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A saída pela esquerda de Dilma

Perto de ser afastada, presidenta acena para movimentos sociais importantes para a base de uma eventual oposição a Temer

Dilma é recebida por apoiadoras em Brasília.
Dilma é recebida por apoiadoras em Brasília.R. STUCKERT FILHO (AFP)

Em contagem regressiva para ser afastada temporariamente da presidência, Dilma Rousseff saiu em busca de retomar relações com movimentos sociais que historicamente orbitaram ao redor do PT. Para reconfigurar seu tabuleiro de aliados, que poderão ser cruciais para a formação de uma oposição a um eventual Governo Temer, Dilma deu acenos importantes - e em alguns casos, raros - a movimentos ligados à defesa dos povos indígenas e da reforma agrária.

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No início deste mês, a presidenta recebeu lideranças do Movimento dos Sem Terra (MST) no Palácio do Planalto para a assinatura de decretos que desapropriam terras para a reforma agrária e regularização de quilombos. Ao todo, foram assinados 25 decretos referentes à desapropriação de terras em 12 Estados. E outros quatro decretos se referiram à regularização de quatro comunidades quilombolas em quatro Estados. No mesmo evento, o Governo também lançou o edital do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Sinapir), para disponibilizar 4 milhões de reais a projetos de promoção da igualdade racial.

No caminho para atravessar o abril desesperador que o Governo petista enfrenta, Dilma também mandou acelerar processos de reconhecimento e homologação de terras indígenas. “A presidenta determinou que nós nos reuníssemos com os ministérios que também têm interferência na demarcação das terras indígenas para que nós possamos, o mais rápido possível, encontrar pontos comuns para adiantar esta pauta”, afirmou o ministro da Justiça, Eugênio Aragão, em uma coletiva de imprensa após evento da instalação do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) nesta semana. “O momento é muito favorável a que possamos dar vazão às inúmeras iniciativas de declaração, demarcação, reconhecimento que estão paralisadas.”

Aragão negou, porém, que o Governo estivesse fazendo isso para aglutinar o apoio dos movimentos sociais por causa do processo de impeachment. “Estamos fazendo isso como um compromisso com os indígenas”, disse. E ressaltou que o Governo sempre se preocupou com essa questão, mas pagou caro pelas alianças que fez. “Com certeza se preocupar com a política indigenista é uma constante neste Governo. Tivemos fragilidades, que dizem respeito às alianças que tivemos que construir no Congresso Nacional para garantir estabilidade ao Governo. Alianças que no final das contas se revelaram extremamente frágeis.”

O gesto chama a atenção em um Governo que pouco olhou para a questão indígena. Se, por um lado, o estoque de terras a ser reconhecidas diminui com o passar dos anos, é também verdade que o Governo Dilma Rousseff caminhou a passos muito lentos nesse quesito, batendo recordes negativos nos números de terras reconhecidas: 13 terras desde seu primeiro mandato (2011), contra 84 nos dois mandatos de Lula e 141 nos oito anos de Fernando Henrique Cardoso.

A conta-gotas

Neste mês, de acordo com Marcio Santilli, sócio-fundador do Instituto Socioambiental (ISA), a Fundação Nacional do Índio (Funai) publicou quatro relatórios de identificação - primeira etapa para que as terras indígenas sejam oficialmente reconhecidas - e o Ministério da Justiça emitiu cinco portarias declaratórias - segunda etapa. A última fase é a homologação da presidência. "Para o Governo Dilma, é a maior quantidade de atos praticados numa mesma data", diz. “Neste Governo [o processo de reconhecimento e homologação de terras indígenas], sempre foi um conta-gotas”.

Ele ressalta que as demarcações de terras sempre foram feitas em situações atípicas. A iminência de um impeachment, por exemplo, seria mais uma delas. "São conjunturas políticas determinadas que viabilizam essa tomada de atitude", diz. Ainda no evento da criação do CNPI, o ministro Eugênio Aragão fez mea-culpa. “Poderíamos ter feito muito mais. Talvez o momento de crise seja um momento de reflexão. Deixamos de fazer muita coisa, nos omitimos muito e devemos pedir desculpas àqueles que foram afetados por isso”.

Para o cientista político Fabio Wanderley, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), os acenos que Dilma Rousseff está fazendo agora para essas parcelas dos movimentos sociais não é capaz de salvar o Governo do impeachment. “Não acredito que daí surja nada que possa parecer a solução do embarace do Governo petista”, diz. “Dificilmente essa posição do Governo seja capaz de desfazer o que os senadores já decidiram”. Mas é uma agenda positiva num momento em que o Partido dos Trabalhadores está prestes a deixar o Planalto pela porta de trás. “Faz sentido como um primeiro passo de reaproximação das bases. Neste sentido, é um passo válido. Mas não é possível fazer previsões sobre os impactos que essa atitude terá em 2018, por exemplo.”

Os movimentos sociais devem aproveitar deste momento em que o Governo está nas cordas. De acordo com o jornal Valor, uma ação coordenada entre algumas entidades e o ex-presidente Lula pede que Dilma acelere programas sociais antes de um possível afastamento, que, se ocorrer, deverá ser entre os dias 11 e 12 de maio. Na pauta, estão reajustes nos repasses do Bolsa Família, do Fies (financiamento estudantil), a aceleração das contratações do Minha Casa Minha Vida, redução da taxa de juros, novas desapropriações de terra e a criação de mais uma faixa do seguro desemprego. Ainda segundo o Valor, Dilma deverá anunciar algumas dessas medidas no ato do 1º de maio, em São Paulo, ao lado de Lula. O PT que chegou ao poder e nele se consolidou expandindo sua base tradicional com a massa de mais pobres. Agora, o partido se volta para ao núcleo mais ideológico e, tenta, em meio à crise, para reforçar os programas que defenderá como seu legado.

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