Senado dá tempo a Dilma e decisão sobre pedaladas fiscais fica para 2016
Governo tem 45 dias para apresentar defesa sobre manobras fiscais a partir desta quarta
A presidenta Dilma Rousseff ganhou um balão de oxigênio extra para defender o seu Governo. Nesta quarta-feira, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), concedeu 45 dias para que a equipe do Governo apresente sua defesa e tente convencer os parlamentares de que as supostas pedaladas fiscais constatadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) não configuram motivo suficiente para rejeição do balanço de 2014. Inicialmente, o prazo estipulado pela Comissão Mista de Orçamento do Congresso (CMO) era de 15 dias.
Após esse prazo de defesa, a CMO terá 77 dias para decidir se acata a recomendação de rejeição dada pelo TCU no dia 7 de outubro. Com isso, a decisão final deve sair apenas no ano que vem. Em tese, as supostas pedaladas de 2014, que configurariam "crime de responsabilidade" conforme a Lei do Impeachment, não podem acarretar no impedimento da presidenta para este mandato, que foi iniciado em 2015. Esta era a ideia inicial dos opositores da presidenta nos primeiros pedidos de impeachment apresentados contra ela. Para fazer seu objetivo vingar, um novo pedido de afastamento foi apresentado na Câmara nesta quarta, incluindo potenciais pedaladas cometidas em 2015.
O termo pedaladas fiscais foi dado à pratica que o Tesouro Nacional utilizou para atrasar de forma proposital o repasse de dinheiro para bancos responsáveis pela administração de programas do Governo, como o de concessão de subsídios para compra de maquinários via BNDES, o banco público de fomento. O objetivo da manobra seria melhorar o resultado das contas públicas, já que, ao não transferir o dinheiro, o Governo maquiava os gastos e apresentava despesas menores. Ao deixar de transferir os recursos, os pagamentos eram realizados com o caixa das instituições financeiras. No entendimento do TCU, isso acabou configurando uma operação de crédito entre os bancos e o seu controlador, o Governo, o que é proibido pelo artigo 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Um parecer do Ministério Público junto o TCU aponta que o tamanho das pedaladas de 2014 gira em torno de 40,25 bilhões de reais em 2014. Este valor refere-se a subsídios agrícolas concedidos pelo Banco do Brasil (BB), ao Programa de Sustentação do Investimento (PSI) (para compra de maquinários) do BNDES, de repasses ao Programa Minha Casa, Minha Vida junto à Caixa, e passivos do FGTS.
No entanto, o procurador do Ministério Público de Contas Júlio Marcelo de Oliveira ressalta que esse valor não corresponde ao que está sendo cobrado da União no momento. "O TCU não está cobrando da União a quantia de 40,25 bilhões reais. O que há são determinações para a quitação dos valores devidos ao BNDES e ao Banco do Brasil [que somam 31,93 bilhões de reais até junho de 2015], de acordo com cronograma a ser ainda apresentado ao TCU. Tais determinações são genéricas, não estipulam valores exatos e não se referem especificamente ao exercício de 2014", destaca.
A AGU, por outro lado, contesta o conceito de pedalada, mecanismo que já seria utilizado há muitos anos. "O TCU reconhece em documento que as pedaladas ocorrem há décadas. Desta forma, o problema não seria a mecânica e sim o volume das pedaladas. Agora, faz diferença se é um real ou mil reais? Não é o valor o que qualifica uma operação de crédito, é a sua mecânica. O tribunal não está sendo coerente", alega.
Na visão do ministro, as pedaladas não configuram operação de crédito porque estão previstas em contrato de serviço firmado entre a União e as instituições. Esses contratos, segundo Adams, contêm cláusulas que preveem que os bancos arcarão com os pagamentos mesmo quando não ocorrerem os repasses, cobrando juros sobre a operação. "Se é ilegal porque viola a Lei de Responsabilidade Fiscal, o TCU deveria sugerir que o contrato fosse refeito, corrigindo-se a cláusula", explica.
O ministro destaca também que nos últimos 25 anos a maioria dos ativos que estão sendo cobrados pelo TCU agora do Governo Dilma nunca haviam sido contabilizados como dívida pelo Banco Central. É o caso dos subsídios agrícolas do Banco do Brasil que foram considerados pedaladas pelo Tribunal.
Ainda segundo Adams, nem sempre é a União a devedora. Em alguns casos, a operação pode ser ao contrário. O Tesouro antecipa algumas transferências para bancos públicos que serão pagas a posteriori com juros. Em 2014, por exemplo, Adams destaca o recebimento de 141 milhões de reais da Caixa referente a juros pagos pela antecipação de recursos. "Em todos os anos é a Caixa quem paga para o Governo, não o contrário", conclui. Embora em alguns meses a Caixa opere com saldo negativo, por falta de repasses do Tesouro, no acumulado do ano, a conta tem sido positiva desde 1999.
O economista Alexandre Schwartsman contesta a visão da AGU. "O Governo fala que no consolidado do ano não deve nada. E daí? Isso é uma falácia. Desde 1999 é possível encontrar um ou outro mês com saldo negativo. Mas depois de 2012, esse fluxo ficou negativo por muitos meses. Em 2014, o Tesouro chegou a uma dívida de 6 bilhões de reais com a Caixa", contrapõe.
Para o especialista, a magnitude das pedaladas faz toda a diferença desta vez. "Ninguém se preocupou com isso antes porque eram valores muito pequenos. Desta vez, as pedaladas ocorrem com claro intuito de obscurecer o déficit", afirma. Segundo Schwartsman, o fato das pedaladas nunca terem sido motivo para rejeição das contas no passado não exime o TCU de ignorar o fato desta vez. "Em 2013, quando os volumes começaram a chamar mais a atenção, o TCU comeu bola aprovando as contas apenas com ressalva. Mas e daqui para frente? Quando isso vai parar se o TCU não punir agora?", complementa.
O professor de Direito Financeiro da USP, José Mauricio Conti, concorda. "Aumentou a intensidade, a dimensão, a ponto de você não poder reconhecer como uma ou outra operação irregular, mas sim algo que compromete toda a contabilidade pública do Governo", afirmou.
Dívida quitada e déficit de 2015
Na atual conjuntura, em que o país atravessa uma recessão e luta para ajustar as contas públicas, a grande questão é definir qual será a melhor forma de saldar essa dívida de 31,93 bilhões com os bancos, sem comprometer ainda mais o rombo nas contas públicas esperado para este ano de 30 bilhões de reais. O economista Mansueto Almeida, especialista em contas públicas, afirma que não há dúvidas que o Governo terá que pagar as "pedaladas fiscais", mas isso dependerá apenas das negociações com o TCU. "Não necessariamente o Governo terá que pagar tudo em um ano".
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