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Pedido de prisão da PGR arranha a oligarquia política brasileira

Políticos tradicionais do Nordeste, Romero Jucá e Renan Calheiros descendem de famílias que transitam no poder há mais de um século

José Sarney, aos 86 anos.
José Sarney, aos 86 anos.Pedro França (Agência Senado)

Quando os tentáculos da Lava Jato cercaram o ex-presidente Lula – em uma série de episódios que passaram pela divulgação de grampos de conversas suas, por um depoimento coercitivo e chegou, inclusive, a um pedido de prisão preventiva – muitos questionaram a isenção política da operação que estaria orquestrada para atingir principalmente o PT. Nesta terça-feira, com a notícia de que a Procuradoria Geral da República pediu a prisão de quatro medalhões da política brasileira, todos peemedebistas, ficou claro que as investigações chegaram, de fato, a outros que pareciam intocáveis, como o ex-presidente petista.

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No alvo do procurador-geral, Rodrigo Janot, além do ex-presidente José Sarney (o único que não tem foro privilegiado), estão agora o presidente do Senado, Renan Calheiros, o senador e ex-ministro de Temer Romero Jucá, e o presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha. Os três primeiros acusados de tentar obstruir as investigações da Lava Jato e de conspirar contra a operação. Cunha, por sua vez, estaria interferindo no andamento das investigações mesmo longe da presidência. O pedido de Janot foi encaminhado ao Supremo Tribunal Federal e está nas mãos, ao menos há uma semana, de Teori Zavascki, ministro relator da Lava Jato, que decidirá em plenário sobre a sua execução.

A medida impacta não só pelo seu conteúdo, mas por envolver o destino de figuras que transcendem seus cargos e são estandartes políticos em seus Estados de origem, de onde suas famílias comandam a gerações os bastidores da política local e nacional. “É a primeira vez que a elite tradicional brasileira é arranhada com um golpe desse porte”, afirma o cientista político Fernando Abrúcio.

Ao menos dois sobrenomes estão ligados à política há mais de um século. Renan Calheiros, por exemplo, vem de uma linhagem de políticos de Alagoas que remonta aos tempos da Velha República (1889-1930). Um levantamento do jornalista Pedro Doria revela que os Calheiros já eram donos de engenho em Alagoas em 1730. E que Floriano Peixoto, segundo presidente da República pós monarquia (governou o país entre 1891 e 1894) descendia dos Calheiros. Hoje, Alagoas é governada pelo seu filho, Renan Calheiros Filho (PMDB).

O senador Romero Jucá (esq.) com o presidente do Senado, Renan Calheiros.
O senador Romero Jucá (esq.) com o presidente do Senado, Renan Calheiros.Jane de Araújo (Agência Senado)

Atual presidente do Senado, onde será decidido o futuro da presidenta afastada Dilma Rousseff, Renan é tido como um dos políticos mais experientes do Brasil. Hoje, é alvo de nada menos do que nove inquéritos no âmbito da Lava Jato. Em conversa gravada com Sérgio Machado, ele defende mudanças na lei de delação premiada com o objetivo de impedir que um investigado pela Lava Jato se torne delator. Como Sarney, ele nega veementemente qualquer tentativa de fraudar a operação.

Romero Jucá é outro nome da Velha República. Membro de uma família dona de cerca de 12 empresas que vão de comércio de calcinhas a mineradoras, Jucá está na mira tanto da Lava Jato como da Operação Zelotes. Em seu texto “O PMDB e a República Velha em nós”, Pedro Doria lembra que Romero Jucá é, na verdade, Romero Jucá Rego Lima, nascido em Pernambuco, mas cuja carreira foi ancorada em Roraima. Rego é o sobrenome de uma oligarquia paraibana, explica Doria. “Lá atrás, Tobias do Rego Monteiro, que foi senador pelo Rio Grande do Norte, começou a carreira como chefe de gabinete de Rui Barbosa [que integrou a primeira República brasileira no século XIX]”.

Jucá foi flagrado em diálogos nos quais falava em organizar uma frente para abafar o escândalo de corrupção na Petrobras e passou de homem-forte de Michel Temer à primeira baixa do Ministério interino.

