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A incrível adaptação de um pequeno gênio

No Barça, da diretoria ao vestiário, todos estão boquiabertos com a fabulosa compreensão demonstrada pelo atacante brasileiro acerca do clube e da vida em Barcelona

Adriano, Alves, Neymar e Messi, em uma foto de Facebook.
Adriano, Alves, Neymar e Messi, em uma foto de Facebook.

No dia em que Neymar Jr. chegou a Barcelona, colocou a cidade aos seus pés: foi comer no restaurante La Venta, no monte Tibidabo, onde provavelmente se cozinha um dos melhores escargots do país. E conheceu o sr. Lluis Vinyes, o proprietário, um senhor que todo sábado às sete da manhã aparece no mercado da Boqueria, conta histórias sobre as mil aventuras que lhe aconteceram na vida, compartilha suas coisas e distribui seu bom caráter entre aqueles que se aproximam. Há dois anos ele serve refeições no monte que coroa a cidade de Barcelona, onde há um parque de diversões, uma igreja coroada por um Cristo que lembra o do Corcovado e uma vista maravilhosa. Bem onde o Loco estacionou seu Cadillac solitário na mítica canção homônima de Los Trogloditas, os olhos de Neymar saltavam das órbitas ao contemplar a espetacular cidade onde irá viver nos próximos cinco anos. E, a partir dali, pediu a bola e não parou de surpreender a todos no clube.

Ele sabia perfeitamente a que vinha e o que se esperava dele. É pura NBA!”, diz um diretor, surpreso

A torcida, pelo que ele faz com a bola; os funcionários, pelo seu profissionalismo extremo; e os colegas, pela naturalidade com que vive. No centro de treinamento do Barça, ninguém entende como ele pode ter tanta facilidade para entender o jogo. “Ou lhe explicaram tudo ou é um gênio maior do que supomos. Em uma semana, já tinha muito clara a exigência do jogo desse time em termos de posições, coisa que não é fácil.” Alexis Sanchez, por exemplo, demorou meses; outros não pegam nunca. “Não é normal”, asseguram seus companheiros. “Ele pega tudo muito rápido”, reconhece Xavi. “Ele se adapta ao jogo, é inteligente”, observam no vestiário, onde, basicamente por uma questão cultural, é fácil vê-lo com Adriano e Alves, que fazem o papel de irmãos mais velhos. “Não sabemos onde está o seu limite, é muito, muito bom”, reconhece Piqué. “A lateral esquerda, com Iniesta, pode marcar época na história do futebol, basta que peguem o ponto certo”, afirma a comissão técnica.

Neymar é de trato agradável. “Sempre está de bom humor, mas não é chato, é tranquilo e educado”, contam sobre ele. “Todos se dão bem com ele. Parecia impulsivo, agressivo, falastrão... Mas é divertido, educado, respeitoso”, reconhecem no vestiário. Ney, como o chamam, ri muito com Alexis, vive atento ao que Xavi, Iniesta e Messi fazem, “para aprender, certamente”, e está fazendo boa amizade com os mais jovens, em especial com Sergio Roberto e Bartra, por simples questão de idade, se supõe.

Mora no bairro residencial de Pedralbes, numa casa de três andares que divide com seu pai, além de receber visitas da sua mãe, do seu filho e dos seus amigo

Mas o fato é que em Barcelona ele nunca se sentiu só. Mora com seu pai –“Com quem tem uma relação excelente” – numa casa de três andares no bairro de Pedralbes, e rara é a semana em que alguns amigos não aterrissam no aeroporto de El Prat. Assim como pessoal da localidade italiana de Tavullia que forma a “tribo dos chihuahuas” – os amigos de Valentino Rossi que trabalhavam em sua empresa de comunicação, tocam o seu fã-clube, se encarregam do merchandising e o acompanham de circuito em circuito –, Neymar ri e joga videogame com seus amigos. “São boa gente, se conhecem da vida toda, sabem que é preciso cuidar dele e cuidam muito”, admitem no Barça. De vez em quando, aparece a mãe dele com o neto, ou seja, com o filho de Neymar. Ao que se saiba, a mãe do menino ainda não apareceu em Barcelona, nem é esperada: “Não é que estejam separados, é que só passaram dois dias juntos”, contam. Mas ele já foi visto jantando com sua atual namorada no Passeio de Gràcia, e dizem que virou fã de um japonês que fica na parte velha da cidade, por recomendação de Fábregas. “Está superadaptado”, insistem seus companheiros.

