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A ambivalência de Temer aumenta diante da crise de Dilma Rousseff

O ex-presidente tem sido elogiado pela oposição, enquanto é abraçado pela presidenta

Temer ao lado de Rousseff no desfile de 7 de setembro.
Temer ao lado de Rousseff no desfile de 7 de setembro.EVARISTO SA (AFP)

Um vice-presidente calejado pela política. Os seis mandatos de deputado federal, as três vezes em que foi presidente da Câmara e os 42 anos de advocacia fizeram de Michel Temer um expert em analisar com frieza as movimentações nos cenários político e econômico brasileiro. Ocupando pela segunda vez consecutiva o segundo principal cargo da República, suas movimentações têm chamado a atenção tanto do Governo como da oposição, fazendo com que todos queiram estar ao seu lado para tê-lo como aliado ou, ao menos, para não tê-lo como inimigo.

A medida em que as crises política e econômica vividas por Dilma Rousseff (PT) se ampliam, o papel ambivalente de Temer se aprofunda, aproveitando as divisões existentes dentro do próprio Governo. Nas últimas semanas, por exemplo, ele entrou em rota de colisão com o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, um dos preferidos de Rousseff, para defender o chefe da Fazenda, Joaquim Levy, nome escolhido por ela à contragosto do PT para agradar o mercado e que é mais próximo ao PMDB. Levy não concordava com a decisão de Barbosa de apresentar ao Congresso Nacional um Orçamento deficitário, ainda que fosse algo mais transparente. Após a apresentação, a nota de risco do Brasil acabou rebaixada pela agência Standard & Poor's e Rousseff teve de concordar com sugestões de cortes feitas por Levy, que contaram com o apoio dos peemedebistas.

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Um outro sinal dado por Temer que preocupou os petistas foi o vai-e-vem sobre um possível aumento de impostos. Primeiro, ele avisou que sugeriria aos governadores peemedebistas a entrega ao Governo de um projeto para subir o imposto dos combustíveis (a CIDE). Na hora de apresentar a proposta, contudo, voltou atrás. Deixou a ministra da Agricultura, Kátia Abreu, fazer oficialmente a sugestão, afirmou que vários governadores concordavam com a medida, mas que ele mesmo achava que reajustes tributários só deveriam ocorrer em último caso.

“Entendemos que não somos nós, do PMDB, que devemos sugerir novos impostos. Mas se o Governo apresentar as propostas para acabar com o déficit do Orçamento [de 30,5 bilhões de reais] e entender que mais tributos são necessários, nós vamos apoiar porque somos da base. Foi por essa razão que o vice-presidente decidiu não apresentar ele mesmo a sugestão de aumento da CIDE”, explica o líder do PMDB na Câmara, o deputado Leonardo Picciani.

Dos dois lados

Foi nos últimos dois meses que o então discreto Temer, apelidado pelo finado ex-senador e oligarca baiano Antônio Carlos Magalhães de “mordomo de filme de terror”, abriu as portas para os dois lados. À Rousseff diz ser leal. Tenta ajudá-la no Congresso Nacional, reúne-se com lideranças partidárias e participa de seu seleto grupo de Coordenação Política, formado por uma dezena de ministros. Aos opositores dá sinais indiretos. Profere palestras para milionários empresários da sociedade paulistana que são a favor da destituição presidencial, convence representantes de federações de industriais e confederações de trabalhadores a se aproximarem do PMDB e faz declarações dúbias que mostram a debilidade da gestão da qual, por enquanto, ainda faz parte.

As especulações de que Temer estaria se posicionando para ocupar a cadeira de Rousseff ganharam força no início de setembro ao ponto de a sua assessoria de comunicação ter de divulgar uma nota à imprensa negando que ele estivesse conspirando contra a presidenta. “[O vice-presidente] advoga que a divisão e a intriga são hoje grandes adversários do Brasil e agravam a crise política e econômica que enfrentamos”, diz trecho do comunicado.

O documento foi publicado três dias depois de Temer dizer a empresários e socialites de São Paulo, a maioria opositores de Rousseff, que se a popularidade do Governo continuasse tão baixa (hoje não chega aos 8%), dificilmente a presidenta terminaria o seu mandato. “O vice-presidente precisa medir onde e o que falar. Ele não deveria ter ido dar palestra para um grupo de ricos que quer derrubar o Governo. Isso que dá atender a pedidos da esposa que quer agradar a high society”, disparou um parlamentar da base aliada.

“O Temer em si não conspira, ele tem quem faça por ele”, avaliou um parlamentar aliado do vice-presidente se referindo a figuras como o ministro da Aviação Civil, Eliseu Padilha, e aos ex-ministros Geddel Vieira Lima e Moreira Franco.

Rousseff sabe que, apesar da ambiguidade de seu vice, precisa dele e do partido que ele preside há 15 anos para seguir no cargo. De cada dez deputados da base governista, dois são do PMDB e, entre os senadores, a proporção é de quatro para cada dez. Além disso seis dos 39 ministérios de Rousseff estão sob o comando dos correligionários do vice-presidente. Ou seja, sem os peemedebistas, o governo teria dificuldade em aprovar até projetos de sessões solenes de homenagens. 

“Desde a presidência do Lula, o PMDB apoia o Governo em troca de favores. Quando o Governo Dilma entra na crise atual, a fatura cobrada pelo PMDB passou a ser mais cara. Está se tornando impagável”, analisa o cientista político Luís Felipe Miguel, professor da Universidade de Brasília.  Nessa linha, Miguel entende que a posição do vice-presidente tem sido “deliberadamente ambígua”. “O Temer está fazendo movimentos de zigue-zague, dá uma no cravo e outra na ferradura, dá um aceno à oposição e jura lealdade ao Governo no outro dia. Mas acho que ele e o PMDB estão esperando ver para onde o vento vai soprando e ficar ou como os fiadores de um Governo, que eles vão tutelando cada vez mais, ou como um plano B para, caso haja o impedimento da presidente”, avalia o professor da UnB.

No meio político, alguns avaliam da mesma maneira. “O Temer está igual caçador na floresta, só na espreita”, disse um congressista petista. “Se ele falar a que veio, de verdade, pode perder apoio de um ou de outro lado. Como é muito esperto, não vai fazer isso tão cedo”, afirmou um outro parlamentar do oposicionista PSDB.

Teses conspiratórias

Apesar das teorias conspiratórias, há quem acredite que Temer está apenas fazendo uma análise correta do momento político brasileiro. “Não vejo conspiração. Quando ele diz que alguém precisa unificar o país, ele está fazendo um alerta. Quando fala da dificuldade da Dilma cumprir o mandato, está falando a verdade. O Governo dela tem sido boicotado pela ‘cozinha’ do Palácio do Planalto. E o Temer enxerga isso”, pondera o cientista político e professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo Aldo Fornazieri.

Como diz o professor Miguel, da UnB, o que Temer quer mesmo é parecer contraditório. “É um político muito experiente e frio para fazer esses movimentos sem ser de maneira calculada”, conclui o especialista.

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