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O Papa aposta na periferia

Francisco nomeia entre seus novos cardeais eleitores cinco latinos, dois africanos e dois asiáticos O arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Orani João Tempesta, foi um dos escolhidos

O arcebispo do Rio de Janeiro, dom Orani Tempesta.
O arcebispo do Rio de Janeiro, dom Orani Tempesta.Tomaz Silva (Agência Brasil)

O papa Francisco não se cansa de repetir que quer uma Igreja voltada às “periferias do mundo”, dirigida por pastores com “cheiro de ovelha”. No entanto, a realidade que encontrou é bem diferente. Em números redondos, dos 120 cardeais eleitores —menores de 80 anos—, 60 são europeus e, deles, a metade é italiana. Ou seja, pertencentes ao velho primeiro mundo e que giram em torno do poder viciado do Vaticano. Daí vem o fato de Jorge Mario Bergoglio lançar ontem uma mensagem muito nítida de mudança de rumo. Dos 12 primeiros cardeais eleitores que nomeia —uma vez descontados os três eméritos e os quatro pertencentes à Cúria—, nove procedem de América Latina (4), África (2) e Ásia (2), incluindo o arcebispo do Rio de Janeiro, Orani João Tempesta. Além disso, a maioria deles tem em seu currículo muitas horas de paróquia ou de missão, só há um teólogo de profissão e não parece que as tradicionais lutas de poder entre congregações tenha algo a ver  —talvez pela primeira vez— nos nomes escolhidos por Francisco, que presenteia o Haiti, a periferia das periferias, com seu primeiro cardeal da história.

A Europa, ao contrário, fica em má situação. E a Espanha, pior. Tirando os quatro novos cardeais da Cúria —três italianos e um alemão—, o papa só elegeu dois novos cardeais europeus: o arcebispo de Westminster, Vincent Nichols, e o italiano Gualtiero Bassetti, arcebispo de Perugia. Da Espanha só nomeou cardeal emérito —sem direito a voto por ter mais de 80 anos— o arcebispo emérito de Pamplona, Fernando Sebastián Aguilar.

Uma vez descontados os cardeais eméritos, os 16 restantes dividem-se em dois grupos. Os quatro chefes de departamento da Cúria vaticana e os 12 residenciais. Entre os quatro novos cardeais do poder vaticano não há surpresas. O papa Francisco converterá em cardeal seu secretário de Estado, Pietro Parolin; o secretário-geral do Sínodo dos Bispos, Lorenzo Baldisseri (que, como secretário do conclave, recebeu em 13 de março de 2013 o solidéu roxo que até esse momento pertencia a Jorge Mario Bergoglio); o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Gerhard Ludwig Müller, e o prefeito para a Congregação para o Clero, Beniamino Stella.

O arcebispo do Rio —um cardeal internauta— ficou surpreso pela nomeação, e suas primeiras palavras foram de lembrança a Dom Hélder Câmara

A inércia da Igreja não permite mudanças bruscas de direção, mas o papa Francisco parece disposto a corrigir o rumo. A prova está em que, apesar da escassa capacidade de manobra —o limite de cardeais eleitores está em 120 e agora há 123, embora alguns a ponto de cumprir os 80—, o papa quis reequilibrar o poder em benefício do sul. Assim, em 22 de fevereiro próximo receberão a veste de cardeal, além do arcebispo do Rio, os de Manágua, Leopoldo José Brenes Solórzano; de Santiago do Chile, Ricardo Ezzati Andrello, e de Buenos Aires, Mario Aurelio Poli. Também o arcebispo Chibly Langlois, presidente da conferência episcopal do Haiti, que mostrou surpresa pela nomeação, que ocorre justamente quatro anos após o terremoto que matou cerca de 300.000 haitianos e deixou sem casa mais de um milhão e meio. Além disso, Jorge Mario Bergoglio quis focar também África e Ásia, nomeando cardeais e arcebispos de Burkina Faso, Costa do Marfim, Coreia do Sul e Filipinas.

Salvo no caso de Gerhard Ludwig Müller, um teólogo renomado, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o restante dos novos cardeais têm um perfil mais parecido com o de Bergoglio que de Ratzinger. O arcebispo do Rio —um cardeal internauta— ficou surpreso pela nomeação celebrando uma missa, como de costume, em uma comunidade carente, e suas primeiras palavras foram de lembrança a Hélder Câmara, o bispo brasileiro que foi chave na teologia da libertação. Entre os novos cardeais há também aqueles que, como o canadense Gèrald Cyprien Lacroix, têm longos anos de experiência em missões. A questão, portanto, não era só reequilibrar geograficamente o comando, senão também se aproximar das ruas, afastar-se do Vaticano e das lutas de poder —dos lobbies religiosos— entre as organizações mais influentes da Igreja.

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