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Dom Pedro II na Atenas sergipana: ecos da cidade rica, culta e negra

Laranjeiras é hoje o 3.254° município em IDH do país. Mas guarda na memória os tempos que fizeram o Imperador cruzar o seu caminho

Mestre Zé Rolinha, rei dos Lambe Sujos, segura sua espada
Mestre Zé Rolinha, rei dos Lambe Sujos, segura sua espadaMauricio Pisani

Laranjeiras guarda na memória os tempos de bonança que levaram o Imperador do Brasil Dom Pedro II a visitá-la em 1850, quando o rei escolheu as cidades mais ricas do país para conhecer pessoalmente. Seguiu com a imperatriz Teresa Cristina, passeou pelas ruas da cidade, conversou com alunos das escolas, doou recursos para que os negros concluíssem a igreja que estavam construindo.  Era uma época em que o município nordestino fervilhava com uma elite intelectual que frequentava os três teatros da então vila imperial. Há registros de companhias francesas que se apresentavam ali, trazendo o melhor da bele epoque europeia.

A intensa atividade cultural rendeu-lhe o apelido de a Atenas Sergipana. Uma referência comum para falar de Laranjeiras era a cidade rica, culta e negra. O papel central da cultura entre as famílias abastadas fazia com que olhassem as festas folclóricas dos negros com benevolência. Eram os pobres vivendo a sua interpretação de arte. “Havia senhores de engenho que inclusive forneciam a cachaça para embalar a festa dos Lambe Sujos”, conta Evandro Bispo.

Nessa época, outras festas folclóricas nasceram e foram mantidas pela população pobre de Laranjeiras, algumas sob a influência dos colonizadores, como a Chegança, celebrada até hoje, que relembra as conquistas portuguesas do século XV, e a luta entre cristãos e mouros.

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Mas, a cidade dinâmica, que prometia um futuro esplendoroso, foi atropelada pela revolução industrial, quando os barcos a vapor levaram a velocidade para o mundo. Esses navios mais sofisticados não tinham espaço para navegar no rio Cotinguiba, até então a porta de entrada fluvial de Laranjeiras. Foi o início do fim da época de ouro da cidade, que viveu um êxodo das famílias ricas, e levou junto seu desenvolvimento. Jornais do início do século XX se referiam a Laranjeiras como um “burgo podre”, segundo pesquisa da antropóloga Beatriz Dantas.

Hoje, a região ainda vive de engenhos de açúcar, e de algumas indústrias ali instaladas. Mas não é sombra do que foi um dia economicamente. É o 3.254° município no ranking das 5.500 cidades brasileiras, com um índice de desenvolvimento humano (0,64)– que inclui nível renda, educação e longevidade – abaixo do nacional (0,74).

Os ecos do passado, porém, alimentam seu patrimônio cultural. E a riqueza agora pode se medir de outra forma. José Ronaldo de Menezes, mais conhecido como Mestre Zé Rolinha, sintetiza bem esse novo momento. Zé Rolinha é um dos mais ilustres moradores de Laranjeiras, devoto das tradições da sua terra desde criança, e por essa dedicação ostenta o título. Ascendeu socialmente e transcendeu na vida como ator da cultura popular. É também mestre na festa da Chegança.

Ser mestre em Laranjeiras nada tem a ver com dinheiro. O valor de um líder popular é medido pelo tamanho do seu amor pela história e as suas raízes.  “Vivemos aquilo que vem dos mais velhos, do passado, no presente. Meu dever é passar aos demais a cultura brasileira”, afirma Zé Rolinha.

Pela própria raiz histórica, é fácil deduzir que os Lambe Sujos cresceram à margem do poder local, sem recursos, com mais ajuda de guardiões como o Mestre Zé Rolinha ou Bispo, que conservam as histórias e seus mitos por tradição oral. O fotógrafo Lúcio Telles, de Aracaju, que retrata a festa dos Lambe Sujos há 18 anos, tem uma leitura particular no debate suscitado por esses personagens e por essa cidade escondida no menor Estado do Brasil. “Num momento em que a política não tem moral, o folclore é o oposto”, observa. “Tem prefeito, tem vereador, tem Governo, mas é tudo temporário, de quatro em quatro anos. A cultura, a pureza do folclore não é sazonal, e contrasta com essa decadência do poder político”, diz ele. Definitivamente, a riqueza em Laranjeiras mudou de forma e de mãos.

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