Os policiais brasileiros querem desmilitarizar a instituição
Uma pesquisa mostra que 73,7% dos agentes apoiam desvincular a corporação dos meios militares para evitar as disputas internas com a polícia civil
Marcos é um policial militar de São Paulo. Adriano é policial federal no Rio Grande do Sul. E Gilson atua na Polícia Civil de Mato Grosso. Apesar de trabalharem em instituições e Estados diferentes, os três fazem parte de um grupo que até então não tinha dado as caras na segurança pública brasileira, o de agentes insatisfeitos com o atual modelo de policiamento e que defendem a desmilitarização da polícia brasileira.
Uma pesquisa divulgada em São Paulo, nesta quarta-feira, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostra que 73,7% dos policiais brasileiros são a favor da desvinculação da polícia dos meios militares. Até a maioria dos policiais militares (76,3%) querem a desmilitarização da corporação. Quase a metade do total dos que querem as mudanças se concentra entre duas propostas: 21,8% defendem que a PM e a Polícia Civil se unifiquem formando uma instituição de ciclo completo e 27,1% quer a criação de uma nova polícia com carreira única.
Na prática isso quer dizer que os policiais do Brasil querem uma reestruturação de suas carreiras para aperfeiçoar o combate ao crime e acabar com as brigas internas entre as corporações. “Cansei de ver bandido ser solto porque as provas coletadas pelos policiais militares foram mal aproveitadas no inquérito da Polícia Civil. As picuinhas entre as duas corporações nos impediram de ajudar mais na investigação”, reclama o PM Marcos.
“Cansei de ver casos em que a PM prende, acusa e julga um traficante e quer que nós, policiais civis, acreditemos na versão deles. Isso não pode continuar. A desconfiança tem de acabar”, acrescenta o policial Gilson.
38,7% dos policiais disseram estar descontentes com a profissão que escolheram
Atualmente , cabe as 27 Unidades da Federação definirem como será o seu policiamento. E cada Estado tem duas polícias, a Militar, que atua na repressão, no policiamento ostensivo, e a Civil, responsável pela investigação da maior parte dos delitos, como homicídios, roubos, furtos e sequestros. Ocorre que, como citado pelos policiais Marcos e Gilson, em muitas ocasiões as polícias não se conversam e acabam atrapalhando o combate à criminalidade. Sua estrutura de promoção de funcionários, de escala de trabalho, de treinamento e de repressão ao crime é muito diferente uma da outra.
Quando se fala de carreira única, quer dizer que um policial que hoje é guarda de trânsito um dia pode chegar a comandar a instituição. O que, nos dias de hoje, é quase impossível levando em conta os sistemas de promoção internos.
Para um dos responsáveis pela pesquisa, o sociólogo e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Renato Sérgio de Lima, os resultados são um “sinal claro de que o Brasil precisa avançar na agenda da desmilitarização e reforma das forças de segurança”.
O levantamento divulgado pelo Fórum ouviu 21.101 policiais civis, militares, federais, rodoviários federais e bombeiros. Parte deles, 38,7%, demonstrou também estar descontente com a profissão que escolheram e não optariam por ela caso pudessem voltar no tempo. Além disso, 99% reclamam que recebem baixos salários e 98% dizem que sua formação dentro da polícia é deficiente. “Já vi colegas que passam por treinamentos fast food e não sabem nada da teoria e nada de prática. Dá medo ficar ao lado desse colega, vai que ele falha na hora em que mais precisamos dele”, relata o policial Adriano.
Propostas
A desmilitarização da polícia é um tema que há ao menos 15 anos tem sido discutida entre militantes de direitos humanos e agentes de segurança. No último ano ganhou força graças à repressão policial durante os protestos que ocorreram a partir de junho de 2013.
Atualmente há ao menos três projetos de lei, todos na forma de emendas constitucionais, tramitando no Congresso Nacional. O que está mais avançado é a PEC 51, de autoria do senador Lindbergh Farias, do PT do Rio de Janeiro. Se a proposta for aprovada, além de mudar a atual estrutura das polícias transformando-as em completamente civis, haverá uma maior participação da União e dos municípios na segurança pública (criando polícias metropolitanas e municipais) e um fortalecimento dos mecanismos de controle externo dos policiais, segundo o autor do projeto.
Parte dos críticos da PEC 51 argumenta que a criação de polícias metropolitanas ou municipais só traria mais problemas e maiores gastos aos cofres públicos. O projeto ainda não tem data para ser votado.
40 casos de torturas praticadas por policiais e agentes
Um recente estudo da ONG Humans Rights Watch identificou 64 casos de agressões cometidas por forças de segurança no Brasil. O levantamento analisou ocorrências de prisões nos últimos quatro anos. Conforme a pesquisa da ONG, em 40 destes casos, há convincentes evidências de que o abuso subiu para o nível de tortura cometida por policiais ou agentes penitenciários contra pessoas que estavam sob sua custódia.
A investigação da HRW identificou 150 culpados pelas agressões em cinco Estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Espírito Santo e Paraná. Os abusos ocorreram nas ruas, dentro de viaturas policiais, em casas particulares, em delegacias de polícia e em penitenciárias. As vítimas, que eram supostos criminosos presos em flagrante, foram espancadas, ameaçadas física ou sexualmente, submetidas a choques elétricos ou a sufocamento com sacos plásticos. As agressões foram cometidas para obter falsas confissões ou para entregar algum outro suposto criminoso.
Em um informe divulgado à imprensa, a ONG destacou que muitos dos presos levam meses para terem acesso a um juiz e relatar que foi torturado ou agredido, quando o correto, segundo a legislação, seria apresentá-lo ao juízo em até 24 horas. Nesta semana, a HRW enviou uma carta ao Congresso Nacional alertando para a gravidade da questão e cobrando um posicionamento das autoridades brasileiras.
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