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A Bolívia permitirá que crianças a partir dos dez anos trabalhem por conta própria

As crianças conseguem introduzir mudanças no projeto do Código da Menina, Menino e Adolescente

Protesto contra o trabalho infantil na Bolívia. / A.M (AFKAPHOTOS)
Protesto contra o trabalho infantil na Bolívia. / A.M (AFKAPHOTOS)

O projeto do Código do Menino, Menina e Adolescente, cujo debate começou nesta terça-feira no Senado da Bolívia, fixa em 14 anos a idade mínima para trabalhar, mas admite exceções para crianças a partir dos dez anos, no denominado regime “por conta própria” ou independente.

O texto da norma foi aprovado nos últimos dias pela Câmara dos Deputados e inclui uma série de observações e modificações com as quais os meninos e adolescentes, apoiados por educadores, concordaram durante uma reunião em 3 de junho com o presidente do Senado, Eugenio Rojas.

O texto ainda em tramitação passou pela Comissão de Constituição dos Senadores, que convocou uma sessão para revisá-la e aprová-la com a finalidade de enviar o texto ao Poder Executivo para promulgação. O Código entrará em vigor a partir de agosto de 2015, segundo se informou no Senado em La Paz.

Apesar dos acordos entre crianças e parlamentares, ainda persistem as dúvidas entre os pequenos trabalhadores a respeito da delimitação da idade laboral num contexto distinto da realidade do Estado boliviano, comprometido a proteger a infância e a juventude e a honrar convênios internacionais sobre a regulamentação do trabalho de menores.

O delegado por Cochabamba Gerald Vino, de dez anos, se perguntava: “Por que as crianças não devem trabalhar, se eu no meu trabalho me divirto com as outras crianças trabalhadoras de Cochabamba?”.

Menos divertidas que Gerald, as ruas das cidades bolivianas estão cheias de pequenos trabalhadores desde os cinco anos de idade que necessitam obter algum centavo para sobreviver à desagregação da família, ao abandono ou à condição de sem-teto, que, às vezes, o menor assume para escapar de maus-tratos e da violência intrafamiliar. A Defensoria Pública informou que todos os anos cerca de 900 crianças são abandonadas nas ruas ou nos lixões. E 40% delas ficam em total orfandade.

No parágrafo relativo ao trabalho de menores, o projeto do Código estabelece dois regimes: o da dependência laboral a partir dos 14 anos, com o recebimento de um salário não inferior ao mínimo nacional e uma jornada de oito horas, com duas horas de permissão de estudo, além de um horário que não poderá ir além das dez horas da noite.

O segundo regime, denominado “por conta própria”, admite o trabalho de crianças entre dez e catorze anos com prévia autorização da Defensoria da Infância e Adolescência, que, além disso, deverá efetuar uma inspeção dessas autorizações.

A denominação “por conta própria” alude à atividade que o menor, “sem formar parte da atividade familiar ou comunitária, realiza sem que haja relação de subordinação ou dependência trabalhista”. A principal atividade “por conta própria” corresponde aos menores que se dedicam a engraxar sapatos nas áreas urbanas, entre outras.

O regime laboral para os menores bolivianos, que formam um exército de quase um milhão de pessoas, proíbe especificamente o trabalho de meninos, meninas e adolescentes na colheita de cana de açúcar e de castanha (amazônica); na mineração (principalmente como perfuradores ou encarregados de colocar cargas explosivas de dinamite), nas fábricas de tijolos, no comércio de bebidas alcoólicas e na coleta de resíduos que afetem a saúde, como piores formas de exploração.

Além disso, estão incluídas nas proibições a modelagem que envolva imagem erótica, o trabalho na amplificação de som e o manejo de maquinaria perigosa.

Diferentemente da área urbana, onde a aplicação das leis é possível, fazer com que estas sejam cumpridas na zona rural, onde está o grosso do trabalho infantil, é uma tarefa mais difícil.

A cultura do trabalho dos menores de idade na área rural tem outro conceito: faz parte da vida e da aprendizagem da pessoa como membro de uma família e de uma comunidade. O relatório “Minha fortaleza é meu trabalho” reúne uma série de experiências e de pontos de vista, tanto de pais como de filhos, sobre o trabalho de menores em povoados indígenas.

“Desde pequenos devem aprender, de acordo com a idade; eles poderiam se tornar ‘frouxinhos’ e quando crescerem será mais difícil que aprendam os ofícios do campo”, explica um pai da comunidade de Asanquiri.

“O trabalho nos ensina como é a vida; uma criança que trabalha valoriza mais o dinheiro do que uma que não trabalha, e não sabe quanto a vida custa, e nem se importa. Não sabe o que está perdendo”, afirmou Cristina que emigrou do campo para a cidade de El Alto.

Os líderes da União de Meninos, Meninas e Adolescentes Trabalhadores da Bolívia (UNATSBO) concordam com os acordos conquistados no texto do Código. Na realidade, é um tremendo êxito para todos os trabalhadores menores de 18 anos, que não apenas frearam uma medida tomada, sem consulta prévia, em 2013, como também conseguiram introduzir modificações durante um diálogo com as autoridades, com quem se reunirão a cada cinco anos para analisar as mudanças geradas. O que não foi dito ainda é que, pela primeira vez, as crianças que trabalham se fazem “visíveis” perante uma sociedade que quase sempre as ignorou, e que alcançaram um de seus sonhos: serem respeitadas e protegidas como trabalhadores.

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