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A decepcionante história dos russos que mandaram um elétron ao passado

Nos últimos dias, divulgou-se que um grupo de cientistas tinha conseguido reverter o tempo. O que conseguiram é muito menos emocionante

Fotogramas de ‘O curioso caso de Benjamin Button’, em que o protagonista vai rejuvenescendo com o passar do tempo.
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Nos últimos dias, veículos de comunicação do mundo todo contaram como um grupo de cientistas russos conseguiu reverter o tempo. Seria um pequeno passo para construir uma máquina que teria um valor incalculável para os nostálgicos, os arrependidos ou os insatisfeitos com o passado, mas a possibilidade de viajar para o ontem parece tão distante quanto parecia dez dias atrás.

A maioria das leis da física não faz distinção entre avançar para o futuro ou para o passado. Se observarmos os movimentos de rotação do sistema solar, as mesmas leis serviriam para explicar essas órbitas reproduzidas ao contrário. No entanto, do nosso ponto de vista, o tempo é algo absoluto e inexorável, que funciona do mesmo modo em todo o universo. Essa percepção tem a ver com nossa compreensão intuitiva da segunda lei da termodinâmica. Se uma taça de vinho cair de nossas mãos e se quebrar, isso poderá nos irritar, mas não nos fará pensar que ficamos malucos. Mas pensaríamos isso se as partes dessa taça, de forma espontânea, voltassem a se unir para formar novamente um recipiente.

A segunda lei da termodinâmica diz que um sistema isolado ou permanece estável ou muda para uma estado de maior desordem: as taças quebradas não se reconstroem, um café em cima da mesa esfria em vez de esquentar e os mortos não ressuscitam. O normal é que o universo avance para o caos e nessa intuição se baseia nossa ideia de um tempo absoluto. No entanto, essa lei não é inviolável, e reconhece que o processo inverso, embora improvável, não é impossível.

A operação se parece mais a uma simulação computacional que a uma viagem a épocas anteriores

Com essa ideia em mente, um grupo de pesquisadores sob a liderança do Instituto Moscovita de Física e Tecnologia calculou as probabilidades de que um único elétron violasse essa segunda lei da termodinâmica de forma espontânea, retornasse a um estado anterior e, de alguma forma, viajasse para o passado. Seus resultados indicam que se fossem observados 10 bilhões de elétrones a cada segundo durante os 13,7 bilhões de anos de vida do universo, o fenômeno só aconteceria uma vez, e mesmo neste caso, a partícula viajaria apenas um bilionésimo de segundo para o passado.

Em outro experimento, os cientistas utilizaram um computador quântico da IBM para “enviar um elétron ao passado”. Mas na verdade a operação se parece mais com uma simulação computacional do que com Marty McFly viajando aos anos 1950 para salvar o casamento de seu pai. Como explica o pesquisador do Instituto de Física Teórica (IFT) de Madri Germán Sierra, “os autores desse trabalho propõem que na mecânica quântica é possível projetar um algoritmo que inverta a direção do tempo de um determinado estado quântico, e ilustram isso usando o computador quântico da IBM com 5 qubits”. Para conseguir, simulam uma operação que muda o sinal da fase da função de onda que descreve o estado do sistema. Essa intricada operação “consiste em voltar no tempo na mecânica quântica”, assinala Sierra.

Mesmo no caso de que o que foi conseguido tivesse alguma relevância para a viagem no tempo, os autores do trabalho, publicado na revista Scientific Reports, obtiveram seus resultados representando uma situação artificial que só funciona no estreito campo do experimento. “O problema é que a operação que esses autores constroem é ad hoc, ou seja, ela depende do estado escolhido e viola o princípio de superposição de estados, que é fundamental na mecânica quântica”, acrescenta Sierra. “Em termos matemáticos, a inversão do tempo na mecânica quântica é uma operação antiunitária, e eles a realizam por meio de uma transformação unitária, algo que só pode ser feito para um determinado estado, mas não para todos os estados do sistema.”

Além das críticas às conclusões pouco fundadas que podem ser tiradas dos resultados da equipe, alguns pesquisadores consideraram estranho que o próprio título do artigo científico destaque que o experimento foi feito com um computador específico da IBM, o primeiro computador quântico comercial. “Se você está simulando em seu computador um processo no qual o tempo é reversível, então pode inverter a direção do tempo simplesmente invertendo a direção de sua simulação”, afirmou o diretor do Centro de Informação Quântica da Universidade do Texas em Austin (EUA), Scott Aaronson, na MIT Technology Review. “Depois de uma rápida olhada no artigo, confesso que não entendo por que isso se torna mais profundo se a simulação é realizada no computador quântico da IBM”, ironizou Aaronson. “O artigo é correto e sugestivo, mas não acredito que represente um avanço fundamental”, avalia Sierra. “E também não entendo por que coloca ênfase no computador da IBM, que para fazer o que eles fizeram não é necessário”, conclui o pesquisador do IFT.

