Esquerda se une contra impeachment e supera mobilização anti-Dilma em São Paulo
Movimentos que até poucos meses não conseguiam chegar a um acordo se unificaram Protesto em São Paulo teve 55.000 pessoas. Ato pró-impeachment teve 40.300
Sob o risco da continuidade do processo de impeachment no Congresso, a presidenta Dilma Rousseff conseguiu um reforço importante fora das esferas de decisão de Brasília. Nesta quarta-feira, os movimentos de esquerda deram sinais de que parecem estar dispostos a se unir em torno de um discurso para defendê-la nas ruas, mesmo divergindo de muitas das medidas tomadas pela presidenta neste segundo mandato.
Pela manhã, um grupo composto pelos principais intelectuais do país lançou um manifesto contrário ao impeachment, em São Paulo. À tarde, milhares de movimentos sociais ligados a correntes partidárias que não conseguiam se entender diante de algumas pautas até poucos meses atrás, uniram-se em um ato que tomou a avenida Paulista e a rua da Consolação, em São Paulo, para gritar contra o que chamam de “golpe da oposição”. A união das entidades de esquerda fez com que a marcha anti-impeachment superasse em número os manifestantes pró-impeachment, que lotaram a Paulista no último domingo, por um placar de 55.000 pessoas contra 40.300, segundo a mesma fonte, o instituto Datafolha. Além de São Paulo, outros 25 Estados e o Distrito Federal também tiveram atos anti-impeachment, mas com menos participantes.
Apesar de fazerem questão de deixar claro que não pretendem defender a política de ajuste adotada por Rousseff e de criticarem ocasionalmente o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, responsável pelos cortes, os gritos de apoio ao mandato da presidenta se sobrepuseram desta vez. Entre os movimentos, o discurso de consenso era de que se está ruim com ela, pior será se o PMDB assumir o poder, por meio do vice-presidente Michel Temer. “O impeachment representa um claro retrocesso”, taxou o grupo de organizadores, em um manifesto lido por lideranças de três entidades: o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), mais alinhado ao PSOL e que faz críticas mais duras ao Governo, a União Nacional dos Estudantes (UNE) e o sindicato dos professores estaduais de São Paulo (Apeoesp), ligados ao PT. A Central Única dos Trabalhadores (CUT), alinhada ao partido governista, também era uma das organizadoras, e conseguiu mostrar sua musculatura, levando uma grande parte dos manifestantes desta quarta-feira. Também estavam presentes movimentos feministas e pessoas que não eram ligadas a nenhuma entidade, mas são contrárias ao impeachment.
“Existem três bandeiras que unificam a esquerda e estamos nas ruas por elas. Hoje marca o início de uma nova situação no país. Os movimentos precisam se organizar para lutar”, explicou Jorge Paz, 66 anos, candidato a vice-presidente na última eleição na chapa encabeçada por Luciana Genro, do PSOL -ela chegou a defender neste mês a realização de novas eleições em 2016, como saída para a crise. As três bandeiras a que ele se refere são o “não vai ter golpe”, o “fora Cunha” e o “fim do ajuste fiscal”.
No início de outubro, o racha da esquerda ficou evidente. O grupo ligado ao MTST lançou a Frente Povo Sem Medo, marcada pela maior presença de entidades ligadas ao PSOL. A Frente se posicionava contrária ao impeachment, mas queria colocar nas ruas também uma critica veemente às políticas adotadas pelo segundo Governo de Rousseff -como já havia feito em um ato de 21 de agosto, em que deixou o PT de escanteio. A posição crítica ao Governo era vista com receio pelo PT, que também critica o Levy, mas que temia que enfatizar essa bandeira nas ruas poderia enfraquecer ainda mais a presidenta. Por falta de entendimento sobre o tom das críticas ao Governo, o partido governista criou no mesmo mês uma outra Frente, a Brasil Popular. Naquele mesmo outubro, elas afirmavam que só fariam atos juntas caso tivessem bandeiras em que entrassem em acordo. Nenhum foi feito.
Apesar de institucionalmente o PT não ter participado da marcha desta quarta-feira, seus militantes foram incentivados abertamente a compor o ato pelo próprio partido e formaram um grande bloco. Muitos políticos petistas de peso também compareceram, como o ex-senador Eduardo Suplicy, e o ex-ministro Alexandre Padilha, ambos atualmente na Prefeitura.
A união só parece ter sido possível novamente diante do quadro crítico. O próprio PT avalia que há um constrangimento de se pedir para seus militantes tomarem às ruas para defender um Governo que nem eles veem como seu. A grande crítica é que, após ser eleita, Rousseff adotou o programa de Governo do candidato vencido, Aécio Neves (PSDB) -ela o fez por avaliar que o modelo anterior, desenvolvimentista, já estava esgotado, o que levou o país à atual crise econômica. Mas para seus críticos, os mesmos que votaram nela nas eleições passadas, ela deveria voltar a apostar no modelo que marcou o primeiro Governo de Luiz Inácio Lula da Silva para sair da crise. Sob o comando de Levy, a área econômica impôs cortes caros às bases do partido e mudanças que foram consideradas prejudiciais aos trabalhadores, seu núcleo duro desde a fundação do PT.
Intelectuais da USP lançam manifesto contra o impeachment
Também foi em tom de defesa da democracia e não do Governo Dilma, que centenas de pessoas se reuniram na manhã desta quinta-feira na Faculdade de Direito da USP. O ato foi chamado por um grupo de professores da universidade que lançou um manifesto intitulado Impeachment, legalidade e democracia, que defende que o processo de impedimento é inconstitucional e sem embasamento jurídico. Até a noite desta quarta, mais de 7.000 pessoas haviam assinado o documento.
"Não é paralisados que vamos salvar a democracia no Brasil", disse a professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Ermínia Maricato. "Não há nenhum fundamento jurídico para dar apoio a esse pedido de impeachment", disse o jurista Dalmo Dallari. "Não se trata de estar à favor de Dilma, mas à favor da Constituição", disse. Ao lado deles, outros professores, como o cientista político André Singer, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo e o cientista político Roberto Schwartz compunham a mesa.
Na plateia, composta por professores e estudantes, jovens e outros nem tanto, o discurso de defender a democracia, mas não o Governo, era parecido. “Meu genro trabalha em uma agência de publicidade e está sentindo na carne essa crise”, disse um senhor. “As coisas estão terríveis”, finalizava. Ninguém defendeu Dilma Rousseff, mencionada apenas uma vez, na fala de Dallari. Todos, porém, defendiam a democracia. “Estamos defendendo a democracia, que está sendo ameaçada”, afirmou Luiz Carlos Bresser-Pereira, professor da FGV. “Por quem? Por um bandido, de um lado, que merece ser preso. E pelos liberais, de outro”, afirmou, se referindo ao presidente da Câmara Eduardo Cunha(PMDB).
“Temos uma tarefa histórica”, disse a filósofa Marilena Chauí. “A de explicar que se o golpe vier, nós teremos, por causa de toda a discussão em torno no terrorismo mundial, uma ditadura que nos fará achar que a de 64 foi pão doce com bolacha.”
O prefeito Fernando Haddad (PT) e a primeira-dama Ana Estela, além do secretario de Direitos Humanos Eduardo Suplicy (PT) e o de Transportes Jilmar Tatto (PT) estavam na plateia, mas não falaram publicamente.
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