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O tribunal da UE endossa o ‘direito ao esquecimento’ na Internet

A decisão obriga os sites de busca a tirar das suas listas de resultados informações relativas a terceiros que solicitem a eliminação Na Espanha há 200 casos à espera desse veredito

Um tablet com o Google na página de início.
Um tablet com o Google na página de início.reuters

A justiça europeia defende o “direito ao esquecimento”. O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) decidiu nesta terça-feira que “em determinadas condições” os sites de busca na Internet são obrigados a eliminar de sua lista de resultados (obtidos depois de uma busca com o nome de uma pessoa) os links para páginas da Web publicadas por terceiros que contenham informações relativas a essa pessoa. O alto tribunal especifica que o interessado deve apresentar seu pedido “diretamente” ao administrador do site de busca (Google, Yahoo, Bing ou qualquer outro), que deve examinar se tem fundamento. Caso o buscador não concorde em retirar a informação, a pessoa afetada pode procurar a autoridade de controle ou os tribunais para que eles façam as comprovações necessárias e, se for o caso, ordenem ao motor de buscas que retire a informação. Em outras palavras, o TJUE abriu as portas para um exame, caso por caso, de cada uma das queixas apresentadas a qualquer buscador. O Tribunal de Luxemburgo se pronunciou assim em relação ao chamado “direito ao esquecimento” no processo litigioso em que se enfrentam a Agência Espanhola de Proteção de Dados (AEPD) e o Google.

O veredito do Tribunal de Luxemburgo incide sobre centenas de casos em que se reivindicou o direito ao esquecimento e que estão parados na Audiência Nacional, à espera da resolução anunciada nesta terça-feira.

Mario Costeja levou ao Tribunal Europeu o ‘direito ao esquecimento’ na Rede.
Mario Costeja levou ao Tribunal Europeu o ‘direito ao esquecimento’ na Rede.X. Lobato

Depois de tomar conhecimento da sentença, o Google afirmou que a decisão do Tribunal de Luxemburgo é “decepcionante” para os motores de busca e os editores online em geral. “Estamos muito surpresos pelo fato de o veredito diferir tão drasticamente das conclusões do advogado geral e das advertências e consequências que ele já identificou. Vamos dedicar tempo, a partir deste momento, para analisar as implicações desta decisão”, garantiu um porta-voz da empresa.

Na realidade, o TJUE resolve as questões legais colocadas pela Audiência Nacional num processo aberto há nove anos. O processo começou quando o advogado Mario Costeja recorreu à AEPD para que o Google tirasse uma informação publicada no jornal La Vanguardia com links para um leilão de imóveis relacionado a um embargo por dívidas com a Seguridade Social. Apesar de essas dívidas já terem sido pagas, Costeja continuava a aparecer no buscador. A Agência de Proteção de Dados instou a empresa gigante da Califórnia a eliminar de seus resultados de buscas os links que faziam referência a dados pessoais. O Google recorreu da decisão diante da Audiência Nacional, e assim começou uma longa batalha no tribunal da União Europeia. “Era uma decisão injusta que punha em questão a neutralidade e transparência das buscas”, explicaram fontes da multinacional.

Quando se teclava o nome de Mario Costeja no Google, o buscador remetia em primeiro lugar a uma página do La Vanguardia de 1998 em que havia um anúncio de um leilão de imóveis devido a embargos. Além de estar resolvido havia anos, o caso tinha deixado de ter relevância pública. Mesmo assim, a AEPD deu razão ao La Vanguardia, porque a publicação das informações tinha uma justificação legal, mas sua posição diante da Google Spain foi diferente: exigiu que retirasse os dados.

Para a AEPD, o pronunciamento do alto tribunal, que tem a última palavra no que diz respeito à interpretação do direito na União Europeia, “esclarece definitivamente o regime de responsabilidades dos buscadores na Internet no que diz respeito à proteção dos dados pessoais e põe fim a uma situação de desproteção dos afetados gerada pela negativa da companhia Google em submeter-se à norma espanhola e europeia reguladora da matéria.”