O passado está mais distante do que o futuro

A ideia de uma “máquina do tempo” se tornou popular graças ao romance assim intitulado que H. G. Wells publicou em 1895, mas foi Albert Einstein que, a partir de 1905, começou a oferecer ferramentas intelectuais que permitiam especular sobre uma viagem no tempo no mundo real. Segundo a teoria da relatividade especial, o tempo passa mais rapidamente ou mais lentamente dependendo da velocidade relativa com que alguém se move em relação a qualquer outra coisa. Se uma pessoa partir da Terra em uma nave que viaje à velocidade da luz, envelhecerá muito mais lentamente do que um amigo que fique na Terra.

O físico alemão entendeu que o agora é local, e a ideia de um tempo absoluto, que era aceita como norma desde Isaac Newton, foi desmantelada ainda mais quando a teoria da relatividade geral mostrou que a gravidade faz com que o tempo se curve. Esse fenômeno, em sua versão mais extrema, faria com que o tempo de outro viajante espacial orbitando perto de um buraco negro parecesse parar. Embora não para ele. O explorador teria a sensação de envelhecer no mesmo ritmo de sempre, mas quando voltasse para casa poderia ver que aqui o tempo tinha passado muito mais rápido e todos seus seres queridos já estariam mortos ou muito mais envelhecidos do que ele.

Isso, de algum modo, seria parecido com uma viagem ao futuro, mas a percepção do viajante seria bem diferente da de utilizar uma máquina para dar saltos no tempo. A teoria de Einstein também permite, em princípio, viajar ao passado através do espaço-tempo, circulando por túneis abertos nesse tecido espaço-temporal, mas muitos duvidam que essa possibilidade não seja fruto de alguma falha na própria teoria. Por enquanto, teremos de continuar vivendo com cuidado, porque voltar no tempo para consertar nossos erros pretéritos parece um sonho muito distante.

Por que um elétron não pode levar uma multa de trânsito

Basicamente, os físicos têm duas ferramentas para entender como funciona o universo. Nas grandes escalas, as das estrelas, dos planetas e, em geral, do mundo que percebemos a olho nu, a teoria da relatividade geral funciona perfeitamente. A coisa se complica quando descemos às escalas microscópicas. Para entender o comportamento estranho de partículas como os elétrons é necessária a mecânica quântica, que explica um mundo com o qual não temos relação direta e é muito pouco intuitivo para nós.

Uma forma de entender a diferença entre os dois mundos é oferecida por Germán Sierra com uma piada. Para que o departamento de trânsito nos multe quando cometemos uma infração ao dirigir, é necessário que ele tenha uma foto na qual se possa ver onde estamos e com que velocidade vamos. Como no nosso caso se aplica a física de Newton, podemos levar a multa, mas isso não acontece com os elétrons. Com eles, regidos pela mecânica quântica, seria preciso escolher entre saber sua velocidade ou sua posição, algo que tornaria impossível passar-lhes uma multa de trânsito. O exemplo mostra as diferentes regras que afetam os dois mundos e explica por que, às vezes, as explicações populares sobre a física quântica, apoiadas em metáforas baseadas no mundo real, podem ser confusas.

A mais famosa dessas metáforas é o experimento mental proposto por Erwin Schrödinger em 1935. Nele, um gato foi colocado em uma caixa de aço juntamente com uma pequena quantidade de material radioativo. A quantidade era tão pequena que só havia 50% de possibilidades de que durante a hora seguinte um dos átomos se desintegrasse. Se isso ocorresse, seria ativado um mecanismo que encheria a caixa de ácido cianídrico e o gato morreria.

De acordo com os princípios da mecânica quântica, durante o período que durasse o experimento, o gato estaria vivo e morto ao mesmo tempo, resultado de um fenômeno conhecido como superposição. No entanto, essa circunstância mudaria quando abríssemos a caixa para acabar com a incerteza. Nesse momento, de volta à realidade da física clássica, o gato estaria ou vivo ou morto. Na verdade, o gato fazia o papel de uma partícula microscópica à qual se aplicam regras diferentes das aplicadas para um animal. Um gato jamais estará vivo e morto ao mesmo tempo.

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