_
_
_
_
_

A verdadeira história dos super-ricos

Até agora, só o dinheiro contava. Mas a riqueza é medida em função da fortaleza econômica de um país

Jeff Bezos, em uma imagem de arquivo.
Jeff Bezos, em uma imagem de arquivo.Bloomberg News

Jeff Bezos é o homem mais rico do mundo. No final da semana passada, a fortuna do fundador da Amazon superou a barreira dos 100 bilhões de dólares (330 bilhões de reais) e, nos últimos anos, os negócios da sua empresa não pararam de crescer. Faz tempo que a amazonização aterroriza muitas companhias, e o poder de Bezos aumenta à medida que sua riqueza também cresce. No entanto, também faz tempo que a verdadeira fortuna do empresário deixou de ser tão astronomicamente grande quanto pensamos ao ouvir a cifra.

Isso porque o poder do dinheiro é medido segundo a quantidade riqueza disponível no conjunto da economia. Os Estados Unidos, país em que Bezos construiu seu patrimônio, é uma economia gigantesca. A julgar por seu tamanho, até os bilhões do fundador da Amazon parecem pouco. Toda a fortuna deste empreendedor de 53 anos representa apenas 0,5% da soma dos bens e serviços produzidos nos EUA em um ano.

O mesmo acontece com Bill Gates, fundador da Microsoft, e seus 89 bilhões de dólares (294 bilhões de reais) que, somados, equivalem somente a uma pequena parte do que se produz no país. Esse fato não muda nem quando levamos em conta os ocupantes do quarto e do quinto lugares da lista dos norte-americanos mais ricos: Mark Zuckerberg, diretor do Facebook, com 75 bilhões de dólares (248 bilhões de reais), e Larry Ellison, fundador da Oracle, com 54 bilhões de dólares (178 bilhões de reais). Juntos, os cinco homens mais abastados dos EUA alcançam a considerável quantia de 394 bilhões de dólares (1,3 trilhão de reais), mas até mesmo essa cifra não é mais do que 2,1% do PIB nacional. Nos EUA, portanto, não se pode falar de uma acumulação nociva da riqueza. Em outras economias, contudo, as coisas são bem diferentes.

Mais informações
Oito homens possuem a mesma riqueza que a metade mais pobre da humanidade
Quem e quantos são os ricos na América Latina?
Machismo alimenta desigualdade social e traz prejuízo à economia

Existem países onde as cinco pessoas mais ricas têm tanto dinheiro que poderiam comprar 25%, ou inclusive 33%, dos bens e serviços produzidos em um ano. Lá, os ricaços são muito mais influentes que nos EUA. Suas fortunas se traduzem em poder econômico e, com frequência, poder político. A verdadeira lista dos ricos revela essa influência; nela, as grandes fortunas são definidas em relação ao produto da atividade econômica. O jornal dominical alemão Welt am Sonntag a elaborou com base em dados do serviço financeiro da Bloomberg, que não apenas fornece informações sobre os patrimônios relativos, mas também permite tirar conclusões sobre as sociedades de onde vêm os ricos e sobre as quais estes exercem sua influência. As respectivas concentrações de riqueza mostram até que ponto as economias são dominadas pelos "oligarcas". Inclusive é possível determinar o grau de oligarquização de cada país. Quanto mais riqueza as cinco pessoas mais ricas concentram, maior é o risco de que elas possam intervir além da conta no Estado e na sociedade. É justamente assim que se define o termo oligarquia (governo de poucos): um grupo reduzido de pessoas que usa suas influências e, como regra geral, aproveita para acumular fortunas aos seus integrantes.

Normalmente, o grau de oligarquização nos países pequenos é maior do que nos grandes. O valor mais alto é registrado em duas antigas colônias britânicas: Hong Kong e Chipre. Na cidade-Estado chinesa, as fortunas das cinco pessoas mais ricas representam 33% da economia. Li Ka-shing, seu cidadão mais endinheirado, possui 34 bilhões de dólares (112 bilhões de reais), equivalentes a 10,5% do PIB. Conhecido como Superman nos meios de comunicação locais, o empresário de 89 anos governa a Hutchinson, seu grupo de empresas, como um império. Para não chegar nunca tarde, ele usa um relógio 20 minutos adiantado.

Somente Chipre apresenta uma concentração de riqueza ainda mais extrema. Lá, uma única pessoa, John Fredriksen, possui o equivalente a mais de 52% do PIB. A fortuna desse norueguês, que se fez sozinho e que em 2006 se nacionalizou cipriota por motivos fiscais, é estimada em mais de 10 bilhões de dólares (33 bilhões de reais). Além da indústria naval, o empresário tem participações no negócio petroleiro. Mas Frederiksen não é o único magnata da ilha mediterrânea. Os seguintes quatro cipriotas com grandes abastanças somam 28% do PIB.

