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Coluna
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Quando Chico Buarque chegou

O golpe pode até triunfar. Mas nada nunca será tão bonito como ver Chico Buarque de Holanda no protesto pela democracia. A gente acha que já viveu tudo. A gente nunca viveu nada

Chico Buarque, durante protesto nesta quinta-feira, no Rio de Janeiro.
Chico Buarque, durante protesto nesta quinta-feira, no Rio de Janeiro.Divulgação (Agência PT)

O golpe pode até triunfar, as tramoias e as tenebrosa transações envolvidas são gigantescas, tem dinheiro da FIESP, tem dinheiro pesado do estrangeiro, tem muito cacau na parada, mas nada foi e nunca será tão bonito como ver, bem de pertinho, Chico Buarque de Holanda chegando ontem no Largo da Carioca para o protesto pela democracia. Rapaz, que emocionante, a gente acha que já viveu tudo. A gente nunca viveu nada.

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Que bom, digo, que bom que, por mais que muito careca, ainda sobram pêlos para nos arrepiar na vida. Estamos vivos. Estamos prontos. Às vezes a gente se julga à prova de emoções. Que bobagem. Os pêlos, pelo amor de Deus, nos traem. Os olhos do velho Chico brilhavam. Não eram verdes àquela altura, eram clorofilados pelo sol (de Albert Camus) da resistência.

Meninos fracos

Os meninos novos ficam aí nas redes dizendo que Francisco foi lá por receber da Lei Rouanet etc. Quanta bobagem. De que o xará precisa? Sempre foi um grande artista que vive dos seus discos, dos seus livros e do amor que nos desperta, ai sim, a grande moeda da existência. Se depender disso, me orgulho de sustentar esse homem. Banco.

Foi bonita a festa, pá, fiquei contente. Que beleza, diante de tanta obviedade golpista ir para as ruas e defender o contrário. O mundo tem que saber disso. O mundo já sabe faz tempo. O mundo tem que saber, apesar dos jornais e dos telejornais, que existe outra gente. Às vezes a gente, diante de tantos paneleiros pautados pela televisão, acha que só existe esse tipo de pessoa na varanda. Não. Estamos vivos. E nos olhos do Chico nos clorofilamos.

Que beleza, diante de tanta obviedade golpista ir para as ruas e defender o contrário

E no reencontro com Mano Brown outro dia no aeroporto de Congonhas ficamos mais vivos ainda. Se o lead da imprensa nos mata, essa gente nos ressuscita. Chico, Brown, a massa etc. Se bem que com o Brown só falamos do que mais interessa no mundo: O Santos Futebol Clube. Valeu, irmão. Sempre. Sabe ainda a Copa do Brasil, aquela noite esquisita do Peixe? Contra o Palmeiras. Só falamos sobre isso. Nós.

Chico na Carioca

No que o xará deu a letra: “No sinal fechado/

Ele vende chiclete/ Capricha na flanela

E se chama Pelé/Pinta na janela

Batalha algum trocado/Aponta um canivete

E até/Dobra a Carioca, olerê...”

No que Francisco chegou tão lindamente na Carioca, carajo, a praça sentiu a presença, ele entrou decentemente, mirando nos olhos da humanidade, crente nos homens e mulheres que estavam à sua frente, crente em quem é livre para pensar diferente da tese única da mídia golpista brasileira.

Ufa!

Xico Sá, escritor e jornalista, é autor do romance Big Jato (editora Companhia das Letras), entre outros livros.

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