito na área fiscal, os entraves políticos não vão permitir nem a massa crítica das reformas nem impostos que não sejam a Cide [tributo que incide sobre os combustíveis]. Qualquer outra coisa que precise do Congresso pode esquecer. Já existe, de certa forma, uma margem para isso em 2017, com a meta fiscal, que tem o déficit [139 bilhões de reais] quase parecido ao deste ano. Dentro da meta já existe essa margem para a eventualidade de nada transcorrer como o esperado. Depois, eles colocarão a culpa no Governo anterior, no sistema político, em tudo. O que tem um pouco da verdade. O Governo passado deixou um legado horrendo e, por outro lado, temos um sistema político disfuncional. A política fiscal é essencialmente política, essa é a grande questão. Se nossos problemas fossem de ordem monetária, menos mal, porque o Banco Central está mais afastado da política. No entanto, o problema não é esse. E política fiscal é política no fim das contas, porque ela é redistributiva por natureza. Você esbarra nesses obstáculos sempre.

P. Ao apresentar a meta fiscal, o Governo não conseguiu deixar claro como vai conseguir arrecadar parte da receita que está contando para 2017. Isso é perigoso para as contas públicas?

R. O que talvez aconteça é que, caso algumas medidas que eles estão contando não se concretize, haja vendas de ativos, se invista em privatizações. Se no fim das contas não tiverem a receita X da repatriação de recursos, ou y da arrecadação que virá com a melhora da economia, você pode vir a compensar uma parte dessa perda com a venda de ativos. Essa é única coisa que eu vejo progredir na etapa pós-impeachment, o Governo ter um programa de privatização mais consistente e conseguir de fato desovar alguns ativos do setor público, que tragam receita para os cofres públicos. Essa é a carta na manga com a qual eles contam. Mas são coisas que tem efeito em curto prazo, pois não afeta o problema em longo prazo, não muda o estrutural.

P. Como o Brasil está sendo visto atualmente no exterior? A mudança do Governo, a pequena retomada da confiança, está refletindo positivamente fora do país?

R. Sem dúvidas, hoje há uma movimentação de investimento estrangeiro, mas não para investir ou montar negócio. O que entrou é para comprar ativos que estavam baratos e com um rendimento bom. Essa recuperação forte da bolsa de valores é inclusive reflexo disso. As ações das empresas brasileiras estavam muito baratas, com bom retorno. Mas ninguém está olhando para o Brasil como um país sólido no médio prazo. Não se trata de investimento que entra no país pela solidez da economia e sim que entra no momento que a situação econômica parece ganhar alguma estabilidade, onde você tem um Governo que tem um plano e onde, por conta dos desarranjos que aconteceram por muito tempo, os ativos estavam muito baratos. A razão para esse “rally” nos mercados [quando as ações disparam] do Brasil da parte dos estrangeiros é essa. A forma como as empresas estrangeiras olham o Brasil atualmente ainda é com muita cautela, empresas que têm operação no Brasil essas olham com receio porque uma crise como essa ninguém nunca viu, com todo esse problema de corrupção envolvidos, com uma operação como a Lava Jato, que causou uma fragilidade política. A saída da Dilma melhora o panorama, mas a situação é muito ruim. As pessoas que olham o país estão naturalmente esperando as eleições de 2018. Por outro lado, em um programa de privatização bem estruturado poderia ter um interesse do investidor estrangeiro.

P. Acredita na possibilidade de retomada da economia já no próximo ano?

R. Acho muito difícil a atividade retomar em 2017, já que ainda estará muito embrulhada nas questões políticas. Se tiver algum crescimento é pouco, estou em linha com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Se houver crescimento será pouco, de 0,5%.

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