_
_
_
_
_

Arquivo | A queda de Collor em 1992

Collor de Mello perdeu a presidência por seu envolvimento em uma rede de corrupção

Fernando Afonso Collor de Mello quando era presidente do Brasil.
Fernando Afonso Collor de Mello quando era presidente do Brasil.Portal do Planalto

Corria tranquilamente o mês de maio de 1992. O Governo brasileiro finalizava os preparativos para cumprir seu papel de anfitrião na Cúpula da Terra, enquanto milhares de visitantes do mundo todo aguardavam a conferência sobre o meio ambiente. Ninguém esperava naquele momento que o Brasil fosse ser sacudido pelo maior escândalo de sua história, quando o irmão mais novo do presidente Fernando Collor de Mello, Pedro, declarou publicamente que o chefe de Estado utilizava o cargo para acumular uma fortuna fabulosa por meio de uma rede de extorsão, corrupção e chantagem. Em 30 de dezembro passado, o Senado brasileiro condenou Collor por corrupção, apesar de o presidente ter renunciado ao cargo um dia antes.

A acusação caiu como uma bomba na opinião pública, ocupou as primeiras páginas dos jornais e saltou nos teletipos do mundo todo. No entanto, ninguém acreditava à época que as ondas de choque do escândalo se propagariam como um terremoto de intensidade crescente até os últimos dias do ano, revelando a todos o sórdido tráfico de influências que se escondia por trás dos bastidores do poder, um tráfico que obrigou o chefe de Estado a uma renúncia humilhante.

Pouco mais de dois anos após ter assumido o cargo, o presidente brasileiro havia fracassado no combate à inflação, enquanto os graves problemas sociais do Brasil tinham se agravado. No entanto, Collor mostrava alguns triunfos à comunidade financeira internacional. Obscuro político regional, alçado ao poder graças a seu notável carisma pessoal, o presidente era elogiado no exterior por ter aberto o mercado brasileiro ao investimento estrangeiro, inaugurado um ousado plano de privatizações, iniciado a liberalização da economia brasileira e acumulado o maior volume de reservas de ouro da história.

Pedro Collor de Mello revelou que o multimilionário empresário Paulo César Farias, amigo íntimo do presidente e tesoureiro da campanha eleitoral de 1989, brandia como uma arma sua amizade com Collor para extorquir empresários poderosos com a ameaça de arruiná-los. Em declarações publicadas pela revista Veja, que conta com tiragem de 800.000 exemplares, Pedro Collor afirmou que Farias entregava ao presidente 70% dos “benefícios” desse programa e ficava com os 30% restantes. A polícia federal estima agora que durante os 30 meses de Governo de Collor, a rede de corrupção tenha rendido ao presidente e a Farias cerca de um bilhão de dólares.

Mais informações
Collor perde três carros de luxo e uma maleta de documentos
Lava Jato tem aval do Supremo para investigar Collor e outros políticos
Operação Lava Jato, uma investigação grande demais para ‘acabar em pizza’?
Collor é acusado por delator da Lava Jato de ter recebido 3 milhões de reais

Briga de família

Segundo as declarações do irmão do presidente, Farias se gabava em festas e reuniões de pagar os cartões de crédito da primeira-dama, Rosane Collor. “Fazia isso para mostrar sua intimidade com o poder e assim ter mais facilidade para extorquir, corromper e chantagear”, disse. Pedro Collor lembrou também que PC, como Farias é conhecido, enchia de presentes a ex-ministra da Fazenda do Brasil Zélia Cardoso: “Dizia a todo mundo que presenteava Zélia com vestidos, colares e coisas desse tipo”. O irmão de Collor acusou também o presidente de ter sido na juventude “um consumidor contumaz de drogas” e de tê-lo iniciado no uso de cocaína e LSD quando era adolescente.

Sob a pressão da opinião pública indignada com o escândalo, o Congresso formou rapidamente uma comissão de inquérito para apurar as denúncias. No entanto, Pedro Collor de Mello admitiu que não tinha nenhuma prova para respaldar suas afirmações.

O presidente então falou por meio de cadeia nacional de rádio e televisão para pedir desculpas à nação “pelas declarações falsas e mentirosas do meu irmão”. Ao mesmo tempo, a mãe de ambos, Leda Collor, destituiu Pedro da direção das empresas da família, alegando que seu filho caçula estava mentalmente perturbado. Parecia que as investigações tinham chegado a um beco sem saída. “Essa comissão parlamentar não vai chegar a lugar nenhum”, afirmava à época o ministro-chefe da Casa Civil, Jorge Bornhausen, acostumado à tradição de impunidade que corrói a política brasileira e à reconhecida inoperância das comissões de inquérito que se multiplicam pelas salas do Congresso.

Testemunha surpresa

No fim de junho, quando já parecia que as denúncias de Pedro Collor seriam esquecidas e a ação da comissão se desvaneceria no tempo como tantas outras, uma testemunha-chave provocou uma reviravolta espetacular nas investigações. Eriberto França, o motorista da secretária particular de Collor, Ana Acioly, revelou que ela o mandava periodicamente buscar grandes pacotes de dinheiro, em moeda nacional e em dólares, nas empresas de Farias. França afirmou também que com esse dinheiro a senhora Acioly pagava depois os gastos e abastecia as contas bancárias do presidente e de sua esposa. As declarações do chofer, hoje transformado em celebridade nacional, estimularam a comissão e, pela primeira vez, o julgamento político se tornou uma alternativa viável.

Apoiada em seus poderes legais, a comissão parlamentar determinou a quebra do sigilo bancário de várias contas correntes, até descobrir a existência de clientes fictícios em vários bancos. Logo se soube que todos eles eram funcionários ou amigos de Farias, que abriam contas fantasma para enganar a polícia e a Receita Federal. Muitos desses fantasmas enviavam dinheiro ilegalmente para o exterior, e um deles comprou um automóvel Fiat para o chefe de Estado.

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_