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Brasil: o queijo da discórdia

Milhares de produtores artesanais vivem entre a necessidade de vender seus produtos e se encaixar em normas sanitárias rígidas

Fábrica de queijos em Santa Catarina.
Fábrica de queijos em Santa Catarina.M. K. C.

Quando se cruza de carro um dos Estados mais ao sul do Brasil, duas coisas chamam a atenção. A primeira: as placas na entrada de várias cidades informando a proibição de vender alimentos que não tenham o selo da inspeção sanitária. A segunda são inúmeros pontos de venda – barraquinhas, carros particulares, etc. – de queijos, salames, doces e outras delícias feitas pelos descendentes dos imigrantes alemães e italianos.

Tais quitutes, denominados coloniais e muito populares nessa parte do Brasil, são justamente feitos por pequenos produtores que dependem da venda para viver, mas nem sempre têm o carimbo da vigilância sanitária.

Os fabricantes de alimentos no país estão obrigados a ter pelo menos um destes três tipos de permissão: o selo municipal (necessário para o produto ser vendido dentro da cidade onde é produzido), estadual e federal, cada um exigindo padrões de qualidade mais rígidos que o outro.

O pequeno agricultor que vende um queijo artesanal deve cumprir com os mesmos requisitos sanitários da grande empresa

O detalhe: segundo as normas, o pequeno agricultor que vende um queijo artesanal deve cumprir com os mesmos requisitos sanitários da grande empresa que enche os supermercados com seus laticínios.

O queijo colonial, feito com leite cru, não tem a denominação de origem controlada de um roquefort ou gruyère, embora os catarinenses estejam tentando consegui-la.

Por tudo isso, a situação faz lembrar a briga entre os produtores tradicionais de queijo da Europa versus os órgãos locais de inspeção. A diferença está na tradição queijeira do Brasil, mais recente, com fabricantes menos mobilizados que os europeus.

Controle forte

“É importante o controle sanitário ser forte e para todos, porque garante que a comida não causará doenças, e o alimento brasileiro é em geral bastante seguro”, destaca o economista Diego Arias, do Banco Mundial.

O problema é quando o produtor não tem condições de obter a certificação sanitária. Arias explica que conquistá-la requer capacitação, gestão do processamento, equipamentos, embalagens e rótulos adequados, entre outras coisas. E tudo isso, por sua vez, exige verbas.

De modo a ajudar os pequenos produtores a conseguir a certificação – o que significa mais renda para as famílias –, instituições como o Banco implementam uma série de projetos para levar recursos e treinamento à população das zonas rurais.

Um deles é justamente em Santa Catarina, onde o programa SC Rural, uma parceria com o Governo do Estado, atenderá 20 mil famílias até 2016. Também certificará 700 fazendas da agricultura familiar como livres de brucelose e tuberculose (duas doenças que prejudicam a qualidade da carne e do leite). 92% das propriedades locais são consideradas pequenas, com até 50 hectares.

Responsabilidade do fabricante

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O queijeiro Laércio Bollis, 48 anos, um dos beneficiados por esse trabalho, conhece bem o esforço necessário para regularizar a produção.

“Trabalhei com vários veterinários e nunca deixei que eles passassem a mão na minha cabeça. Faço tudo o que for preciso para estar dentro das regras. Mas cuidar disso em uma empresa pequena de laticínios é mais difícil do que em uma grande, que tem dinheiro para contratar muitos profissionais, comprar equipamento, se atualizar rapidamente, etc.”, conta.

Com o apoio do programa e de outras iniciativas de suporte à agricultura familiar, ele conseguiu reformar a fábrica e comprar o maquinário para ajustar a produção às normas sanitárias. E estava feliz com a possibilidade de dobrar a produção, que até o fim do ano passado era de 5 toneladas por mês.

“Já fiz queijo colonial com leite cru, hoje produzo o tipo colonial, que é com leite pasteurizado, dentro de todos os padrões de qualidade. Hoje acho ruim quem vende o queijo sem rótulo, sem nada. Se alguém passa mal comendo alguma coisa, quem fabrica tem de ser responsabilizado”, comenta.

Alimento seguro

Por falar em problemas causados por comida estragada, a Organização Mundial da Saúde (OMS) escolheu o tema Alimento seguro para o último Dia Mundial da Saúde, comemorado em 7 de abril.

“A cada ano, milhões de pessoas adoecem, muitas delas por comer alimentos contaminados. As doenças diarreicas matam 1,8 milhão de crianças a cada ano, e aproximadamente 75% das novas doenças infecciosas humanas surgidas nos últimos 10 anos foram causadas por bactérias, vírus e outros patógenos que surgiram em animais e produtos de origem animal”, informou a entidade em um comunicado na última semana.

A OMS acrescentou que enfrentar a questão exige o envolvimento de uma série de atores: desde os agricultores, passando pelos fabricantes de alimentos – como o queijeiro Bollis e outros tantos que vendem seus produtos nas ruas das cidades – até chegar ao consumidor final.

Mariana Kaipper Ceratti é produtora online do Banco Mundial

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