Falta de base legal torna impeachment de Dilma inviável
Maioria que foi às ruas nas manifestações pelo Brasil quer a saída da presidenta petista, mas não crê em impugnação
A maioria das pessoas que foi às ruas protestar novamente contra o Governo neste domingo quer o impeachment da presidenta Dilma Rousseff: 77%, segundo um levantamento do instituto Datafolha durante a manifestação. Mas, se por um lado o clima de descontentamento com o Governo é a maior motivação para que os participantes marchem pelas ruas, por outro, poucos acreditam que o comando da Administração vá mudar. Segundo a mesma pesquisa, 56% não acreditam que Dilma será afastada da presidência. “Eu quero [o impeachment], mas não acredito que isso vá acontecer. A questão é provocar uma reflexão no Governo”, disse a administradora Lilian Valério Martelleto, 57 anos, que carregava um cartaz comparando o PT a “um câncer do país”.
Talvez por essa descrença, apenas 13% dos manifestantes que estavam nas ruas neste domingo em São Paulo protestavam pelo impeachment – contra 29% em março. O motivo principal de adesão ao movimento foi a indignação contra a corrupção (33%).
Para o advogado e doutor em Direito Público Caio Márcio de Brito Ávila, não há embasamento legal para o pedido de impeachment. “Juridicamente a chance de acontecer um impeachment hoje é zero”, disse. Maria Socorro Braga, cientista política da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), concorda. “Até onde sabemos, não há conteúdo para impeachment”, diz.
Ainda assim, Carla Zambelli, que é gerente de controladoria e fundadora do grupo Nas Ruas, um dos grupos que convocou os protestos, listou quatro caminhos pelos quais Dilma poderia cair, de acordo com o movimento: “O primeiro é por impeachment, baseado no caso de corrupção da Petrobras; o segundo é por impugnação das eleições, porque as urnas foram fraudadas; o terceiro é pela cassação do PT, já que um partido político não pode ter ligação com um exército, e sabemos que, cada vez mais, a CUT [Central Única dos Trabalhadores] e o MST [Movimento dos Trabalhadores Sem Terra] provam que são um exército do PT”, diz. “E, finalmente, a Dilma pode renunciar. O PT está cada vez mais percebendo que ela está perdendo o controle e pode virar as costas para ela”, acredita. Para Braga, essas razões listadas por Zambelli não têm fundamento. “Todas essas condições são inconstitucionais”, diz a cientista política.
André Ramos Tavares, advogado e professor de direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e da Universidade de São Paulo, não há nada que justifique cassar um partido político no Brasil atualmente. “Se fosse comprovado que o partido tem atividades paramilitares ou recebe financiamento internacional, o que fere a soberania, isso seria possível", diz. "Mas não é o caso. Não há evidência de nenhuma dessas hipóteses. Portanto, cassar uma legenda nacional seria antidemocrático e ilegal.”
Juridicamente a chance de acontecer um impeachment hoje é zero Caio Márcio de Brito Ávila
Do ponto de vista legal, de pouco adianta que movimentos como o Movimento Brasil Livre (MBL), Nas Ruas e Vem Pra Rua tentem associá-la ao escândalo investigado na Petrobras. Isso porque, de acordo com a Constituição, “o Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções”, mesmo se fosse comprovado o seu envolvimento com o esquema de corrupção. E esta teria sido justamente a razão pela qual o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu o arquivamento da apuração contra Rousseff: apesar de ter sido citada por alguns delatores da Operação Lava Jato, a presidenta assumiu o cargo em 1º de janeiro 2011, e como o foco da investigação é anterior a isso, a petista foi poupada.
Baixa popularidade não justifica impeachment
A má avaliação do Governo, por si só, não é razão para tirar um presidente do cargo, embora Dilma Rousseff venha enfrentando uma grave crise de popularidade. O mesmo Datafolha, no domingo, publicou uma pesquisa que mostra que 60% dos entrevistados consideram o Governo Dilma ruim ou péssimo (em março de 2013, esse índice era de apenas 7%), 27% o acham regular e apenas 13% o consideram ótimo ou bom. Mas descontentamento não é razão constitucional para impeachment. “Isso seria o caso mais para o chamado recall político [uma espécie de arrependimento eleitoral que permite a revogação do mandato de um político que tenha frustrado os eleitores], que é um recurso que existe em algumas unidades federativas dos EUA, por exemplo, mas que não é algo previsto na lei brasileira. Ou seja, não é uma opção no Brasil”, esclarece o advogado Caio Ávila.
“O impeachment não é um processo de conveniência. Ele pode ter a sua carga política, mas é um processo jurídico excepcional. E não há hoje elementos para que ele ocorra. Julgar alguém que foi eleito democraticamente sem se apoiar em indícios fortes [da existência de crime de responsabilidade] é um disparate. O impeachment não pode ser um terceiro turno”, avalia Ramos Tavares.
O Brasil passou na história recente por um processo de impugnação presidencial, com o ex-presidente Fernando Collor, em 1992. Collor era acusado de comandar um esquema de corrupção com o tesoureiro de sua campanha, Paulo César Farias. O cenário político também era diferente: de um partido nanico, o PRN, Collor foi perdendo os frágeis apoios que tinha no Congresso.
Hoje, apenas o partido Solidariedade defende publicamente o impeachment de Dilma. A timidez dessa bandeira entre os quadros de oposição foi, aliás, um dos motivos de o PSDB ter sido alvo de críticas no domingo: o partido não tem se mobilizado pela impugnação e vários líderes tucanos já repudiaram a opção. Nos microfones, os organizadores questionavam a ausência de líderes do partido e a não articulação da oposição pelo impeachment, principalmente do senador e ex-presidenciável Aécio Neves, que recebeu votos de 83% dos manifestantes que estavam no ato de São Paulo, de acordo com a pesquisa.
Para Maria Socorro Braga, embora o movimento anti-Dilma diminua, esse “vai e volta” de manifestações prós e contra o Governo deve perdurar por todo o mandato de Rousseff. “Acredito que teremos quatro anos de manifestações."
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