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Mães empreendem para ganhar a vida mais perto dos filhos

Abrir negócio vira necessidade quando mercado de trabalho inibe sonho da maternidade

Ana Laura Castro e Camila Conti, do Maternativa
Ana Laura Castro e Camila Conti, do MaternativaFernando Cavalcanti

Crianças correm por todos os lados, riem alto, arrastam brinquedos e gritam por suas mães, que estão sentadas no chão do pátio, em roda, disputando espaço com dinossauros de plástico, bolas, carrinhos, bonecas e mordedores, enquanto assistem atentamente a uma palestra sobre gestão de carreira. A cena é emblemática por diversos motivos. Aquelas crianças que se divertem e fazem barulho enquanto as mães trocam experiências sobre administração em nada atrapalham o andar da reunião. Tampouco estão ali porque não tinham com quem ficar enquanto os adultos tentam trabalhar. Pelo contrário. Aquelas crianças são a origem e o cerne do encontro, promovido a cada quinze dias por mães empreendedoras do projeto Maternativa.

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O Maternativa nasceu das redes sociais, há cerca de um ano. Foi criado por duas mães de primeira viagem que, na casa dos 30 anos, decidiram abrir o próprio negócio para garantir o que o mercado de trabalho brasileiro nunca conseguiu proporcionar para mulheres na mesma condição: mais tempo na criação e formação humana dos filhos.

Na época, as amigas Ana Laura Castro e Camila Conti compartilhavam da mesma frustração. Ao dar à luz ao primeiro filho, decidiram que não queriam “terceirizar a educação dos meninos”, matriculando os pequenos em creches logo que saíssem da licença maternidade, de quatro meses, concedida pela empresa onde trabalhavam.

Ana Laura optou por pedir demissão e criar, com uma sócia, uma empresa de decoração infantil, a Festinhas Manuais. Já a Camila não teve nem opção. No momento em que voltou da licença maternidade, foi demitida da empresa onde trabalhava como designer gráfico. Começou a atuar como free lancer na mesma área, com projetos de um antigo cliente, para complementar a renda familiar, que ficou desfalcada no ato do desligamento. Com o aumento no volume de trabalhos, abriu o próprio negócio, o Coisafina Estúdio de Design.

“Na maior parte dos casos é essa a realidade do empreendedorismo materno: mulheres que tiveram um filho e não conseguiram voltar para o mercado, ou foram demitidas, e precisavam de uma fonte de renda”, explica Camila. “Ser mulher já é difícil em uma sociedade machista. Ser mãe é mais difícil ainda”, complementa.

As empresárias listam uma série de exemplos que retratam a dificuldade das mulheres em se inserirem novamente no mercado de trabalho, mesmo quando têm o desejo de continuar com suas profissões. Um deles é a amamentação. Especialistas recomendam que a amamentação exclusiva ocorra por, no mínimo, seis meses. A licença maternidade obrigatória, contudo, é de quatro meses. “As empresas também demandam a mesma produtividade de uma mulher que agora nem está mais conseguindo dormir de noite. Muitas se quer têm apoio do companheiro em casa”, destaca Ana Laura.

Camila concorda. “O que o mercado de trabalho faz com as mulheres que decidem se tornar mães? Incentiva a má alimentação do filho desde pequeno, pois dificulta a amamentação no período correto. Também promove a ruptura de um vínculo entre a mãe e o bebê que é importante nos primeiros anos de vida dele, forçando essas profissionais a deixá-los em creches. O resultado é essa sociedade doente que a gente vê”, afirma.

Ana Laura e Camila Conti: o empreendedorismo materno é uma expressão do feminismo
Ana Laura e Camila Conti: o empreendedorismo materno é uma expressão do feminismoFernando Cavalcanti

Com a bandeira do “direito à independência financeira e à maternidade consciente” nasceu o Maternativa, que acabou de transcender as redes sociais para se tornar uma plataforma de mães empreendedoras na internet. A marca, inclusive, resume bem o lema. “É a maternidade como uma locomotiva que move a vida, tanto pessoal quanto profissional”, explica Ana Laura.