Contra o veredito anunciado hoje, em julho do ano passado o advogado geral da UE, Niilo Jääskinen, deu razão ao motor de buscas, ao entender que ele não pode ser considerado “responsável pelo tratamento” dos dados contidos nas páginas Web que processa. A disponibilização de uma ferramenta de localização de informações não implica controle algum sobre o conteúdo incluído em páginas Web de terceiros, assinalou o advogado geral. Já o TJUE, pelo contrário, considera em sua sentença que o buscador é “responsável” pelas informações que figuram em sua lista de resultados de uma busca, destacando que sua atividade pode afetar “significativamente” os direitos fundamentais de respeito à vida privada e de proteção dos dados pessoais. A justiça europeia tampouco traça qualquer distinção pelo fato de a empresa matriz do buscador estar radicada em um país fora da União Europeia, já que a publicidade que o alimenta figura nos resultados das buscas feitas por internautas europeus.

Depois do julgamento realizado na Audiência Nacional, o tribunal espanhol colocou uma questão prejudicial ao Tribunal da UE para averiguar o âmbito de aplicação da normativa europeia e nacional em matéria de proteção de dados e para saber se a atividade do Google se encaixa no conceito de tratamento de dados contido na diretiva. Também questionou se os direitos de supressão e bloqueio de dados incluem a possibilidade de o interessado dirigir-se aos buscadores para impedir a indexação da informação referente à sua pessoa e a competência das agências nacionais de proteção de dados, como recorda o advogado de Costeja, Joaquín Muñoz.

O advogado geral da UE considerou que os provedores de serviços de motor de buscas na Internet não são responsáveis, com base na norma sobre Proteção de Dados, pelos dados pessoais incluídos nas páginas Web que tratam, mas, em sua opinião, a norma nacional de proteção de dados se aplica a eles quando, com a finalidade de promover e vender espaços publicitários em seu motor de busca, abrem um escritório num Estado membro da UE que orienta sua atividade para os habitantes desse Estado, mesmo que o tratamento técnico dos dados seja realizado em outro país.

O fato de o Google Spain comercializar na Espanha a publicidade que aparece nas páginas dos internautas fazia supor que a companhia deveria se submeter às leis espanholas. Mas a empresa sempre declarou que aquela era uma informação lícita.

Pere Simón, professor de Direito Constitucional da Universidade de Girona e especialista em questões relacionadas ao direito de esquecimento na Internet, qualificou a sentença de “surpreendente”, por ter diferido substancialmente do parecer do advogado geral da UE. “O impacto é muito importante: há muitos casos pendentes desta decisão, e a tendência é que o número de reclamações suba muito”, ele destaca. “Hoje temos 200 casos sem resolver, mas dentro de alguns anos esse número vai aumentar exponencialmente.” Contra a decisão do tribunal europeu, Simón considera que a responsabilidade “não cabe unicamente ao motor de busca”, mas que deve ser dividida com o autor da informação original. “Especialmente no caso das publicações em boletins oficiais”, ele destaca. “A entidade que publica a informação dispõe de ferramentas suficientes para ocultar a informação nos buscadores.”

Verónica Alarcón, diretora jurídica da firma de advocacia ePrivacidad, que tem vários casos na Audiência Nacional relacionados ao direito ao esquecimento, afirma que a sentença do TJUE foi uma decepção grande para o Google, “que viu todas suas pretensões rejeitadas”, ao reconhecer que os cidadãos “têm o direito de dirigir-se ao Google para pedir a retirada de seus dados pessoais dos resultados de busca com base na norma de proteção de dados, sempre que existam motivos relativos à situação pessoal concreta do afetado”. Acrescenta que a sentença é um reconhecimento do esforço para proteger a intimidade e privacidade das pessoas que pleitearam a retirada. Alarcón destaca que a legislação da UE e nacional sobre a proteção de dados se aplica ao Google, já que este tem como seu representante na Espanha a Google Spain S.L, escritório ou filial que tem como atividade principal a venda de espaços publicitários dirigidos a cidadãos espanhóis. “Até agora, em seus recursos junto à Audiência Nacional, o Google mantinha a separação completa entre Google Inc e Google Spain S.L.”, ela lembra.

A sentença do tribunal de Luxemburgo se alinha com a corrente mais avançada do Parlamento Europeu em matéria de proteção de dados. O projeto de norma aprovado recentemente pelo Parlamento Europeu – que ainda falta receber a aprovação definitiva dos governos nacionais – reconhece pela primeira vez o direito ao esquecimento, mas o suaviza em relação à proposta inicial do Executivo europeu. Nesse contexto, é previsível que a sentença influencie a próxima regulamentação da proteção de dados, um dos grandes tópicos pendentes para o Legislativo, que o colocará em andamento após as eleições europeias do próximo dia 25.

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