Pesquisa inédita na Parada Gay de SP: rejeição a Temer e metade de cristãos
Levantamento de coletivo foi feito durante evento na Paulista e também na Caminhada Lésbica
Sem dúvida, este ano de 2016 já pode ser considerado um dos mais frenéticos da história recente brasileira. E entre outras definições fundamentais que ainda acontecerão, há as eleições municipais e a decisão definitiva sobre o destino da presidência da República. Como a população LGBT tem avaliado os acontecimentos da vida nacional e quais são suas preferências políticas? Organizada pelo coletivo Vote LGBT – em parceria com pesquisadores da USP, Unifesp e Cebrap –, uma pesquisa realizada durante a Parada do Orgulho LGBT, que aconteceu na última semana de maio, na capital paulista, tenta responder algumas dessas questões ao traçar um perfil político dos frequentadores do evento.
Na esfera federal, o levantamento inédito, que ouviu 711 pessoas e tem quatro pontos de margem de erro para mais ou para menos, revela, por um lado, baixo apoio ao presidente interino Michel Temer e, por outro, um temor de que o atual Governo representará retrocessos para os direitos LGBT. Apenas 7% dos entrevistados disse acreditar que a “solução Temer” é a melhor para o país, enquanto 32% veem na volta de Dilma Rousseff à presidência a alternativa mais razoável e uma maioria de 53,7% têm na convocação de novas eleições as saída preferida. 56,5% concordam completamente com a afirmação de que o Governo Temer significará um retrocesso para a população LGBT e, ao mesmo tempo, uma maioria de 47,5% também não está satisfeita com as políticas LGBT durante os Governos Dilma.
“Depois do impeachment, vários grupos começaram a procurar nosso coletivo. Identificamos aí um reflexo claro de que havia uma preocupação com o cenário político brasileiro, mas é interessante notar que nem por isso as pessoas deixaram de ser críticas em relação ao Governo Dilma”, comenta o artista plástico Gui Mohallem, um dos integrantes do coletivo suprapartidário Vote LGBT. De fato, o baixo apoio ao interino Michel Temer não quer dizer, por exemplo, que a maior parte dos participantes da Parada esteve presente em protestos contra o impeachment. Enquanto 80% disseram não ter ido a passeatas pró-impeachment, 70,3% também afirmaram não ter ido a manifestações contrárias.
Contando com o trabalho de 60 voluntários pesquisadores, o levantamento traz outros dados interessantes sobre preferências políticas. O deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que recentemente se tornou réu no STF por apologia ao estupro, por exemplo, é rejeitado por 84,1% dos entrevistados. Até aí, pouca novidade. Dados mais surpreendentes tratam do atual ministro das Relações Exteriores, José Serra (PSDB) e da senadora – e virtual candidata à prefeitura de São Paulo – Marta Suplicy (PMDB). Enquanto ele tem uma rejeição de 71%, ela fica com 41,5%. O dado sobre Marta é ainda mais chamativo levando em consideração que ela é uma aliada histórica do movimento LGBT. Sobre a corrida municipal na capital paulista, não há pesquisa para esse ano, mas 60,2% declararam ter votado em Fernando Haddad (PT), em 2012, e 11,6% em Serra. Único representante declaradamente homossexual da Câmara dos Deputados, Jean Wyllys (PSOL-RJ), que nos últimos anos tem se batido contra a homofobia e projetos sexistas, tem "muita confiança" de 43,3% dos entrevistados.
Outro dado importante fala sobre a motivação por trás da Parada do Orgulho LGBT. Comumente retratada na mídia como um Carnaval fora de época, o evento, segundo 47,8% das pessoas ouvidas, tem conotação política. Quando confrontados com a pergunta: Por que você está aqui? A maior parte dos entrevistados mencionou alguma palavra relacionada a direitos conquistados, segundo André Chalom, estatístico da USP que participou do levantamento. Depois do atentado a uma boate LGBT, em Orlando, que deixou 50 mortos, o presidente americano Barack Obama disse algo que vai ao encontro da percepção do público da Parada: "O lugar onde foram atacados é mais que uma casa noturna – é um lugar de solidariedade e empoderamento onde pessoas se reúnem para se informar, se expressar e lutar por seus direitos civis".
