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A subversão milionária de Banksy

Um antigo agente do artista expõe e vende em Londres, sem sua autorização, 70 de suas obras

Churchill, visto por Banksy, em Londres.
Churchill, visto por Banksy, em Londres.WILL OLIVER (EFE)

“Não posso acreditar que vocês, idiotas, realmente comprem esta merda”, foi a resposta desse misterioso personagem de arte urbana apelidado Banksy à elevadíssima cotação de três de seus trabalhos em um leilão de Sotheby´s, em 2006. O hoje grafiteiro mais famoso do mundo, que por então começava a se estabelecer como um fenômeno cultural de nosso tempo, estampou a frase em uma litografia publicada em seu site e que, com o vai e vem da vida ou do mercado, está pendurada desde esta semana na sala de exposições da mesma empresa londrina como parte da primeira retrospectiva “não autorizada” das obras do artista. A subversão, fechada entre as quatro paredes de uma galeria localizada no exclusivo bairro de Mayfair, vale milhões.

O autor das setenta obras que estarão expostas no espaço S|2 de Sotheby´s a partir da próxima quarta-feira não foi hoje à apresentação. “Ele odeia a ideia!”, confirma o curador da mostra e seu antigo agente, Steve Lazarides, sobre a proclamada aversão de Banksy à comercialização de seus trabalhos em galerias de arte. O artista comunicou sua repugnância ao agente através de um e-mail – não se falam há anos– embora agora já não possa fazer nada a respeito, porque ele mesmo vendeu essa produção que abarca dos seus primeiros anos com um spray em mãos e perseguido pela polícia nas ruas de Bristol até a consagração de sua marca, em meados da década passada. E agora Lazarides se dispõe a “reajustar” o novo valor de mercado dessas imagens que ilustram um Winston Churchill com crista de punk, dois policiais beijando-se apaixonadamente ou a estampa da rainha da Inglaterra transformada em um macaco, gerenciando a revenda à maior oferta.

À margem da renda pecuniária que a operação acabará gerando, a exibição desses trabalhos executados entre 2000 e 2009, ano da ruptura entre ambos, “são o relato de uma trajetória que explicará ao público o fenômeno Banksy”, defende Lazarides, um antigo fotógrafo que em sua juventude documentou as primeiras incursões noturnas do grafiteiro em sua Bristol natal e acabou formando uma equipe com ele, convertendo-se em seu agente. Foram os anos nos quais o artista urbano transitou dos abstratos do spray a uma narrativa definida por uma mensagem anti-sistema, através de peças satíricas sobre política, tensões sociais ou cultura pop. A marca de Banksy são os grafites com molde plasmados nos espaços públicos de tantas cidades, mas a exposição de Sotheby´s também ilustra sua faceta menos conhecida como escultor ou pintor a óleo: a figura, por exemplo, de uma bailarina que imita às de Degas mas que tem o rosto coberto por uma máscara anti-gás, ou esse quadro do mar sob um céu ensolarado cujo caráter bucólico é rompido com a presença de um preso com “uniforme” de Guantánamo, vestido com um macacão laranja e um capuz na cabeça, na praia.

A identidade do autor continua sendo desde então uma grande pergunta que alimenta o mito, e também a promoção de sua marca. Por isso Lazarides não revela nada sobre o personagem, que as pessoas especulam que seja branco, de trinta e poucos anos e inglês. O único que confirma é que se trata de um artista autodidata que ele mesmo ajudou a proteger na cena da arte organizando os famosos stunts de Banksy, como sua intervenção de 2004 no Museu de História Natural de Londres, onde conseguiu pendurar uma de suas peças, nada menos que um rato dissecado e colado em um cartaz: “Ele se disfarçou de operário, pendurou o rato na parede sem que ninguém visse e contatamos com a imprensa para divulgar a história”. O célebre roedor, que agora está pendurado em uma das paredes da exposição de S|2, está valorizado hoje em 500.000 libras (1,8 milhões de reais).

Quando o Street art entra na equação do mercado, graças à publicidade de Banksy, os murais concebidos como “arte pública” começam a ser quebrados pelos proprietários dos imóveis em cujas paredes apareceu um grafite, em uma noite qualquer, para venda. Essa prática é “imoral” para Lazarides, porque essas obras “nunca foram concebidas para serem comercializadas, são arrancadas de seu contexto, do bairro que o artista escolheu para que se relacionem com o meio”. Nesse ponto coincide com seu antigo amigo Banksy, a quem ainda define como um “ativista social” cujos truques publicitários, assegura, somente servem para que sua mensagem chegue ao maior número possível de pessoas.

Depois que seus caminhos se separassem em 2009, os dois ficaram muito ricos dentro e fora do sistema. Lazarides fundou uma galeria em Londres considerada líder no mercado internacional de arte urbana. Banksy continua com suas atuações na chamada “arte de guerrilha”, uma das mais recentes na primavera passada, nas ruas de Nova York, onde cada noite estampou uma obra em algum dos imóveis da cidade para depois divulgar em seu portal. A recepção ambígua dos nova-iorquinos sugere que o fenômeno começa a “se queimar”. Talvez por isso peças nunca exibidas, como a imagem dessa criança africana moribunda que o artista coroou com o lema de uma rede de hambúrgueres global, aparecem agora em uma galeria londrina para sua exibição e, sobretudo, sua venda, no máximo da cotação.

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