_
_
_
_
_

E também, um estádio

O novo Santiago Bernabéu deixa de ser apenas um campo de futebol para se converter em um centro comercial, um hotel e um lugar que abriga outras atividades comerciais O Real Madrid busca rentabilizar ao máximo com uma obra que vai custar R$ 1,3 bilhão

EL PAÍS

De bate pronto, a alguns pareceu uma panela, a outros uma baleia, e outros se lembraram da nave de Contatos Imediatos de Terceiro Grau, de um bunker ou de um mouse. No entanto, tudo depende, literalmente, do ponto de vista; se olharmos da Castellana, da rua Padre Damián, Rafael Salgado ou Concha Espina. Ou de cima. O novo estádio Santiago Bernabéu será diferente de cada ângulo, para os madridistas que vão ao estádio e para os pedestres que passam por ali; um jogo de lados que vão se alterando e transformando por completo a fisionomia de uma das artérias mais importantes da capital.

Por enquanto, contudo, é apenas uma maquete, cujo aspecto mais chamativo talvez seja a pele do estádio. Chapas de aço inoxidável e tratado cobrem a superfície do Santiago Bernabéu, fornecendo-lhe uma forma curva, na qual se destacam três linhas diagonais que refletem a luz de manera variável.

No entanto, não há muitos detalhes oficiais do projeto. Há duas semanas, durante a apresentação dele, o Real Madrid foi tão misterioso como havia sido durante o concurso que convocou há dois anos e para o qual se apresentaram quatro equipes de estúdios de arquitetura.

O ganhador foi o desenho apresentado pela equipe formada por arquitetos alemães da GMP, o estádio L-35 e os catalães Ribas&Ribas, que superaram outros arquitetos de prestígio como Moneo, Herzoz y De Meuron, Foster, Lamela ou De la Hoz.

Projeção virtual do novo estádio.
Projeção virtual do novo estádio.

Todos os arquitetos partiram da premissa principal de aumentar os rendimentos do Santiago Bernabéu. O presidente do clube Florentino Pérez queria convertê-lo em algo além de um estádio, obter dele o máximo possível para rentabilizar todos os dias da semana. Desde o início, o clube trabalhava com um dado chamativo: nos coliseus americanos, a média de consumo por espectador dentro do estádio é de mais de R$ 30; no Bernabéu é de apenas R$ 2,60.

Assim, o Madrid pediu aos estúdios de arquitetura que incluíssem em seus desenhos um plano comercial, no qual se destacava a criação de um hotel de luxo e um centro comercial com fachada para a avenida Paseo de la Castellana. Colocando de outro jeito, a ideia era construir um edifício que abrigasse mais que um estádio.

O centro comercial incluído no projeto vencedor terá 12.250 metros quadrados. A atual Esquina do Bernabéu dará lugar à área verde. Haverá um terraço - da onde será possível ver os jogos -, restaurantes e um novo estacionamento subterrâneo. A cobertura será retrátil e um telão rodeará o estádio.

A obra vai custar cerca de R$ 1,3 bilhão. A metade será financiada por um patrocinador em troca de acrescentar sua marca à palavra Bernabéu. Pérez espera conseguir o resto com a emissão de títulos de dívidas, rentabilizados anualmente.

Algumas fontes dizem que os trabalhos seriam iniciados neste verão. Outras, que será impossível começar antes que alguns assuntos sejam resolvidos, além do financiamento. Para começar, o novo estádio aumenta a capacidade e isso poderia significar mais área construída, que neste momento não é contemplada no plano urbanístico aprovado pela prefeitura.

Em todo caso, enquanto isso, está confirmado que a cobertura atual será desmontada durante o verão, aproveitando que não há atividade esportiva. O passo seguinte será levantar uma nova grade lateral que dará a assimetria que os arquitetos imaginaram no desenho final.

Então, em cima das costelas de concreto existentes, será colocada uma estrutura radial que termina em um anel interior. Essa estrutura vai permitir a colocação do anel no interior do estádio para levantá-lo em poucos dias, com uma técnica utilizada na construção do coliseu romano.

Projeção virtual do novo estádio.
Projeção virtual do novo estádio.

Os arquitetos que o desenharam mostraram na apresentação uma nova interação dos pedestres com o estádio. Para começar, os estacionamentos atuais serão substituídos por uma praça com áreas verdes. É algo que os desenhistas consideram uma conquista porque permite ao público caminhar por uma calçada que antes não poderia ser utilizada para isso.

