Câmara bate recorde de renúncias de suspeitos de irregularidades
Oito deputados renunciaram nesta legislatura antes de iniciado o processo de cassação Ficha Limpa e voto aberto ajudam a explicar o número, diz presidente do Conselho de Ética
Alvo de processo no Supremo Tribunal Federal (STF) por associação ao tráfico de drogas, o deputado federal Carlos Souza (PSD) renunciou no fim de outubro ao seu mandato, tornando-se o oitavo membro da Câmara com problemas na Justiça a deixar o cargo voluntariamente na atual legislatura (2011-2014). O número de renúncias é recorde desde a redemocratização, à frente até dos sete que abandonaram o mandato durante o primeiro Governo Lula (2003-2006), boa parte envolvidos no escândalo do mensalão. A chave para entender esse aumento pode estar na lei da Ficha Limpa e na instituição do voto aberto para cassação, segundo o presidente do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara, Ricardo Izar Júnior (PSD).
Os números de baixas por casos de corrupção na atual Câmara mostram que a quantidade de cassações ficou bem abaixo das renúncias. Na legislatura dos Governos Collor e Itamar (1991-1994), o número de cassados (nove) superava o de renunciantes (cinco). A quantidade se equilibrou no primeiro mandato de Lula, com sete cassações e sete renúncias. Neste primeiro Governo Dilma Rousseff (2011-2014), contudo, apenas um deputado perdeu o mandato após processo de cassação, e só porque seus colegas tiveram uma segunda chance de julgá-lo, após a aprovação do voto aberto — condenados pelo mensalão no STF, Valdemar Costa Neto, João Paulo Cunha e Pedro Henry renunciaram em meio a crise entre a Corte e a Câmara sobre de quem seria a prerrogativa de cassar seus mandatos. Depois de ser absolvido pelo plenário em votação fechada, contra recomendação do Conselho de Ética, Natan Donadon, que foi condenado pelo STF por desviar 8,4 milhões de reais da Assembleia de Rondônia, perdeu o mandato quando os colegas tiveram de abrir o voto.
Desde a implantação da lei da Ficha Limpa, em 2012, o parlamentar perde os direitos de se candidatar por oito anos se renunciar depois de iniciada a instauração de processo no Conselho de Ética — até então, a elegibilidade só era perdida em caso da cassação. Nos dois casos – renúncia ou cassação, o parlamentar fica inelegível por oito anos. O voto aberto, por outro lado, impede que o parlamentar em questão seja ‘protegido’ por seus pares, que até recentemente não tinham a obrigação de expor publicamente sua posição.
Após a cassação de Donadon, em fevereiro deste ano, três deputados renunciaram antes de que fossem abertos processos de cassação. Neste caso em específico, eles não perdem o direito a se candidatar e se eleger novamente a um cargo público nas próximas eleições. “Agora, o maior medo do parlamentar envolvido com problemas é que o plenário siga o relatório desfavorável do Conselho, por isso ele renuncia antes, para não perder a elegibilidade”, diz Ricardo Izar Júnior. “Podemos dividir esta legislatura em duas fases: antes e depois da implantação do voto aberto. Antes, muitas vezes o Conselho de Ética aprovava um relatório pedindo a cassação, mas o parlamentar acabava absolvido pelo voto fechado”, completa. É o caso da deputada Jaqueline Roriz (PMN), absolvida pelos colegas em agosto de 2011, contra parecer do Conselho de Ética — Roriz apareceu em uma gravação recebendo dinheiro do delator do mensalão do DEM, Durval Barbosa. Desde que o Conselho foi criado, em 2001, apenas cinco dos 18 pareceres favoráveis a cassação foram seguidos pelo plenário, mostra levantamento do jornal Gazeta do Povo.
Agora que o voto é aberto, contudo, não há relatório do Conselho que seja confrontado em plenário. Neste ano, além da cassação de Donadon, os deputados endossaram a suspensão do mandato de Carlos Alberto Leréia (PSDB) por 90 dias — Leréia foi punido por manter relações próximas com o bicheiro Carlinhos Cachoeira. Apesar dos avanços, esta legislatura chegará ao fim antes que sejam encerrados processos de cassação importantes como o do deputado André Vargas (que integrava o PT e agora está sem partido), suspeito de envolvimento com o doleiro Alberto Youssef, Rodrigo Bethlem (PMDB), acusado de desvio de recursos enquanto secretário de Assistência Social da Prefeitura do Rio de Janeiro, e Luiz Argôlo (SD), que acaba de ter a cassação aprovada pelo Conselho de Ética também por relação com Youssef. Tudo por falta de tempo. O Conselho não pode convocar testemunhas, mas apenas convidar, o que leva a defesa dos investigados a usar todo o prazo de 90 dias para apresentar suas posições — isso sem falar nos recursos para atrasar o processo. Os parlamentares pretendem corrigir essas limitações com a aprovação de um relatório do deputado Vilson Covati (PP) sobre o novo regimento do Conselho. Se aprovado, o acusado não só será convidado, mas convocado, e a defesa pode ter menos tempo para apresentar seus argumentos. A expectativa é de que o texto seja apreciado na próxima reunião do grupo, nesta semana, antes de passar pela avaliação da Mesa Diretora da Câmara.
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