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Lula: “Há um tempo para os protestos e outro para o futebol”

Para o ex-presidente, o brasileiro quer a Copa do Mundo e não seria justo o país ficar sem o Mundial por causa dos protestos

Antonio Jiménez Barca
Lula, durante a coletiva desta quinta-feira.
Lula, durante a coletiva desta quinta-feira. Heinrich Aikawa (Instituto Lula)

Tão logo se senta junto a um grupo de correspondentes estrangeiros em São Paulo, Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente do Brasil durante oito anos, olha para a repórter da CNN e sorri: “E aí, já foi ver os novos estádios? São bonitos, né?”. Depois, desanda a falar por duas horas, sobre a Copa, sobre a organização do torneio, sobre política, economia e, entre muitas outras coisas, sobre os segredos do ataque argentino e o estado de ânimo da seleção brasileira. Mas começa com uma recriminação à imprensa crítica, nacional e não nacional, que a seu ver exagerou nas recriminações e nos medos antes de o Mundial começar. “Estou convencido de que, sem essa imprensa, teríamos tido muito mais turistas.” O ex-presidente brasileiro acrescenta que não caberia a ele fazer um balanço da Copa, e sim à presidenta Dilma Rousseff, do seu mesmo partido, o PT, mas que se viu impelido a isso por uma razão: “Porque estou orgulhoso de que tudo esteja acontecendo como tinha que acontecer”. Lula se refere ao desenrolar pacífico e festivo da Copa do Mundo, sem graves problemas de infraestrutura, com os estádios (embora alguns inacabados) cheios e acolhedores. “As coisas não estão saindo tão mal quanto prognosticavam muitos”, diz, repentinamente sério.

Torcedor fanático da seleção brasileira, amante do futebol a vida toda, Lula assegurou que nunca passou tão mal assistindo a uma partida quanto no Brasil x Chile das oitavas de final: “Se durasse um pouco mais precisariam me levar para o pronto-socorro com um ataque do coração”. O dirigente brasileiro, ex-líder sindical e carismático líder da esquerda no Brasil, recordou que nos tempos duros da ditadura alguns companheiros de militância, em certas reuniões clandestinas realizadas na mesma hora de jogos da seleção, colocavam-se de costas para a televisão. “Era a maneira deles de protestar contra algo que consideravam prejudicial para o povo. Eu não estava de acordo, e me zangava, eu torcia pelo Brasil, e isso não queria dizer torcer pela ditadura”.

Lula considera que o resultado final do torneio (“Com a licença dos demais, eu espero que ganhe o Brasil”) não influirá nas eleições de outubro. “Isso é futebol. Outras vezes não influenciou. Não tem por que ser agora. O povo é sábio. Os únicos que tirarão proveito se o Brasil ganhar serão o Felipão [treinador do Brasil] e os jogadores.”

O ex-presidente avaliou que os protestos se diluíram por uma razão evidente: “O povo brasileiro quer a Copa do Mundo. Eu não sou nada refratário aos protestos. Tenho bursite nos dois ombros por causa das pancadas que me deram nos protestos em que eu participei. Mas há um tempo para os protestos e outro para o futebol. E não era justo que o país ficasse sem a Copa por causa dos protestos. Depois, eu vou adorar ter um país que continue se organizando e continue protestando.” E acrescentou: “O que me preocupa mais é o descontentamento dos jovens, porque não sei quem disse isso de que a desgraça de quem não gosta da política é ser governado por quem gosta”.

Contudo, Lula antecipou que Dilma Rousseff quer impulsionar uma reforma política para “ganhar participação e transparência”. Depois, acrescentou que não é preciso reformar apenas o Brasil, mas também muitas outras partes do mundo: “Há muitas coisas podres na política atual. Veja como terminou a Primavera Árabe, ou o que significa que na ONU nem a Índia nem os países latino-americanos estejam representados no mais alto nível”.

Lula insistiu em que olhar o Brasil ou a América Latina com olhos europeus acarreta exclusivamente erros de perspectiva: “Meus companheiros sindicalistas europeus me tachavam de radical décadas atrás. E eu respondia a eles: ‘Olha, eu luto pelo que vocês lutavam no começo do século XX’. Aqui estamos solucionando um atraso histórico, de muitos séculos. Um exemplo: nos últimos dez anos, criamos tantas vagas em universidades como nos 100 anos anteriores”. E adicionou: “Entendo que se queixem dos congestionamentos, que haja turistas que clamem contra os congestionamentos. Mas isso significa que muita gente que antes não podia comprar um carro comprou. E há outros brasileiros que até agora não podiam e que já viajam de avião, ou que vão a restaurantes, ou ao cinema. E isso não agrada aos brasileiros de classe mais alta, que antes encontravam tudo só para si”.

Por último, torcedor até o fim, não se furtou a dizer qual seria a sua final favorita no Maracanã: “A Costa Rica é estupenda, uma espécie de David lutando contra muitos Golias. Mas, ah, uma final Brasil x Argentina…”

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