Além da praça e das áreas verdes que ficarão próximas ao estádio, os designers ressaltam as pistas para pedestres, protegidas da chuva e do sol, que surgiram em torno do estádio.

Iluminada com LED, a fachada vai mostrar as emoções do estádio e, para os de fora, será convertida em um grande telão que vai projetar imagens.

"É como uma catedral medieval com esculturas e quadros", disseram sobre este desenho. Ainda está para ser confirmado se o estádio terá também uma pista para os torcedores correrem.

O revestimento metálico foi desenhado para bloquear a passagem de luz, de acordo com distintas situações. A pele se abre ou se fecha para iluminar o centro comercial ou cuidar do público presente no estádio.

E em cima, na parte superior da fachada, um terraço curvo proporcionará vistas únicas do estádio e da rua para quem passar por ele.

Pode fazer um estádio assim em Madrid sem consultar outras opiniões? Até agora, a prefeitura deixou tudo nas mãos do clube. O Real Madrid faz parte da identidade da cidade, e com esse projeto buscou-se um ícone que transformasse a área e desse uma identidade reconhecível para a cidade. No entanto, algumas vozes expressaram suas restrições. José Antonio Granero, decano do Colégio de Arquitetos, publicou semana passada nestas páginas um texto no qual denunciava a falta de debate público em torno do novo Bernabéu. Outro arquiteto, Miguel Ángel Díaz Camacho, diretor da MADC Arquitetos, escreveu em seu blog um artigo entitulado "Tunando o Bernabéu", no qual assinala que a solução ganhadora para o estádio precisa de alguns valores urbanísticos. "A concha age como a carroceria de uma Lamborghini, um exercício de tunagem arquitetural, que oculta a poderosa infraestrutura e as milhares de pequenas histórias da História". O arquiteto diz que a imagem final é a de um grande shopping americano, "desesperadamente ofuscante e megalomaníaco".

Lembrando que essas grandes construções sempre geram polêmicas, é certo que o critério que prevaleceu foi o de Florentino Pérez. Foi o maior entusiasta do projeto da GMP, contrariando as opiniões que optavam por um novo estádio com a assinatura de arquitetos de prestígio internacional, como Moneo, Foster ou Herzog e De Meuron.

Os partidários do projeto pedem uma visão mais ampla. O presidente sublinhou a importância do momento da construção do novo estádio, quando parece haver sinais do fim da crise, e fez uma analogia com o primeiro Bernabéu, construído em 1947.

O clube quer que o coliseu seja de todos os cidadãos e não apenas do torcedores do Real Madrid. Serviria para multiplicar sua rentabilidade. Em todo caso, nada disso será realidade pelos próximos três anos, no mínimo.

Um concurso polêmico

O concurso organizado há dois anos pelo Real Madrid para reformar o seu estádio passou por muitas mudanças e demoras, e viveu algumas histórias controversas que não foram muito divulgadas.

A primeira versão dos projetos foi apresentada em setembro de 2012. Apesar do sigilo inicial, as fotos das maquetes acabaram vazando e todo mundo conseguiu ver o que os estúdios convocados estavam planejando. Não serviu para muita coisa. O Real mudou de ideia e pediu para os arquitetos que modificassem seus projetos para aumentar a renda do clube. Com a nova exigência, que basicamente consistia em incluir um centro comercial e um hotel, os arquitetos repenssaram seus desenhos antes do verão de 2013. O desenho de Carlos Lamela e Populous previa R$ 268 milhões além dos R$ 130 milhões que o estádio proporciona atualmente; o da Foster e de la Hoz projetava R$ 248 milhões adicionais; o da GMP, R$ 170 milhões; o da Moneo, R$ 147 milhões. Essas previsões também não serviram para nada.

O clube modificou as cifras em um estudo pedido para a consultoria americana Bovis.

A empresa redigiu um relatório prévio em que descrevia as diferenças econômicas de cada um dos estudos, mas na redação final, segundo uma fonte do clube, modificou esse dado para que todos os projetos apresentassem a mesma rentabilidade. Outra fonte que conhece esse relatório confidencial diz que se tratava apenas das projeções dos arquitetos, e que as valorizações foram feitas pelo próprio clube. Segundo o diário AS, os ganhadores receberam entre R$ 65 milhões e R$ 98 milhões, e os perdedores, R$ 650 mil.

 

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_