Coluna

Jesus veio nos libertar das religiões?

Logo depois surgiu uma Igreja misógina que continua tristemente viva dois mil anos mais tarde e pela qual o revolucionário papa Francisco luta para devolvê-la o sopro de liberdade

Fiéis confeccionam tapetes de sal para Corpus Christi na Catedral Metropolitana, no centro do Rio, em 2018.Tomaz Silva/Agência Brasil

Pode parecer um paradoxo, mas existe um consenso entre o biblistas mais abertos de hoje em defender que o profeta judeu, Jesus de Nazaré, veio, mais do que criar uma nova religião das cinzas do velho judaísmo, para abolir todas as religiões consideradas por ele como amarras que impedem viver em plena liberdade de espírito nosso encontro com o mistério.

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Ao ponto de que hoje é dado como certo que a chamada religião católica e cristã, com sua estrutura oficial, suas hierarquias e sua exclusão da mulher do altar, não foi fundada por Jesus. É mais uma elaboração teórica de Paulo de Tarso, que de primeiro perseguidor dos cristãos, aos que arrancava de suas casas para condená-los à morte por apedrejamento e depois dos judeus, se autoproclamou o teórico da teologia da cruz e do pecado.

Os fatos e a doutrina de Jesus em sua breve carreira de apóstolo itinerante que “não tinha onde deitar a cabeça”, casa e família fora do pequeno grupo de discípulos e de mulheres que o seguiram em suas andanças anunciando que um Novo Reino estava chegando, intrigaram importantes fariseus e intelectuais como Nicodemos que teve a curiosidade de se encontrar com o Mestre para saber em primeira pessoa qual era esse novo reino que anunciava. Pediu assim para se encontrar com ele, às escondidas, de noite. O diálogo entre ambos é conhecido e enigmático.

Jesus era um bom israelita que praticava a lei de Moisés, mas ainda dentro de sua fé foi um iconoclasta que já atacava preceitos chave do judaísmo como o respeito ao sábado. Jesus lhes dizia que o homem e suas necessidades estão acima de todas as leis. E provocava os discípulos a quebrar o preceito do sábado se era questão de salvar uma vida e de se alimentar quando se estava com fome.

Quando iniciou sua pregação, aquele profeta do impossível imediatamente deixou entender que recusava as disputas bizantinas entre os seguidores das religiões oficiais já que a verdadeira religião é a que tem o homem e suas exigências mais profundas como centro de todos os interesses e acima de todas as leis.

Jesus, em um gesto de protesto contra os que em nome de Deus exploravam a boa fé dos judeus simples que se endividavam para comprar os animais para sacrificá-los no altar de Deus, entrou na sacralidade do Templo de Jerusalém e começou a derrubar as mesas dos vendedores de animais aos sacrifícios. Jesus não foi diplomático. Após comparar o Templo sagrado com um “covil de ladrões” onde os mais pobres eram explorados, saiu de lá e pouco depois foi procurado no Monte das Oliveiras, onde se encontrava com seus discípulos. Foi levado a julgamento, condenado e crucificado.

Foram numerosos os gestos de protesto de Jesus contra os que instrumentalizavam a religião para enriquecer pessoalmente. E era taxativo com os que iniciavam uma disputa para provar que seu Deus era melhor do que o de seu vizinho. Uma manhã encontrou uma mulher samaritana na beirada de um poço. Começaram uma conversa que escandalizou os apóstolos ao verem ele, judeu, na rua, conversando sozinho com uma mulher. Os samaritanos eram considerados inimigos do judaísmo e tinham até seu templo para prestar culto a Deus. Jesus foi firme com ela fazendo-a ver que todas aquelas discussões eram inúteis. “Chegará o dia em que os crentes em Deus não oferecerão sacrifícios nesse templo e em qualquer outro. O farão em espírito e em verdade”, disse à mulher que já havia tido cinco maridos.

Foi lá que Jesus deu o primeiro golpe mortal contra os templos, igrejas e catedrais que erigiriam em seu nome. Para Jesus, o melhor templo para adorar e dar graças a Deus é o próprio coração, e a natureza como tal sem necessidade de se levantar templos e igrejas, menos ainda luxuosos e faraônicas. Exaltava a liberdade dos lírios do campo e dos pássaros do céu que não tinham que se preocupar em como se vestir e se alimentar. A natureza se encarregava disso. Eram metáforas que Jesus usava a favor da liberdade de espírito.

De fato, as primeiras comunidades cristãs que foram sendo criadas após a morte de Jesus sabiam muito bem que Deus era adorado em “espírito e em verdade”, em qualquer lugar, já que todo o universo é o grande templo de Deus. E assim as primeiras reuniões dos cristãos, pobres e ricos juntos, que colocavam sobre a mesa o pouco ou muito que tinham, eram suas próprias casas, principalmente as das mulheres que no primeiro século do cristianismo eram as principais líderes do novo movimento revolucionário.

Mais tarde a Igreja já organizada e estruturada por Paulo as afastaria da hierarquia e do convívio eucarístico, negando a elas a possibilidade de consagrar e perdoar os pecados. Logo depois surgiu uma Igreja misógina que continua tristemente viva dois mil anos mais tarde e que o revolucionário papa Francisco luta para devolvê-la o sopro de liberdade dos primeiros seguidores do profeta que era o poeta da vida mais do que da morte a qual derrotou simbolicamente com a parábola da ressurreição. Isso se os fariseus dos palácios vaticanos permitirem.

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