Análise

“Otimismo trágico”, a ferramenta psicológica criada para tempos difíceis

Esse termo, cunhado pelo psiquiatra Viktor Frankl, refere-se à capacidade de escolher nossa reação a acontecimentos negativos. Seu discípulo, o filósofo Alexander Batthyány, explica isso para ‘Ideias’

Agustina Cañamero, 81, d Pascual Pérez, 84, se beijam com a proteção de máscaras e um plástico em Barcelona.Emilio Morenatti (AP)

Faz pouco tempo fui entrevistado por um importante jornal austríaco. O jornalista claramente esperava que eu, na condição de diretor do Instituto Viktor Frankl de Viena e titular da cátedra Viktor Frankl em Liechtenstein e Budapeste, transmitisse uma mensagem positiva; e mais ainda, percebi que tudo o que realmente queria era a confirmação de que o “pensamento positivo” era o mais necessário e o que iria solucionar tudo. Ele me pediu conselhos para lidar com a crise da covid-19 e suas repercussões em nossa vida pessoal, social e econômica: “Como podemos manter uma mentalidade e um pensamento positivos?”. Ficou surpreso quando eu lhe disse que em tal situação ― e na vida em geral― acredito (e as pesquisas corroboram isso) que existe algo muito mais útil e maduro do que o pensamento positivo: o pensamento realista. “Mas isso não é o mesmo que ser negativo e resignar-se com a situação atual?”, insistiu. Boa pergunta. A resposta é sim e não. E um “não” em que podemos depositar nossas esperanças.

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Viktor Frankl, o famoso psiquiatra vienense que sobreviveu a quatro campos de concentração e mais tarde fundou a psicoterapia centrada na vontade de sentido (denominada logoterapia e análise existencial), cunhou um termo muito interessante: otimismo trágico. Que, em suma, significa a mesma coisa que o “sim e não” que mencionei. Numerosas pesquisas em psicologia demonstram que se trata de um conceito muito útil, sobretudo em tempos difíceis, porque nos permite ver com clareza e aceitar o que é ruim, mas também estar cientes de que podemos decidir como reagir a tudo o que acontece, seja o que for. Vamos ver como traduzir esses estudos para nossa vida cotidiana atual.

A primeira conclusão é que podemos decidir em certas condições. É claro que o coronavírus nos coloca diante de uma crise imensa que não vai desaparecer com pensamentos positivos. Sejamos realistas e reconheçamos isso. Mas uma avaliação realista não para aí. Busca também as coisas que podemos mudar. Examina nossa liberdade para decidir como reagir a uma situação. Até que ponto isso depende de nós? Como decidimos enfrentar a crise?

Um dia, tudo o que está acontecendo será história, tanto coletiva como individual. O que então pensaremos desta história e o que as gerações futuras dirão, não apenas sobre a pandemia, mas sobre nosso comportamento? Seremos um modelo para essas gerações? Isso é o que podemos e devemos decidir hoje, agora, todos e cada um de nós, como coletivo e como indivíduos. Quando olhar para trás, poderei reconhecer com gratidão que, sim, foi um período difícil, mas pelo menos fiz o melhor uso possível dele? Ou poderei dizer que fiz da minha casa ― seja grande ou pequena ― um lugar aconchegante e acolhedor para todos os que nela vivem ou a visitam, o nosso nicho pessoal neste mundo imenso? Que ajudei meus parentes e vizinhos mais velhos? Que aproveitei este período de isolamento involuntário para organizar meus papéis ou outras áreas que precisam de atenção? Ou para passar um tempo precioso com minha família, telefonar ou escrever para amigos e parentes que estão sozinhos, talvez até para aprender um idioma ou uma nova habilidade? Ou terei que admitir que não me interessei por nada e desperdicei esta pausa inesperada?

A segunda conclusão é que você deve estruturar cada dia e administrá-lo independentemente dos demais. Passo a passo. Decisão por decisão. Tarefa por tarefa. Os tempos de crise não são o momento ideal para empreender grandes projetos novos e ambiciosos. Gerenciar cada dia e cada semana já é um grande triunfo. Como não poderia ser? A vida corre aqui e agora, diante de nossos olhos. Temos que começar pela vida cotidiana, e como não poderia ser assim? Arrumar a casa. Literal e metaforicamente.

A terceira é que teremos que fazer o que for necessário, mas de maneira diferente. Compartilhar as responsabilidades e os cuidados. O trabalho em equipe é o melhor construtor da paz. Em outras palavras, dar a cada membro da família a responsabilidade de cumprir suas obrigações diárias, como cozinhar para si mesmo, para a família ou para os filhos. Mas, a partir de agora, tentar fazer isso com um pouco mais de atenção, de amor, de dedicação. Se temos que fazer mesmo, por que não transformar as coisas com a forma como as fazemos? Principalmente agora que muitas pessoas estão confinadas em uma mesma casa, o clima desse pequeno mundo depende de cada uma delas.

Quarta: devemos preencher nossa casa e a nós mesmos com bondade. Todos nós sabemos, conhecemos pessoas que irradiam calor e bondade e outras que não, embora, à primeira vista, pareça que todas fazem o mesmo. E os estudos nos mostram que a bondade e a atenção são contagiantes. Vamos nos enfeitar com a bondade, a atenção, a compreensão e a responsabilidade.

Isto vale também para as pessoas que vivem sozinhas; talvez até mais, porque uma coisa é se alimentar fisicamente, sem mais, e outra, muito diferente, que sejam boas consigo mesmas, que se cuidem e se respeitem. Vamos manter a ordem. Sejamos gentis com nós mesmos e com os outros. Quer vivamos sozinhos ou façamos parte de uma grande família, que outro momento é mais apropriado do que este para ser nossa melhor e mais bondosa versão?

Assim, além do mais, seremos grandes exemplos para nossos filhos, que aprenderão muito mais coisas do que na escola: em especial que, aconteça o que acontecer, continuamos com grande liberdade para decidir como reagir em tempos de crise. Se eles aprenderem essa lição, teremos todos muitos motivos para confiar em que o mundo pós-covid-19 terá uma nova geração capaz de reconstruir um mundo abalado pela crise.

Este é um texto escrito para ‘Ideias’ pelo filósofo e psicólogo Alexander Batthyány (Viena, 1971), logo após a publicação de seu último livro, “La Superación de la Indiferencia. El Sentido de la Vida en Tiempos de Cambio, publicado na Espanha pela editora Herder.

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