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Gritaria e o “sentimento” do doleiro Youssef na viagem da CPI a Curitiba

Delator da Lava Jato reafirma que Planalto sabia de desvios, mas diz não ter provas disso

Alberto Youssef na sessão da CPI em Curitiba.
Alberto Youssef na sessão da CPI em Curitiba.RODOLFO BUHRER (REUTERS)

No primeiro dia de sessões da CPI da Petrobras em Curitiba, epicentro das investigações da Operação Lava Jato, o saldo foi magro. Gritaria, perguntas insólitas e troca de acusações emolduraram o longo depoimento do doleiro Alberto Youssef, peça-chave no caso, que repetiu informações já conhecidas, mas voltou a constranger o Governo e o PT ao reafirmar que os esquemas de desvios da estatal  “serviam aos interesses do partido [PT] e da base aliada”. Youssef fechou acordo de delação premiada com Justiça, que inclui apresentação de provas de suas denúncias, mas disse aos deputados da comissão não poder comprovar suas acusações contra o Planalto. "A opinião é minha, é meu sentimento. Agora, provas eu não tenho."

A CPI, de já abalada credibilidade pela blindagem de acusados do PMDB, teve de lidar com outro revés, o fato de que o relator da comissão, o petista Luiz Sérgio, ter sido convocado como testemunha de defesa do ex-tesoureiro do partido, João Vaccari Neto, preso preventivamente por suposta participação nos desvios da Petrobras. Nos corredores, vários dos parlamentares julgavam "urgente e necessária" uma escolha de Luiz Sérgio - ou o testemunho, ou a permanência na relatoria da CPI.

“Pedirei para que o meu nome seja excluído. Se não houver a possibilidade, me julgarei impedido”, se comprometeu o petista do Rio, que se esquivava das câmaras. Ele afirmou que sua indicação como testemunha foi um erro e justificou sua proximidade com Vaccari: “Normal, [o contato de parlamentares com tesoureiros de seus partidos], durante o período eleitoral há uma choradeira permanente de candidatos que dizem que estão sem recursos para campanha”.

"O senhor é o Papai Noel?"

"O senhor é o Papai Noel?", perguntou o deputado Delegado Waldir (PSDB) ao ex-diretor da Petrobras, Nestor Cerveró. "É que fica doando apartamento por aí...", completou, em referência à transferência de imóveis feita pelo acusado na Lava Jato a parentes antes de ser preso. Esse trecho do interrogatório de Cerveró, que já havia anunciado que permaneceria calado, dá dimensão do circo armado na sessão em Curitiba que constrangeu a audiência. Waldir interpelaria ainda Cerveró, apontando seus sapatos "de 500 reais", e o chamando de "bonitão" com "esse terno caro".

Coube também a Waldir elaborar uma pergunta para "entender a coincidência" de tantos protagonistas dos esquemas de corrupção e da investigação serem naturais da cidade paranaense de Londrina, que acumula casos de corrupção e lavagem de dinheiro, mas também desenvolveu práticas de vigilância e investigação.  "Tem coisas que a gente não explica, elas acontecem naturalmente", respondeu, serenamente, Alberto Youssef, protagonista de outro escândalo, o do Banestado, arrancando risadas da plateia.

Houve também momentos de tensão. Durante o depoimento do combalido empresário Mario Goes, que está preso no complexo médico de Curitiba, houve um rápido entrevero entre o advogado David Teixeira e deputados que insistiam em perguntar, apesar da prerrogativa de ficar em silêncio adotada pelo depoente. A discussão virou uma gritaria, com dedos em riste e acusações mútuas de falta de decoro e desacato.

A sessão de interrogatórios, que correu sem intervalos ao longo do dia, foi aberta perto das 9h. O de Youssef levou quatro horas. O doleiro negou ter qualquer contato com o ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci, mas voltou a citar repasses para a campanha dos senadores Gleisy Hoffman (PT) e Valdir Raupp (PMDB) e integrantes do PT. Ele disse nunca ter tido contato com o presidente do Senado, Renan Calheiros, e não conhecer o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, ambos do PMDB. No caso de Cunha, afirmou ter repassado valores para campanha indiretamente, a pedido do empreiteiro Julio Camargo. Segundo deputados da CPI ouvidos por esse jornal, a convocatória de Julio Camargo tem sido barrada pela cúpula da CPI, dominada por aliados de Cunha.

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O doleiro foi questionado ainda sobre sua participação em outro escândalo, o do Banestado, em 2004, quando teve o benefício da delação premiada pela primeira vez. A aceitação de Youssef pela segunda vez como delator é um dos pontos questionados pelos defensores dos acusados na Lava Jato para tentar invalidar suas denúncias.

Pela sede da Justiça Federal, em Curitiba, onde acontecem os interrogatórios, passaram ainda o empresário Mario Goes, o ex-diretor da área internacional da Petrobras Nestor Cerveró, Fernando Baiano, acusado de intermediar o recebimento de propinas para o PMDB, e os empresários Guilherme Esteves e Adir Assad. Nenhum deles respondeu a perguntas dos deputados. A última convocada, a operadora Iara Galdino, falou, admitiu culpa por contratar laranjas, mas afirmou que a delação que a incriminam por 90 contratos é "mentirosa".

Os depoimentos da CPI continuam até quarta-feira, se o cronograma for cumprido à risca. Nesta terça, Carlos Habib Chater, dono do posto em Brasília que batizou a operação da Polícia Federal fala -ou não- com os deputados. Além dele, responderão aos questionamentos da comissão a doleira Nelma Kodama, o operador René Luiz Pereira, os ex-deputados Luiz Argôlo (SDD), André Vargas (sem partido) e Pedro Corrêa (PP).

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