_
_
_
_
MARIO VARGAS LLOSA

“Esta realidade pode ser o inferno”

O escritor acha que a falta de transparência leva aos jovens à indiferença e ao desprezo pelo social

Juan Cruz
O desprezo dos jovens pela política surpreende Mario Vargas Llosa.
O desprezo dos jovens pela política surpreende Mario Vargas Llosa.S. S.

Pergunta. Que papel o senhor assume quando fala com jovens?

Resposta. O de um curioso. O abismo entre gerações é o maior da história. Os jovens gostam mais das telas, onde sua desenvoltura é imbatível. Nós continuamos sendo livrescos.

P. O que mais mudou?

R. Tornam-se adultos muito rápido. Em relação a sexo, por exemplo. É uma liberdade que os torna mais saudáveis do que nós fomos. Os tabus e as proibições fizeram com que o sexo fosse traumático.

Os países que viveram a utopia demonstraram que ela provocava mais injustiças do que as corrigia

P. O que o senhor entende agora e não compreendia quando era jovem?

R. A igualdade entre o homem e a mulher. Os jovens agora são mais conscientes disso, e nós éramos bastante cegos. O sexo os torna mais livres. Ainda que essa liberdade os faça perder, mais rápido, a inocência que pouco a pouco ia fomentando o amor e enriquecendo a relação sentimental.

P. Quando o senhor perdeu sua inocência?

R. Entre os 10 e os 11 anos. Eu não sabia como as crianças vinham ao mundo; que cegonhas as trouxessem me parecia algo fantasioso; não suspeitava do tipo de vida sexual que estava na origem da procriação.

P. E que outras descobertas naturais o comoveram?

R. O amor. Foi fundamental, e o descobri antes do sexo. Meu primeiro amor foi uma trapezista de circo. Eu era muito jovem; e os circos vinham para Cochabamba para o 6 de Agosto, dia da Bolívia. Havia uma equilibrista vestida de rosa. Foi meu primeiro amor.

P. E o primeiro beijo?

R. Talvez aos 12 anos. Fazíamos jogos maliciosos entre meninos e meninas. O prêmio era um beijo. O meu primeiro foi o de Teresita. Foi por isso que batizei com esse nome a protagonista do meu primeiro romance!

P. O senhor abraçou a utopia na juventude. Quando ela ruiu?

R. Quando os países que viveram a utopia demonstraram que ela provocava injustiças piores que as injustiças que nós queríamos corrigir com as medíocres democracias.

P. A realidade de hoje não é motivo para soltar fogos.

R. Esta realidade democrática não apenas não é o paraíso como pode chegar a ser o inferno. Há corrupção, falta de transparência, de vitalidade das democracias, e isso leva os jovens a aderirem à indiferença e ao desprezo pelo social e pelo político; o que acho muito grave. É uma realidade do nosso tempo.

P. O que o surpreende quando conversa com os jovens?

R. O enorme desprezo pela política e pelo compromisso; acham que é uma perda de tempo, que todos os políticos são corruptos. Essa atitude cínica que assumem tão rápido é perigosa para o futuro da democracia, da liberdade, de tudo que nos tirou da barbárie.

P. Consegue convencê-los do contrário?

R. É difícil fazê-lo, se o que tem a oferecer é viver em sociedades nas quais não há emprego, a não ser para uma minoria. A grande revolução tecnológica transforma o mundo e faz desaparecer, cada vez mais, oportunidades de trabalho.

P. O que o senhor não entende do que escuta?

R. Há um deslumbramento com a tecnologia como panaceia para resolver tudo. Uma utopia perigosa: ameaça a maior conquista da humanidade, a liberdade. É um pesadelo orwelliano que se tornou realidade.

P. Disse que imaginava a velhice junto com um dogue alemão, de frente para o mar. Acha que está longe?

R. Ha, ha, ha! Meu sonho é poder continuar lendo e escrevendo até o final. Se for assim, será uma morte feliz.

P. Um pai, quase da sua idade, deixa o lugar para alguém que pode seu filho, Vargas Llosa. Que futuro prevê para o novo Rei?

R. Acredito que seja um jovem muito bem preparado para enfrentar um futuro enormemente incerto e difícil.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_