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Opinião
Texto em que o autor defende ideias e chega a conclusões basadas na sua interpretação dos fatos e dados ao seu dispor

Não existe unanimidade, nem deve existir

A posição da Associação de Estudos Brasileiros em defesa da democracia e do Estado de direito é legítima. O debate sobre os procedimentos internos também

Como o grande Nelson Rodrigues certa vez escreveu, toda unanimidade é burra. Sob este prisma, pelo menos, não somos burros. Não existe unanimidade dentro da Associação de Estudos Brasileiros (BRASA), nem deve existir. Na assembleia da BRASA na última sexta-feira, dia 1 de abril, foi apresentada uma moção pedindo que a associação endossasse uma carta em defesa da democracia brasileira, e questionando o possível impeachment da atual mandatária do Brasil, Dilma Rouseff. Houve um debate acirrado, com argumentos fortes nos dois lados. No final da assembleia, foi realizada uma votação aberta.

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Por regra e tradição, nas associações acadêmicas, a assembleia é soberana. Se a assembleia aprovou, aprovado está. Através do voto da clara maioria presente na assembleia, a BRASA aprovou a moção para endossar a carta.

A maioria sempre manda na democracia? Certamente que não. Qualquer democracia saudável segue procedimentos e normas para garantir os direitos da minoria. A BRASA respeita os sócios que votaram contra a moção, os que escolheram não votar, e os que não tiveram oportunidade para estarem presentes. A carta representa apenas o que foi decidido pela clara maioria presente na assembleia. Ela não representa o pleno espectro da BRASA como instituição.

Em um mundo ideal, teríamos tido mais tempo para debater a moção e a linguagem da carta. A agenda do congresso não permitiu o alongamento da assembleia. Reconhecemos que vários sócios saíram da assembleia frustrados com o processo, e queremos aprimorar esse processo futuramente. O Comitê Executivo da BRASA já está nomeando uma comissão para revisar e fortalecer nossa regras sobre a apresentação de moções nas assembleias, com especial ênfase sobre nossos procedimentos relativos a tomada de posições políticas. Essa comissão vai incluir sócios que votaram contra a moção da sexta-feira passada, tanto quanto sócios que votaram a favor. A comissão colherá sugestões amplamente, e qualquer mudança sugerida na constituição da associação será decidida democraticamente. O objetivo é criar uma associação maior e mais forte, sempre aberta ao debate.

A carta endossada circulou como abaixo-assinado entre diversos meios de brasilianistas dias antes do congresso. Eu, como indivíduo, assinei a carta. Eu tinha um certo receio em me posicionar. O debate é dos brasileiros. Será que é válido um estrangeiro opinar? Mas percebi que grandes órgãos da imprensa internacional, como The Economist e The Washington Post, estavam pedindo a renúncia de Dilma. Nesse contexto, achei válido me posicionar.

Mesmo assim, achei que a carta não conseguia expressar plenamente a minha opinião—o que não deve ser uma surpresa, considerando que ela é uma missiva curta e declarativa, escrita por outras mãos antes da circulação. Resolvi escrever meu próprio artigo, de 1.400 palavras—historiador tem problema sério em ser breve—e postei ele no site da revista Dissent, aqui, no fatídico dia 31 de março. Entendo perfeitamente porque alguns colegas queridos e muito respeitados preferiram não assinar a carta, não necessariamente porque discordassem dos princípios ali contidos, mas porque sentiam falta de oportunidades parecidas para refletir com maior detalhamento e parcimônia.

A BRASA é uma associação relativamente jovem, fundada em 1994, posteriormente aos eventos que culminaram com a renúncia de Collor. Mas ela já tem um papel importante no incentivo da pesquisa sobre o Brasil, e reúne centenas de acadêmicos brasileiros e estrangeiros. Agora é a primeira vez que nos encontramos apresentados com uma moção para uma tomada de posição sobre a política brasileira. A posição adotada, em defesa da democracia e do estado de direito, é legítima. O debate sobre os procedimentos internos também e legítimo. Tomamos esse debate como uma oportunidade para aperfeiçoar nossas regras e administração. O debate em si é saudável, e ao médio prazo vai fortalecer uma BRASA plural, não-partidária e objetiva. E, ainda assim, uma instituição marcada pelo respeito ao contraditório que deseja fomentar produção de conhecimento para a criação de um Brasil democrático e estável.

Bryan McCann, Georgetown University, é presidente da BRASA

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