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Lições para brilhar como drag queen

Curso ensina desde a história das drag queens até como fazer a sobrancelha desaparecer

Marina Rossi

A equipe do Sesc Santana estava preocupada com a potência do ar-condicionado dentro de uma sala com espelhos com cobriam toda uma parede. A temperatura lá fora beirava os 30 graus e a maquiagem poderia derreter se a refrigeração não funcionasse perfeitamente bem. Dentro da sala, 25 alunos aguardavam pela primeira aula de maquiagem, parte essencial do currículo do curso de drag queen. Eles já haviam tomado aulas de história, atuação, passarela e dublagem, mas a de maquiagem era uma das mais esperadas. "O curso é para reforçar a visão artística da drag queen", explica Zecarlos Gomes, professor e idealizador do curso. "Existe uma banalização muito grande em torno do tema, mas a drag queen é uma artista."

Antes da aula começar, alunos e o professor formaram uma roda no chão e conversaram sobre as atuações da aula anterior. "O show tem que ultrapassar a dublagem", dizia o professor. "Não adianta vir pra cá e apostar na simpatia. Tem que estudar." 

Depois da conversa, todos foram para a frente do espelho. Esparramaram batons, lápis, sombras de dezenas de cores, glitter e cílios postiços pelas mesas e prestaram atenção à primeira lição prática. "Todo mundo aqui sabe como esconder a sobrancelha?", pergunta o professor. Aprendizado número um para a reportagem: As drag queens não raspam a sobrancelha. "Vocês devem pentear elas para cima, até elas ficarem bem abertas", diz Zecarlos. "Assim", e arregala os olhos e mostra a mão com os dedos bem abertos, com a palma voltada para o rosto dele. "Depois, passem bastante cola em bastão em cima." Neste momento, é difícil saber se a cola dá menos aflição que a depilação. Mas o professor seguiu: "Agora, passem bastante pó. Esperem secar. Passem mais cola e mais pó. Repitam isso três vezes".

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Cinco alunos da turma já se vestem profissionalmente: incorporam suas personagens em apresentações públicas e isso se mostrava na desenvoltura com a maquiagem. Eram eles que escondiam a sobrancelha com perfeição. Outros estavam tendo contato com os pincéis, bases e pós pela primeira vez. O resultado, evidentemente, foi bem variado.

A maioria dos alunos tem alguma ligação com o universo artístico, mas essa não é regra. A turma é feita de atores e atrizes, mas há também estudantes, um fotógrafo, um contador, uma produtora e recepcionista como Janaína Formigoni, 27, que trabalha em uma empresa japonesa que ela descreve como bastante formal. "Vim por curiosidade", diz ela. "Mas a minha visão sobre a artista que está atrás da drag queen vai mudar muito depois deste curso".

Dos 25 alunos, apenas cinco eram mulheres. Zecarlos explica que mulheres podem, perfeitamente, ser drag queen também. Mas é raro. Uma drag queen é uma personagem. "E é muito comum que se apresentem em clubes e festas gays", conta. Por isso, criou-se uma associação imediata das drag queens com esse universo.

Enquanto as matrículas do curso estavam abertas, o Sesc chegou a receber um e-mail criticando a realização das aulas. O termo "uma afronta à família" foi utilizado para emitir a opinião de um cidadão inconformado, mas a ideia do Sesc é continuar. A unidade da Consolação vai receber o mesmo curso, mas em uma versão mais curta, em formato de workshop, entre os dias 9 e 11 de dezembro.

Aprender a esconder a sobrancelha é uma tarefa importante, mas o curso, que durou dois meses, também contribui para que muitos alunos se sintam acolhidos. "Muita gente aqui sofre preconceito em casa e na rua", diz Aderson Neto, já montado. "Mas aqui no curso a gente pode se soltar, podemos ser nós mesmos."

O professor Zecarlos conta que pode levar anos para que uma personagem fique pronta. "A drag é um personagem que você vai desenvolvendo aos poucos", explica. "E existem vários perfis: a caricata, a andrógina, a atrapalhada... Já tive um aluno que não conseguia andar de salto alto de jeito nenhum. Ele resolveu isso incorporando essa dificuldade na personagem."

Não é o caso de Paulo Sergio Viana, 23. Ele se monta há cinco anos e jura que equilibra perfeitamente seus quase dois metros de altura em cima de um par de saltos. "Comecei a minha carreira em Dourados (MS)", diz. "Sou Miss Dourados, Miss Mauá e Miss Parada Gay de 2012." Enquanto fala, é interrompido: "Tá bom assim? Ou tá muito?", perguntou um colega que se maquiava pela primeira vez. "Tá ótimo", incentivou, com ar experiente.

Viana, cuja drag se chama Yasmin Carraroh, tem um sonho: fazer a uma performance na Blue Space, a boate em São Paulo famosa pelos shows de drag queens. "Ali você só entra se for do elenco. Ou se Deus te iluminar muito."

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