Até mesmo seus rivais estão incrédulos. “Estranhei sua rápida integração, que é evidente. Não é fácil, sendo tão jovem, chegar a um time tão grande e fazer o que ele está fazendo com tanta humildade”, diz o mexicano Javier Aguirre. “É claro que todo mundo tem os olhos voltados para a sua resposta, e ela tem sido insuperável o tempo todo”, diz o técnico Gerardo Martino, que não acredita que a ausência de Messi represente “uma carga extra”, porque já o viu assumir responsabilidades antes. “Falo do Santos e da seleção brasileira também, me parece que pela pouca idade que tem já deu muitas demonstrações de capacidade para suportar tanto peso”, reconheceu ontem Martino, que de início o poupou, deixando-o na reserva. Mas a situação saiu do seu controle: Neymar decidiu o primeiro título, a Supercopa contra o Atlético de Madrid, com um gol no Manzanares, e o clássico contra o Real Madrid.

Neymar, durante o partida contra Granada.
Neymar, durante o partida contra Granada.RODOLFO MOLINA (DIARIO AS)

Outra das questões que causaram surpresa em Barcelona, além do aspecto esportivo, foi seu profissionalismo. “É um profissional dos pés à cabeça, o mais profissional que eu já vi”, garante um veterano executivo do clube. “Pura NBA”, destaca um diretor que considera “muito boa” a influência que tem Eduardo Musa sobre os negócios de Neymar. No Barcelona sabem o caminho que Neymar está trilhando: segundo a revista Forbes, ele faturou 20,5 milhões de dólares, o que o torna o jogador de futebol jovem mais bem pago do planeta, e o único, aos 21 anos, entre os cem primeiros da lista dos esportistas com maior rendimento, encabeçada por Tiger Woods. A estrutura empresarial que o rodeia tem sua sede em um edifício de quatro andares e 22 profissionais na folha de pagamento, de executivos da área comercial a seguranças, passando por especialistas em comunicação, um diretor financeiro, secretárias e funcionários administrativos. Também dispõe de mais de 25 colaboradores fixos.

Seu pai, Neymar da Silva Santos, supervisiona tudo. “Não há nenhuma empresa fictícia, todas estão funcionando e dando empregos”, se surpreende um alto funcionário do Barça. A Neymar SL foi criada em 2006, quando ele tinha 14 anos. Seus pais, Neymar e Nadine, intuíam um futuro promissor para seu filho, e abriram para ele uma empresa de gestão esportiva, a NR Sports.

Alves e Adriano são como irmãos mais velhos, Bartra e Sergio Robesta estão ficando seus amigos, enquanto Xavi, Iniesta e Messi são exemplos que ele observa para aprender

Neymar ganha mais com a empresa do que jogando futebol, mas provavelmente não sabe disso. “O que está claro é que não acontecerá com ele o que aconteceu com Messi. Seu contrato passou por cinco assessores fiscais antes que ele o assinasse”, lembra o pessoal do Barcelona, onde ele também causa surpresa por seu domínio e obsessão em relação às redes sociais. “Fechamos o acordo com uma condição: que seria ele quem o anunciaria pelas redes sociais.” E assim foi. Duda, homem de confiança da família e diretor geral da empresa, ligou para o clube: “Em uma hora postaremos o anúncio”. O Barcelona estava preparado e oficializou tudo na sequência. “Ele sabia a que vinha e o que se esperava dele”, contam. “Sabe que tem uma carreira e sabe administrá-la”, dizem. “Muitas das fotos que se veem no Instagram fazem parte da sua estratégia de comunicação. São muito bons. Se aparece de cueca jogando videogame, ou faz propaganda de cueca, ou cobra cachê do videogame... Ou as duas coisas”, comenta um diretor, analisando uma imagem postada pelo jogador na qual aparece com um grupo de amigos, jogando uma partida virtual no sofá da sua casa... de cueca! “Mas também faz isso com muita naturalidade, e isso se nota!”, intervém outro.

Por enquanto, a vida de Neymar no Barcelona é um conto de fadas que não podia ter começado melhor. “Ele gosta até de treinar”, reconhece a comissão técnica. Então no clube, felizes como estão, só temem uma coisa: “O medo é como ele sairá da Copa: se ganhar, pode se sentir Deus; se perder, talvez se deprima!”, reconhecem no vestiário, onde paira a memória de Romário, que nunca voltou dos EUA-94, e de Ronaldinho, que nunca mais foi o mesmo depois da Alemanha-06. E eles também eram totalmente moleques.

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