Há também José Sarney, ainda um todo poderoso do Maranhão, que desde esta terça vive a humilhante ameaça de ter de usar uma tornozeleira eletrônica, conforme pedido por Rodrigo Janot. A decisão depende do Supremo. Sarney é um político com mais longa carreira no país, exercida ao longo do Governo de 15 chefes de Estados – incluindo os do período militar (1964-1985) – que viveu quatro Constituições, sendo que a última delas, convocada por ele à frente da Presidência em 1988.

Sem cargo oficial desde que deixou a presidência do Senado, no fim de 2014, foi o primeiro presidente civil após o regime militar (1964-1985) e integrou 13 legislaturas parlamentares como deputado federal e senador. Filho de um desembargador que integrou o Tribunal de Justiça do Maranhão, concorreu ao seu primeiro cargo eletivo, a deputado federal, em 1954. Governou o Maranhão entre 1966 e 1971, feito repetido por quatro vezes pela sua filha, Roseana. Hoje o Estado tem dezenas de prédios públicos batizados com o sobrenome Sarney. Seu filho, José Sarney Filho, é o atual ministro do Meio Ambiente no Governo Temer.

Se há indícios suficientes para que caciques desse porte sejam presos, ainda não se sabe. No entanto, alguns analistas políticos consideram que o pedido feito pela PGR já é um fato político por si só e terá fortes consequências, principalmente para o PMDB e o Governo interino de Michel Temer.

Da mesma maneira, é uma incógnita se o movimento da Lava Jato contra o establishment é um fenômeno passageiro ou se representará um primeiro passo contra o patrimonialismo na política, tão arraigado no Brasil. Na opinião de Pedro Floriano Ribeiro, professor de Ciência Política na Universidade Federal de São Carlos, “ainda é cedo para dizer”. Mas, segundo ele, o processo atual está longe de representar o fim das oligarquias nacionais. “Elas apresentam um grau de resiliência impressionante, adaptando-se a novas configurações políticas nacionais (aliam-se ao PT, por exemplo), a novas formas de fazer política etc. Sarney Filho no Ministério do Meio Ambiente é apenas um exemplo caricato disso”, diz o professor, que leciona como visitante na Universidade de Cambridge.

Os especialistas acreditam que só uma reforma política poderia representar uma mudança real na política brasileira. Para Pedro Floriano, “ela teria de ser impulsionada por um Executivo dotado de capital político suficiente, que só Fernando Henrique Cardoso e Lula tiveram em momentos específicos – mas acharam que havia outras prioridades”. Já Fernando Abrúcio – para quem a crise atual “é mais profunda que o impeachment, e é preciso que o debate transcenda isso” – vê que “no fundo, tudo tem a ver com o modelo de financiamento de campanhas políticas no Brasil”.

Ainda que a metralhadora da Lava Jato dispare sobre intocáveis, algo que ganha apelo popular, ela excede, na visão de alguns, justamente por ter se tornado essa arma pesada – um instrumento de Justiça com tintas policiais. O advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que defende Sarney, Jucá e Calheiros, afirma que “prisão preventiva virou regra” e que nada nas gravações de seus clientes coletadas por Machado justificaria uma medida como essa. Olhando de fora, Fernando Abrúcio também vê excessos na midiatização das investigações, com seus vazamentos constantes, e é cauteloso ao falar das prisões: “Prisão não é linchamento, ela serve para referendar a Justiça à sociedade”.

Uns jogam xadrez, outros dama

C.M.

Para a socióloga Fátima Pacheco Jordão, sobre o mesmo tabuleiro, "os políticos tradicionais brasileiros jogam xadrez, enquanto a população joga dama". Os primeiros são corruptos ou dizem combater a corrupção, enquanto as pessoas comuns ocupam as ruas do país desde junho de 2013, clamando por demandas básicas que a classe política simplesmente não ouve e das quais não fala.

Para ela, fundadora e conselheira do Instituto Patrícia Galvão, “menos de um terço da população acompanha a política partidária” e entende o raio de uma operação como a Lava Jato. E o que o presente cenário transmite às pessoas é “apenas decepção e falta de credibilidade”. Figuras como Sarney, Renan e companhia “não conseguem entender como uma diferença de vinte centavos pode resultar em passeatas de um milhão”, acredita. Por outro lado, “a população sabe muito bem o que quer, porque aprendeu com o próprio mercado consumidor que o que é pago tem que ter retorno. Quem paga impostos e quer ter suas necessidades básicas atendidas”, diz.

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