Decifrando Alessandra Negrini
Pode acontecer de tudo até a quarta de cinzas, mas dificilmente alguém tomará o posto de Alessandra Negrini como a 'danada-mor' da folia
Tio Nelson Rodrigues bateu palmas e disse, com o seu vozeirão de tarado católico: “Não tem para ninguém, barbada, meu filho, ninguém representa a ideia de pecado e liberdade ao mesmo tempo como essa minha Engraçadinha”.
Tio Nelson falou e está falado. Musa de carnaval se elege de véspera. E ela vem, pasme, do túmulo do samba —como o poeta Vinícius de Moraes, carioca, em uma discussão bêbada de boate, batizou a cidade de São Paulo.
Pode acontecer de tudo até a quarta de Cinzas, pode, mas dificilmente alguém tomará o posto de Alessandra Negrini como a danada-mor da folia. Musa engajada, política e insuperável safadeza.
Vestida de noiva, nada mais ao agrado do tio Nelson, ela desfilou domingo como rainha de bateria do bloco Acadêmicos do Baixo Augusta. Sim, era um protesto contra o Estatuto da Família, o projeto careta de lei que tramita no Congresso e tenta, bobamente, ave!, definir como casal apenas marido e esposa. Que preguiça, amigo Macunaíma!
Engraçadinha!
O que tem essa mulher? Posso arriscar? Jura?
Ela tem maldade, ela tem perversão, ela tem safadeza nas pupilas... Taí, safadeza nas pupilas talvez seja o grande segredo de ser ou não ser sexy. Magnética, diria um Jorge Ben Jor. Ela dá uma olhadinha de tímida para as câmeras, mesmo sendo tão íntima da televisão. Tem aí algo de moça do interior. Há nisso, de certa forma, uma beleza mineira, mesmo em uma paulista com família de Santos.
O riso suspenso
Tem uma coisa linda em conseguir abrir o riso e suspendê-lo, em segundos, como se lembrasse da existência, para depois rir de novo de tudo. Quantos segredos para se descobrir numa mulher! Eis a minha prosa do observatório.
Há nisso tanto mistério... No que recordo o que escrevi sobre ela, em um delírio chamado O Livro das Mulheres Extraordinárias (editora Três Estrelas). Repare se eu não tenho razão, amigo:
A prova de que Alessandra Negrini talvez seja a mais tesuda, em todos os sentidos do termo, é que é sempre citada por homens e mulheres como a mais rodriguiana das fêmeas brasileiras.
Óbvio que, até por não ser científica, a minha pesquisa Databotequim é a que mais vale. Ando pelo país inteiro e escuto, respeito as falas, os juízos, e quando se fala em Nelson Rodrigues... só se fala em Negrini. Sinto muito não poder fazer aqui, na prosódia, aquele vexame onomatopeico dos homens diante da gostosa-mor dessa porra.
Tem a sutil maldade capaz, meu rapaz, de levar ao desatino um mosteiro inteiro com os mais religiosos dos homens
Juro, não vou buscar agora, na minha coleção raríssima, a Playboy mais incrível já publicada nos tristes trópicos, não buscarei nada, só ouvirei a voz rouca das ruas.
Estou proibido, quero dizer, me sinto eticamente proibido. Ela é mulher de um grande amigo. Ela é ex de outro nobre camarada quase irmão. Ela viveu sempre na proibição minimamente ética. Um dia chegará a minha vez (risos), eu espero.
A melhor Playboy
Por favor, não insista, não lançarei mão daquele ensaio clássico de Playboy, a melhor edição desde Gutenberg. Vamos testar a memória deste velho cronista. Escrever na contramão do Alzheimer erótico que já toma conta da massa cinzenta. Tentarei lembrar daquelas fotos, é preferível.
A Engraçadinha rodriguiana naquele mundo da Lapa carioca. Nunca mais esquecerei aquele momento, diante daquele espetáculo. Ela encarnou o melhor de uma dama da calçada. Em um corredor, talvez de um hotel de alta rotatividade, de botas, arrisco, a foto mais bonita do artista Bob Wolfenson.
Não, não cairei na tentação primária de reabrir a revista. Pacto é pacto. Prefiro suar o quengo para trazê-la de volta à memória, quadro a quadro.
Aqui, do Nova Capela, restaurante próximo ao cenário das tais fotografias, sinto o cheiro da passagem de tal dama. Até parece que ela adentra no ambiente e encara um cabrito, batatas coradas, brócolis, vinho do Alentejo, fome de viver fora do script.
Alessandra Vidal de Negreiros Negrini. Sim, parente do homem dos livros de história, o bravo da Insurreição Pernambucana (1645-1654).
Ela devora o cabrito como a Cleópatra que fez genialmente no filme do diretor Júlio Bressane. Tem a sutil maldade capaz, meu rapaz, de levar ao desatino um mosteiro inteiro com os mais religiosos dos homens. Basta aquela sua ameaça de sorriso, uma das suas mais belas expressões, para que o nosso mundo desabe.
Uma mulher capaz de sair do palco de Tchékhov em A gaivota e, nas ruas, engrossar o coro da massa: “Vai, Corinthians”. Sim, amigo torcedor, ela ama o seu time. E, óbvio, há um tesão sem fim nas garotas que se devotam ao futebol.
Xico Sá, escritor e jornalista, é comentarista dos programas Amor & Sexo (Globo) e Papo de Segunda (canal GNT) e autor de Os Machões Dançaram –crônicas de amor e sexo em tempo de homens vacilões (Record), entre outros livros.
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