“Estamos batendo no Facebook onde dói, na carteira”
Organizadores da campanha que retirou a publicidade de centenas de empresas da rede social querem “resposta global” ao problema da desinformação e Zuckerberg concorda em se reunir com eles
Ninguém parecia capaz de fazer Mark Zuckerberg retificar sua política de permissividade com o conteúdo tóxico no Facebook. Então, em 26 de junho, o fundador e CEO da maior rede social do mundo publicou uma mensagem anunciando uma série de mudanças para controlar as mensagens de ódio e desinformação na plataforma. Os maiores anunciantes do mundo estavam retirando a publicidade do Facebook. “Estamos batendo nele onde dói, na carteira”, diz James Steyer, um dos homens por trás dessa mudança.
Steyer é o CEO da Common Sense Media, uma organização que nasceu para defender a proteção das crianças contra o conteúdo tóxico nos meios de comunicação, especialmente na Internet. Há vários anos tenta fazer com que o Facebook, que qualifica como o maior meio de comunicação do mundo, faça o mesmo. No mês passado, a Common Sense Media se uniu ao lobby judeu Liga Antidifamação (ADL) e à grande organização pelos direitos dos afro-americanos NAACP para iniciar a campanha Stop Hate For Profit (basta de lucrar com o ódio). Pedem aos grandes anunciantes que retirem sua publicidade do Facebook. “Mais de 700 empresas já aderiram. Temos um momentum incrível”, diz Steyer ao EL PAÍS por telefone.
A pressão até agora foi suficiente para provocar uma reunião, que estava programada para ocorrer nesta terça-feira, entre os dois principais executivos do Facebook, o CEO Mark Zuckerberg e a diretora-executiva Sheryl Sandberg, e os organizadores da campanha. Sandberg disse em uma mensagem na rede social: “Estamos fazendo mudanças, não por motivos financeiros ou pressão de anunciantes, mas porque é o correto”.
O presidente da ADL, Jonathan Greenblatt, vinha alertando há anos que as redes sociais estavam amplificando o discurso de ódio e que isso tinha uma relação direta com o aumento de ataques antissemitas e racistas. “Jonathan e eu estamos conversando sobre isso há muito tempo”, conta Steyer. “Também falamos com a NAACP e a Color for Change (outra organização antirracista) sobre a campanha. Depois da morte de George Floyd, decidimos que era o momento adequado. O Facebook estava amplificando mensagens de ódio contra os protestos. Estava contribuindo com o discurso de ódio e com a divisão diante do pior crime possível”. Isso e a desinformação descontrolada sobre a pandemia da covid-19 fizeram com que a campanha fosse finalmente lançada em 17 de junho.
Esse momentum atual tem nomes. Os mais conhecidos são Unilever, Coca-Cola, Verizon, Volkswagen, Diageo e Starbucks. Na semana passada, os cinco principais bancos do Canadá aderiram, em um movimento que não cessa. Quando Zuckerberg postou sua mensagem, as ações do Facebook estavam caindo 12%. Depois caíram mais 8%. A ação caiu de 242 dólares para 216 em três dias. Voltou a 240 nesta segunda-feira. Os analistas dizem que, embora sejam grandes nomes, a maior parte da receita de publicidade do Facebook (69,7 bilhões de dólares, cerca de 374,93 bilhões de reais) vem de milhões de pequenos anunciantes. O Facebook tem 2,6 bilhões de usuários e é a segunda maior plataforma de anunciantes do mundo, depois do Google. O dano econômico do boicote parece, por enquanto, aceitável.
Por isso Steyer diz que a campanha acaba de começar. “Esperamos nos expandir globalmente”, afirma. “Queremos que na Europa, e especialmente na Espanha, se juntem ao boicote para dizer ao Facebook que já chega. Porque na Espanha está acontecendo a mesma amplificação do discurso de ódio que nos Estados Unidos. Também queremos expandir a campanha no México e na América Latina. Este é um problema global e precisa de uma resposta global. São as empresas globais que precisam fazer o Facebook pagar "
Outros foram se juntando ao grupo inicial, como Free Press, Mozilla, National Hispanic Media Coalition, Sleeping Giants e o lobby latino LULAC (League of United Latin American Citizens), que por sua vez pressionam as empresas a se unirem ao boicote. “A razão para nos unirmos é que o ódio e a desinformação também afetam nossa comunidade”, diz por telefone Sindy Benavides, diretora-executiva da LULAC. “Queremos que o Facebook seja mais agressivo para deter os supremacistas brancos e o ódio em geral contra as minorias”.
As mudanças que esperam ver no Facebook são várias. “Podem mudar sua política sobre os grandes grupos privados de ódio e conspirações”, explica Benavides. “Também podem mudar o algoritmo para deixar de recomendar essas mensagens. E podem ajudar os usuários que experimentam ódio ou assédio. O Facebook teve muito sucesso. Mas com o sucesso vem uma responsabilidade”. Benavides cita como exemplo das consequências do ódio no Facebook o massacre de El Paso, em que um homem matou 23 pessoas a tiros porque queria impedir uma suposta invasão de mexicanos. “Vivemos em uma sociedade que não tolera mais o ódio nem o racismo e queremos que essas empresas reflitam isso.”
Tudo isso acontece, obviamente, no contexto de uma campanha eleitoral presidencial na qual as redes sociais estão na mira de todos depois de terem sido usadas em 2016 para espalhar o ódio e suprimir o voto. Benavides adverte que há mensagens de desinformação tentando suprimir o voto latino, por exemplo. Steyer não tem dúvida alguma de que as redes sociais “tornaram possível Donald Trump, incluindo o hackeamento da eleição de 2016”.
Steyer é professor de direito da Universidade de Stanford e também é o irmão mais velho de Tom Steyer, o bilionário californiano que disputou as primárias democratas. O antigo gestor de capital de risco montou a maior campanha de rua em 2018 para registrar eleitores jovens e ajudar candidatos democratas em todo o país. O professor Steyer afirma que não há motivação política por trás do Stop Hate For Profit. “Não é assim. Não somos partidários. Esta não é uma posição política. Acreditamos que manter o civismo no debate público é importante nos Estados Unidos e em todo o mundo. Isso é bom para todos. Esta campanha é sobre ódio, racismo e desinformação.”
A campanha rejeita categoricamente o argumento de que permitir qualquer coisa na plataforma é uma questão de liberdade de expressão. O ponto crucial da defesa de Mark Zuckerberg é que o Facebook é apenas um intermediário em que as pessoas se expressam livremente. “Esse argumento é uma falácia”, responde Steyer. “Mark precisa de algumas lições de civismo. A visão libertária de que a liberdade de expressão está acima de todos os outros valores é presunçosa. O Facebook é a maior empresa de mídia do mundo e precisa de padrões, como o EL PAÍS e como qualquer outra publicação.”