Em 2014, o coletivo Vote LGBT foi às ruas e às redes pela primeira vez com um objetivo: incentivar o voto em candidatos do legislativo com propostas de igualdade e respeito à diversidade. Para tanto, fizeram um levantamento de deputados federais, estaduais e senadores que defendiam plataformas claramente pró-LGBT. Os nomes, ligados majoritariamente a legendas de esquerda mas também a partidos como o PSDB, foram compilados em um site do coletivo. O que se viu naquele pleito já aparentemente tão distante, contudo, foi a eleição de um dos Congressos mais conservadores da história, marcado por três “bês”: o da bala, o do boi e o da bíblia.
Agora, com as eleições municipais, o grupo pretende fazer o mesmo levantamento, mas também conhecer melhor as aspirações, preocupações e preferências dos eleitores LGBT. “Hoje, uma maioria acredita que LGBT não deve necessariamente votar em LGBT. É isso que queremos reverter, porque só com políticas e programas aprovados no legislativo teremos avanços reais”, comenta Mohallem. Para ele, não adianta votar em um candidato simpático às causas LGBT no Executivo e eleger alguém que vá no sentido contrário no Legislativo. “Em São Paulo, por exemplo, o Fernando Haddad criou políticas boas, como a Transcidadania, mas isso é feito por decreto e um próximo prefeito pode extinguir do mesmo jeito que foi criado”, explica.
O deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que recentemente se tornou réu no STF por apologia ao estupro é rejeitado por 84,1% dos entrevistados.
Segundo a pesquisa, a Parada é majoritariamente branca e 45% tem renda familiar mensal que varia entre 2.640 e 8.800 reais. 51,1% declararam que tem a cor da pele branca, 26,2% parda, 16% preta, 3,0% amarela ,1,1% indígena enquanto 2,5% não responderam. Um percentual de 36,8% dizem ter renda até 2.640 reais e 17,1% ganham até ou mais que 17.600 reais. Para Chalom, o levantamento não serve como uma representação da população LGBT como um todo, mas já é uma boa amostragem do movimento organizado brasileiro. “Estamos tentando cruzar dados sobre os LGBT no Brasil com o que descobrimos na pesquisa para expandir nossas descobertas, mas por enquanto é legal ressaltar que em comparação com manifestações pró e contra impeachment, por exemplo, a Parada está mais próxima de um quadro socioeconômico geral do Brasil. Nos dois primeiros casos, a presença de uma população branca, mais rica e mais escolarizada é ainda maior”, comenta.
Outro ponto fundamental do levantamento, para Mohallem, é desmistificar algumas ideias e pré-conceitos pouco fundamentados. “Falamos muito em voto evangélico, em bancada religiosa, mas é curioso que quase metade da Parada é formada por cristãos”, diz. Católicos, evangélicos e kardecistas juntos somam 45,7% do público do evento. Hoje, não existe nenhum dado preciso sobre a porcentagem da população LGBT no mundo, Brasil ou São Paulo. Contudo, há uma estimativa conhecida de que 10% da população mundial é homossexual.
"Esse dado é complicado porque não considera as complexidades das identidades de gênero e sexualidades", diz Mohallem. Já para Nelson Soutero, assessor da Coordenadoria de Políticas para LGBT da prefeitura de São Paulo, a estimativa pode ser factível, já que em muitos levantamentos feitos sobre outras questões, quando se traça um perfil sobre gênero, a porcentagem gera em torno de 10%. "Fizemos uma pesquisa com a quase totalidade dos moradores de rua da cidade, por exemplo, e o dado que chegamos é bem próximo desse", diz Soutero. Apesar de não haver uma confirmação exata sobre o número, o fato concreto é que a população LGBT tem cada vez mais voz na sociedade, inclusive como potente mercado consumidor. "Com a Vote LGBT queremos canalizar isso para um legislativo mais representativo", diz Mohallem.
Caminhada de Mulheres Lésbicas e Bissexuais de São Paulo
Um dia antes da Parada do Orgulho LGBT, uma pesquisa idêntica foi realizada na Caminhada de Mulheres Lésbicas e Bissexuais de São Paulo. Com um público muito menor, a Caminhada, segundo a pesquisa aponta, tem um caráter mais político e com posições mais claras. 61,3% dos entrevistados, por exemplo, participou de alguma manifestação contrária ao impeachment de Dilma Rousseff e 57,9% querem seu retorno à presidência. “A presença feminina de 83,7%, contra um público mais dividido da Parada, com certeza também contra para esse grande apoio à presidenta”, comenta Chalom. Um ponto em comum nos dois eventos é a rejeição à Bolsonaro e Serra: 96,8% dos entrevistados não confia no primeiro e 91,2% no segundo. Foram entrevistadas 411 pessoas. Os levantamentos completos estão disponíveis aqui.
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