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Na contramão dos grandes países, Brasil aumenta o número de presos

País tem 574.00 detentos, quase a metade deles ainda espera julgamento Déficit de vagas no sistema carcerário brasileiro é de 257.000, aponta Governo

Penitenciária feminina em São Paulo.
Penitenciária feminina em São Paulo.ITTC

Ano após ano o Brasil segue o contra-fluxo de uma tendência mundial e vem se firmando como um dos países que mais prende homens e mulheres suspeitos de crimes. O último censo penitenciário do Ministério da Justiça e os dados do Institute for Prison Studies mostram que entre as quatro nações que mais encarceram no mundo, apenas o Brasil aumentou a sua taxa de detentos para cada grupo de 100.000 pessoas.

Após seguidos crescimentos, o índice em território brasileiro saltou de 287, no ano de 2012, para 300 no ano passado, segundo o informe do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN). Nos Estados Unidos, o país conhecido pelo rígido controle da criminalidade com detenções, a taxa caiu de 758 para 707, em um período de sete anos. Na Rússia, os números despencaram de 609 para 467. Enquanto que na China, na última década há uma ligeira variação ano a ano entre 122 e 124 presos por 100.000 habitantes.

De acordo com especialistas, isso quer dizer que a cultura do aprisionamento como resposta aos atos criminosos está longe de ser revista no Brasil. “O nosso sistema carcerário só serve para criar facções criminosas. Está superlotado e não reabilita quase ninguém”, ressalta Raquel da Cruz Lima, a coordenadora de pesquisas do Instituto Terra Trabalho e Cidadania, uma das ONGs que atua com projetos no sistema prisional.

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Os dados do DEPEN mostram que atualmente há 574.027 presos distribuídos em 317.733 vagas – quase duas vezes acima de sua lotação. A maioria é negra ou parda (61,68%), é analfabeta ou concluiu no máximo o primeiro grau (68%) e cometeu crimes não violentos, como furto, tráfico de drogas e estelionato, entre outros (51%). “Aqui prende-se muito e mal. É alarmante essa nossa tendência do superencarceramento”, afirma Marcos Fuchs, diretor da ONG Conectas Direitos Humanos e do Instituto Pro Bono.

Uma das razões para o gradual crescimento da massa carcerária é o aumento dos presos provisórios, que são aqueles que não foram julgados, mas permanecem vários dias detidos. O DEPEN mostrou que 44% dos detentos estão nesta situação. O pior cenário está no Amazonas, Estado em que 71% dos presos aguardam julgamento. Na outra ponta está Rondônia, com 18%.

Uma pesquisa feita pela Pastoral Carcerária e pelo Instituto Terra Trabalho e Cidadania nos processos judiciais de presos na cidade de São Paulo concluiu que a primeira audiência entre o detento e um juiz leva de 109 dias, no caso de homens, e de 135, no de mulheres. Isso quer dizer que durante quase quatro meses o suspeito fica preso sem ser necessariamente ouvido por um juiz, dependendo quase que exclusivamente da versão da polícia que o prendeu. “Nesse tempo ele ficou em uma cela minúscula com outras 40 ou 50 pessoas pegando tuberculose e outras doenças e sendo cooptado pelas facções criminosas”, diz Fuchs.

Uma das saídas para amenizar esse problema é buscar novas formas de punição que não necessariamente a prisão, concordam os estudiosos do assunto e até o Governo federal.

“O problema do sistema prisional é a prisão. Nem todos os responsáveis por crimes precisam acabar nela. Os que cometeram furtos, por exemplo, poderiam cumprir outras medidas. Mas cada caso é um caso”, pondera Lima.

A diretora substituta do DEPEN, Clarice Calixto, diz que é necessário dar a segurança aos juízes de que as medidas cautelares (como prestação de serviços comunitários, pagamento de multas ou o monitoramento eletrônico) serão rigidamente fiscalizadas. Desde maio de 2011, essas medidas podem ser aplicados para crimes cuja a pena máxima seja de quatro anos de detenção. O que se observa, porém, é que poucos magistrados têm usado esse artifício em suas decisões. “É um trabalho que depende de vários elos. Não só do Judiciário, mas do Executivo também em dar condições para cumprir essas medidas”, afirma Calixto.

Mais penitenciárias

Ao mesmo tempo em que discute com os Estados e com os juízes a redução do encarceramento, o Governo Dilma Rousseff trabalha na construção de novas penitenciárias. De acordo com o DEPEN, desde o início da gestão da petista, em 2011, foram planejadas 45.000 novas vagas para o país inteiro. A quantidade está longe de suprir a demanda – faltam 256.294 pelos números atuais.

Até hoje, apenas 10.000 vagas foram entregues. Outras 20.000 foram iniciadas e 15.000 ainda estão em processo licitatório. “Não é algo rápido porque nenhuma cidade quer ter um presídio. É um processo que leva tempo”, explica a diretora do DEPEN.

Essas novas vagas custam ao Tesouro Nacional cerca de 1,2 bilhão de reais. O processo, porém, é todo tocado pelos Estados, que é a quem legalmente cabe zelar pelas penitenciárias e pela segurança pública.

Em outra linha, e talvez a mais difícil de atuar, é a da humanização das cadeias, que já foram classificadas como medievais pelo próprio ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. “A única coisa que deve ser privada do preso é a liberdade. Ele não pode perder os outros direitos. Não podemos criar pessoas piores do que chegaram”, ressalta Calixto.

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