A plataforma online funciona como um “indexador” de empresas lideradas por mães. A ideia é que o site seja uma vitrine de pequenos empreendimentos maternos, para que negócios sejam fomentados dentro do grupo. Há empresas dos mais variados segmentos, como advocacia, corretagem de imóveis, marcenaria, artesanatos, brinquedos de pano. Não é preciso ter a temática “materna” na oferta de bens ou serviços. A única restrição é que sejam empresas gerenciadas por mães. “Eu já consegui muitas clientes pela rede, que me pedem para criar a marca de seus negócios”, conta Camila. Em agosto, a executiva conseguiu um “salário” semelhante ao que tinha quando era funcionária da agência que a demitiu.

No Maternativa há empreendimentos nos mais variados estágios de maturação. Uns já auferem lucro, outros ainda não cobriram o investimento inicial. Nesse sentido, a empresa serve como um apoio para que essas mulheres consigam prosperar em seus negócios. “Ninguém nasce sabendo empreender. Muitas mulheres estão atuando em um segmento que não é o mesmo de sua formação profissional. Nosso objetivo é ser uma rede que fortaleça o empreendedorismo materno, munindo essas mulheres de informação e conhecimento sobre gestão”, diz Ana Laura.

Isso acontece por meio dos encontros de mães empreendedoras, articulados pelo Maternativa, que acontecem uma vez a cada quinze dias ou uma vez por semana, de acordo com a agenda das participantes - batizados de Cafeína. “Convidamos uma mãe da nossa rede para dar uma palestra sobre um tema que domina. Há muitas feras no grupo e que topam colaborar gratuitamente nos encontros. Já fizemos reuniões sobre finanças, planejamento de carreira, marketing, vendas. É uma troca de conhecimento muito importante para nós, que nos vimos, de um dia para o outro, empreendedoras”, conta Camila.

Os encontros são gravados e exibidos ao vivo para as mães que não puderam participar. Cada reunião conta com a presença de cerca de 30 mães empreendedoras, sempre acompanhadas de seus filhos. O modelo de negócios do Maternativa é pautado na economia colaborativa. Nada é cobrado das participantes, nem para os encontros, nem para incluir cadastro de suas empresas na plataforma online.

Eventualmente, as executivas pensam em receber patrocínio ou “investimento anjo”, para poder ampliar o escopo de atuação. “Nos enxergamos, no futuro, como um negócio social. Estamos nos preparando para participar da incubadora da Yunus Negócios Sociais ano que vem”, adianta Camila. O que as executivas querem, eventualmente, é garantir uma fonte de fomento para aumentar a estrutura dos encontros, chegar a mais lugares e até a empresas, conscientizando os diretores e presidentes da importância de valorizar as profissionais que se tornam mães.

A necessidade desse trabalho de conscientização é reforçado no depoimento de Janie Paula, que frequenta todos os Cafeínas que pode e já deu palestra sobre gestão de carreira no encontro, no começo deste mês. Hoje, ela é doula, profissional que acompanha mulheres durante a gestação. Mas já foi produtora de cinema. Acredita que tomou a decisão correta, pois se sente realizada com a profissão que escolheu. Percebe, entretanto, que nem todas as mães empreendedoras compartilham desse sentimento. “Muitas das empreendedoras que conheço deveriam estar em suas antigas profissões, que exerciam muito bem e que amavam. Quantas profissionais competentes, que estão na melhor fase de suas vidas em produtividade, o mercado de trabalho perde por ano por que não contempla as demandas dessas mulheres enquanto mães?”, questiona.

Janie Paula em palestra durante o Cafeína
Janie Paula em palestra durante o CafeínaAcervo pessoal/Facebook

“Queremos que o empreendedorismo se torne uma escolha e não uma necessidade. Mas enquanto for uma necessidade, o Maternativa vai gerar conteúdo e informação para essas mulheres empreendam com qualidade”, complementa Ana Laura, que é pedagoga por formação.

Estudo do Sebrae aponta que existem hoje no país 7,3 milhões de mulheres que são donas do próprio negócio, ou 31% do total de empreendedores brasileiros. Ao todo, 78% das empresárias são mães.

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