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OBITUÁRIO

Adeus ao ícone do futebol português

Aos 71 anos, morre Eusébio, mítico atacante da década de sessenta, reconhecido como um dos melhores jogadores do século XX

Antonio Jiménez Barca
Eusébio e Figo durante a Eurocopa de 2012. / Getty
Eusébio e Figo durante a Eurocopa de 2012. / GettyGETTY

Às quatro da manhã, hora portuguesa, uma parada cardiorrespiratória causou a morte em Lisboa do mítico jogador Eusébio da Silva Ferreira, conhecido, como os grandes, apenas pelo prenome: Eusébio. A notícia de sua morte, aos 71 anos, comoveu o país inteiro, e não só os amantes do futebol (que são, de resto, quase todos em Portugal), já que Eusébio, mais do que um extraordinário esportista, havia se transformado em parte da memória e da mitologia de um povo, por causa das suas atuações pelo Benfica e pela seleção portuguesa. Às nove da manhã (7:00 em Brasília), poucas horas depois da divulgação da sua morte, já havia flores e cachecóis vermelhos ao pé da estátua em que é retratado chutando a gol, no Estádio da Luz, em Lisboa. Em seguida, o Governo declarou três dias de luto nacional.

Eusébio nasceu em 1942, em Lourenço Marques (atual Maputo), em Moçambique. Aos quinze anos, jogava em um clube chamado Os Brasileiros Futebol Clube. Mas aos 19, em maio de 1961 (depois de uma interferência da sua mãe para não assinar contrato com o Sporting de Lisboa), já jogava em um Benfica que a essa altura começava a tratar os grandes clubes de igual para igual na Copa da Europa. A Pantera Negra, como o apelidou um jornalista inglês, levou seu time a se tornar um desses grandes durante a gloriosa fase dos anos sessenta. Com Eusébio, o Benfica participou de quatro finais da Copa da Europa, ganhando duas delas.

Torre e Eusébio, jogadores da seleção portuguesa de futebol, durante a Copa do Mundo de 1966, na Inglaterra.
Torre e Eusébio, jogadores da seleção portuguesa de futebol, durante a Copa do Mundo de 1966, na Inglaterra.

Mas foi na Copa de 1966, na Inglaterra, que Eusébio se consagrou. Houve uma partida da qual todos os portugueses maiores de 50 anos se recordam, inclusive o ex-presidente da República Jorge Sampaio, que hoje, em uma entrevista na televisão, fazia referência a esse dia. Eram as quartas-de-final, e a Coreia do Norte abria 3 x 0 aos 25 minutos do primeiro tempo. Portugal participava de uma Copa pela primeira vez, e muitos intuíam que a volta para casa era iminente. Mas não Eusébio, que disse a um colega para não se preocupar, que eles iriam se classificar. Naquela tarde, marcou três dos cinco gols que levaram Portugal ao triunfo e ao êxtase (embora tenha encalhado nas semifinais). Eusébio, contudo, foi eleito melhor jogador daquela Copa.

Ganhou duas chuteiras de ouro e a Bola de Ouro de 1965. Conquistou dez títulos portugueses com o Benfica. Foi operado seis vezes do joelho esquerdo. Jogou muitas vezes lesionado. Os especialistas recordam hoje sua velocidade, sua capacidade de penetração e seu explosivo arremate com a perna direita. As emissoras de TV transmitem essas mesmas investidas em branco e preto, terminando sempre com um golaço. Seus amigos preferem observar que, além disso, era um sujeito franco, generoso e humilde, com a saúde muito debilitada nos últimos anos, mas empenhado em se agarrar fortemente à vida (“Como o campeão que foi”, diz um deles).

O ditador Salazar o proibiu de assinar contrato com a Inter de Milão, quando estava no auge da carreira, para impedir que o símbolo do futebol português defendesse outras cores que não as da seleção e dos clubes lusitanos. Quem se lembrava disso era o próprio jogador (que chamava o ditador de “padrinho”), em uma entrevista publicada há dois anos no semanário Expresso. Soube sobreviver convertido em mito para vários regimes políticos. Nessa mesma entrevista responde, quando perguntado sobre os culpados da crise: “Minha política é a bola”.

O bombardeio midiático que sacode o Portugal agora demonstra que morreu mais do que um jogador de futebol. O escritor e roqueiro António Manuel Ribeiro soube definir isso horas atrás, pela televisão: “Foi nosso herói. Em um país onde há pouquíssimos heróis”.

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