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Nas ruas, um clima de fim de festa

Com cara de quarta-feira de cinzas, São Paulo tenta digerir o amargo 7x1. Muitos torcedores ainda vestiam a camiseta verde-amarela e apelavam ao bom humor para lidar com a tristeza

Restos da torcida brasileira na cidade de São Paulo.
Restos da torcida brasileira na cidade de São Paulo.Raquel Secco

Uma onda gigantesca de ressaca tomou conta da maior cidade do Brasil na manhã desta quarta-feira, após a humilhante derrota da seleção brasileira para a Alemanha, na véspera, na Copa do Mundo. O tempo fechado e o feriado estadual pela Revolução Constitucionalista de 1932 tornavam ainda mais ensurdecedor o silêncio das ruas de São Paulo, que só era quebrado por aqueles que ainda tentavam entender o que havia acontecido durante a partida.

Na Vila Madalena, reduto boêmio da cidade e tradicional ponto de encontro durante o Mundial, as ruas estavam quase desertas, sem o menor sinal do pesadelo vivido na noite anterior. Em meio à chuva fina, o garçom Márcio da Silva, de 24 anos, preparava as mesas de um restaurante à espera de que o jogo Argentina x Holanda, ainda nesta quarta, pudesse compensar a muito provável queda na frequência dos torcedores brasileiros no local.

“A tristeza é geral. O clima é de ressaca mesmo. Foi uma pena o Brasil não ter rendido o esperado em campo, porque o restaurante estava lotado. Acabamos fechando por volta das 22h, como outros do bairro. Alguns clientes saíram até antes por temor de que houvesse alguma confusão na região. Havia um grupo de alemães aqui que até deu uma segurada na comemoração em meio à goleada para não acirrar os ânimos”, afirmou.

Do outro lado da rua, o também garçom Ernando Ferreira Dias, de 36 anos, dizia ter chegado para trabalhar com um agasalho da seleção brasileira. “Eu sou patriota e tenho de honrar a pátria”, explicou, já de uniforme profissional. As brincadeiras no caminho de casa para o trabalho, no entanto, foram inevitáveis, sobretudo entre aqueles que não compreendiam tal gesto. “Justo hoje?” e “O que você está fazendo com essa camisa?” seriam perguntas, no mínimo, imagináveis.

“A gente não consegue assimilar mesmo uma derrota dessas. Nós carregamos esse sentimento de ter o melhor futebol do mundo, mas ontem encontramos uma seleção que jogava melhor”, resumiu, à espera do movimento de torcedores para Argentina x Holanda.

O bom humor também foi uma opção na hora de encarar o vexame da véspera para Fernando Schirr, de 26 anos, em uma lanchonete a alguns quilômetros dali, no Itaim Bibi, outro bairro boêmio paulistano. Como se não bastasse o pedido ao atendente – uma vitamina, talvez para recuperar as energias perdidas no dia anterior –, o profissional de Letras Clássicas abusou do sotaque alemão, fruto de sua ascendência e de um ano de estudos no país europeu.

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“Foi absurdo o que aconteceu ontem. Morei em Tübingen (sul) e ainda vou me casar com uma alemã. Quando eu voltar para lá vou chegar desmoralizado, não sei o que vou falar”, comentava. “A minha namorada até falou depois do jogo que chegou a torcer para que a Alemanha não fizesse tantos gols para não prejudicar o casamento”, emendou, entre risos.

Perto dali, a Avenida Paulista, outro reduto dos torcedores e de manifestações de toda natureza, amanheceu desbotada e sem vida nesta quarta-feira. Ainda que fosse um feriado, o coração da cidade tinha um motivo maior para bater em ritmo tão fraco. Um não. Talvez sete.

Foi somente ao longo das horas que a avenida começou a se movimentar. Como alguém que termina um relacionamento de anos e acorda desolado no dia seguinte, uma das vias mais importantes da cidade demorou para pegar no tranco. “Que apagão foi aquele ontem?”, perguntou o balconista da farmácia, onde, na fila para pagar, um brasileiro perguntava a um argentino: “E aí? Vão ganhar hoje, né? Não podem fazer feio como a gente fez. Nem na Copa de 1950 foi tão feio assim”, disse o senhor em português. O argentino não precisou se esforçar muito para entender como ele se sentia.

Na banca de jornal, as vendedoras atendiam um grupo de colombianos que queriam comprar mochilas com estampas e cores do Brasil. “Vocês não vão vender mais essas mochilas, aproveitem os colombianos”, disse um deles ao tentar um desconto nas bolsas que custavam entre 35 e 59 reais. “Os preços já baixaram. Elas custavam de 59 a 90 reais”, explicou à reportagem uma das vendedoras. “Recebemos essa leva de mochilas ontem [terça], pouco antes do jogo. Hoje, desde a hora que abrimos, às seis da manhã, já vendemos para 6 grupos de pessoas. Todos gringos”, disse, enquanto dava o troco a um moçambicano que já saiu da banca com a mochila nas costas. Esse era o único tom verde e amarelo na avenida por volta das 10 da manhã.

Aos poucos, os brasileiros foram surgindo uniformizados. “Aproveitem que o preço da camiseta do Brasil baixou. De 249 reais para 149,90. E é a camisa oficial”, dizia o dono de uma loja. A deflação da Copa começou a baixar os preços lentamente. “O Brasil é igual ao Corinthians”, disse o lojista. “Quando perde eu vendo mais camisa no dia seguinte”. Ainda assim, a maioria dos clientes era feita de estrangeiros.

O uniforme que dominava a avenida e seus arredores, porém, tinha outra combinação de tons: Azul e branca, as cores da Argentina. “Agora vou torcer para a Argentina, né? Aliás, acho todos os brasileiros vão”, disse a vendedora Roberta Gaspar. “A gente não tinha time pra ganhar essa Copa. Já era pra ter perdido muito antes”. O comerciante Roberto dos Santos concorda: “Agora é torcer pra Argentina, né? Fazer o quê? Depois que o Brasil levou o primeiro gol, eu já sabia que ia perder… Parece que o time ficou assustado e foi levando um atrás do outro”.

Todo mundo tem algo para dizer sobre a derrota histórica desta terça, mas ninguém consegue explicar a razão para o massacre alemão. “Pra mim, a Copa acabou com aquele vexame”, disse o estudante William Rodrigues. “Onde já se viu o Felipão não mexer no time depois de levar tantos gols? Ele errou demais. Tinha que ter mexido muito antes”, opina. De técnico, todos nós brasileiros temos um pouco.

Embora tristes, os brasileiros brincam com os torcedores argentinos na rua. Uns gritam “Dá-lhe Argentina” no café da Livraria Cultura para um garoto com a camiseta azul e branco. Já outros, passam em frente ao hotel onde estava hospedada a seleção de Alejandro Sabella, na Avenida Paulista, e gritam “Vai Holanda!”.

Ainda que as brincadeiras ocorram, o clima na cidade é de uma quarta-feira de cinzas: a festa acabou. A vida segue. Afora esse inédito placar de 7x1 nunca antes sofrido pela seleção brasileira em uma Copa, o resto não é novidade. Somos bons em seguir em frente. Fazemos isso todos os anos.

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