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'Mãe-coragem' consegue condenação de dez suspeitos de tráfico humano

“Busco a minha filha e sigo resgatando garotas de tráfico”, diz Susana Trimarco; sua filha está desaparecida há onze anos

Susana Trimarco posa com uma foto de sua filha.
Susana Trimarco posa com uma foto de sua filha.LatinContent/STR (Getty Images)

A vida da argentina Susana Trimarco deu um giro trágico em 2002. Uma rede de tráfico sequestrou a sua filha Marita Verón, de então 23 anos, para escravizá-la e prostituí-la. Impotente ante um sistema judicial e policial que não investigava o caso, Trimarco, com 47 anos e uma valentia fora do comum, foi à rua e se disfarçou de prostituta para poder conhecer os bordéis e buscar pistas sobre o paradeiro de sua filha. Sua perigosa aventura durou dez anos, até que conseguiu fazer se sentar no banco dos acusados o cafetão de Marita e mais 12 supostos colaboradores. Há um ano, um tribunal da cidade argentina de Tucumán os absolveu, mas ela prometeu não derramar uma só lágrima. Um ano depois, a Suprema Corte tucumana revisou a sentença e condenou dez dos 13 acusados. A mãe-coragem argentina ganhou a batalha, mas só a metade. Marita ainda segue desaparecida.

“A sentença de 2012 foi vergonhosa porque tinha provas para as condenações, havia vítimas do tráfico que tiveram a valentia de dizer onde viram a minha filha”, diz Susana Trimarco ao EL PAÍS em conversa telefônica. “Ao intervir, a Suprema Corte deu um passo importante na causa. "Agora o que espero é que estes delinquentes sejam presos porque pode ser que fujam”, acrescenta.

Susana Trimarco se disfarçou de prostituta para poder conhecer os bordéis e buscar pistas sobre o paradeiro de sua filha

O Superior Tribunal de Tucumán ordenou que três juízes de menor categoria estabeleçam as penas dos dez condenados. Os advogados de Trimarco pediram entre 20 e 25 anos de prisão para eles. Trimarco justifica: “Eles são cúmplices do tráfico. Sequestram mulheres, as separam de suas famílias, as vendem e as exploram. Eu tenho minha esperança de que digam algo sobre minha filha. Mas a Justiça não está buscando ela. Eu a busco. Eu fui à Espanha seguindo uma pista de que a tinham vendido lá, mas o promotor de Burgos não tinha nem a foto nem as impressões digitais dela”. Foi em 2007 quando conseguiu pistas que apontavam para este país. Chamou à porta da embaixada espanhola em Buenos Aires e conseguiu que o então presidente do Governo, José Luis Rodríguez Zapatero, a convidasse para ir a Madri. Mas nem sinal. Ninguém na Espanha lhe deu uma pista sobre o paradeiro de sua filha.

Trimarco não desistiu de sua luta, que é a mesma de outras mães. “Busco a minha filha e sigo resgatando garotas [das redes de traficantes]”, conta. Esta mulher criou uma fundação para ajudar as vítimas da escravidão sexual e continua chamando a atenção sobre a passividade dos tribunais. “A justiça não faz o que tem que fazer. Não pode ser que minha filha não apareça. Quero ela como for”. A absolvição de 2012 dos agora condenados serviu como argumento para a presidenta argentina, Cristina Fernández de Kirchner, para impulsionar uma reforma para “democratizar a justiça”, mas a principal lei reformista finalmente foi declarada inconstitucional pela Corte Suprema do país.

A sentença do alto tribunal de Tucumán não contentou completamente Trimarco. Primeiro, claro, porque sua filha segue desaparecida —“Não posso dizer que sou feliz porque só estarei quando encontrar minha filha”—, mas também porque voltaram a ser absolvidos dois dos acusados, a ex-esposa e o ex-cunhado de Rubén Ale, o Chancha, líder da torcida organizada do clube San Martín a quem ela acusa de ser o máximo responsável pelo sequestro de sua filha. Ale nem sequer foi levado para o banco dos réus de 2012. Não obstante, Trimarco celebra que a partir de sua investigação se abrisse outra causa por lavagem de dinheiro pela qual, nesta terça-feira, foram acusados Ale, sua ex-esposa e outras três pessoas.

Não posso dizer que sou feliz porque só estarei quando encontrar minha filha” Susana Trimarco

A luta de Trimarco marcou um antes e depois para a conscientização da Argentina sobre o drama do tráfico de pessoas, segundo um dos advogados da mãe-coragem, José D'Antona. A partir de sua história, que chegou a ser tomada como tema de uma bem-sucedida série de televisão local, o país sul-americano aprovou leis contra a escravidão sexual. “A sentença do ano passado desmoralizou os que denunciavam”, reconhece o advogado. “Mas também levou a que se aprovassem novas medidas legais contra o tráfico e a que se fechassem prostíbulos. Há cada vez mais vítimas que denunciam e que são assistidas. Hoje há menos tráfico na Argentina, há mais obstáculos para que isso ocorra”, destaca D'Antona.

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