Nos países nórdicos, que defendem justamente o equilíbrio social, a concentração de riqueza é surpreendente. Na Dinamarca, o fator de oligarquização é de 11%; na Suécia, 19%. Isso não tem a ver somente com o fato de que, aos 81 anos, Ingvar Kamprad seja uma das pessoas mais ricas da Europa, com cerca de 48 bilhões de dólares (158 bilhões de reais), quase 10% do PIB sueco. Outros compatriotas também acumularam enormes patrimônios. É o caso de Stefan Persson, dono de grande parte das ações da grife de roupas H&M, que além de outras propriedades possui 8.700 hectares de terras na Grã-Bretanha.

Apesar dessa concentração de renda, os países escandinavos não têm fama de plutocracias governadas pelo dinheiro. Talvez isso tenha a ver com sua longa tradição de sociedades burguesas com uma economia de mercado. A situação é diferente nos países que introduziram o capitalismo há pouco tempo, e sobretudo nos do antigo bloco soviético. Na República Checa, por exemplo, o fator de oligarquização é de nada menos que 12%. Andrej Babiš, um dos bilionários do país, acaba de conseguir maioria parlamentar com o movimento populista que fundou. Na verdade, sua fortuna chega a "somente" 4,1 bilhões de dólares (13,5 bilhões de reais), mas a soma equivale a mais de 2,1% da economia checa. Em comparação, a influência econômica do presidente Donald Trump parece extremamente modesta. Com seus 2,9 bilhões de dólares (9,6 bilhões de reais), segundo os cálculos da Bloomberg, Trump responde por um ínfimo 0,016% da economia de seu país.

Babiš nem sequer é o homem mais rico da República Checa. A lista dos magnatas é encabeçada pelo investidor financeiro Petr Kellner. Sua fortuna de 12,3 bilhões de dólares (40,6 bilhões de reais) equivale a 6,3% da produção de seu país em um ano. Assim como alguns russos, os oligarcas checos também se beneficiaram com a queda do Muro. Graças aos seus contatos no mundo da política, durante as privatizações eles conseguiram abocanhar uma boa fatia da economia nacional. Babiš é um exemplo de como a prosperidade econômica pode ser transformada em poder político. Em 2011, ele fundou o movimento Aliança de Cidadãos Insatisfeitos (ANO), espécie de receptáculo para os checos indignados.

Na Rússia, mãe-pátria da oligarquia, a concentração da riqueza é importante. Os cinco russos mais ricos possuem quase 7% do conjunto da produção do país. À primeira vista pode parecer pouco, mas, numa economia tão grande, representa um valor assustadoramente alto. Até 1990, também na Rússia a riqueza era repartida de modo mais ou menos igualitário. A acumulação ocorreu nos anos imediatamente posteriores. Hoje, tanto a Rússia como a República Checa apresentam os problemas da concentração extrema da riqueza, embora de diferentes maneiras. Uma característica é a tendência ao chamado capitalismo clientelista, em que um grupo reduzido de adinheirados se aproveita de seu poder, com cumplicidades, para defender seus privilégios. Relegam ao segundo plano os recém-chegados ao mundo empresarial ou os desanimam desde o início, o que prejudica o dinamismo e a capacidade de inovação da economia. Não é à toa que, após a separação, a Republica Checa ficou para trás em relação à Eslováquia, cujo fator de oligarquização é de apenas 1,3%.

A Rússia, com seu sistema de bilionários, tampouco foi tão bem-sucedida. Há 30 anos o país vive um relativo declínio. Em particular, o Kremlin não se sai muito bem na comparação com a China. Embora oficialmente comunista, a República Popular também tem muitos multimilionários e bilionários. No entanto, com seus 48 bilhões de dólares (158 bilhões de reais), Jack Mu, seu cidadão mais rico, só alcança um fator de oligarquização de 0,4%. Já Alexej Mordaschow, o russo mais rico, representa 1,5%.

No extremo oposto do planeta, chamam a atenção sobretudo o Estado petroleiro da Colômbia, com 12,5% e o México, com 10%. O bilionário Carlos Slim – barão da Telmex no México e ex-líder do ranking das pessoas mais ricas do mundo – representa sozinho 6,1% do conjunto da economia do país. Em 2018 haverá eleições no México, e lá também um populista poderia chegar ao poder.

Na Europa, raramente ocorre uma concentração de riqueza tão extrema quanto a da América Latina. Entre as grandes economias ocidentais, a França se destaca com um nível de concentração da riqueza de 6,7% –semelhante ao da Rússia. Na segunda economia da zona do euro, as famílias fundadoras de grandes marcas de luxo, como a L'Oréal, construíram fabulosas fortunas apesar de todas as guerras e mudanças políticas. Em muitos casos, as bases que permitiram essa acumulação foram lançadas já na época napoleônica.

A Alemanha, por sua vez, quase não está oligarquizada. É certo que nesse país também existem enormes fortunas familiares, como a de Dieter Schwarz, estimada em 22,9 bilhões de dólares (72,3 bilhões de reais). Mas mesmo o patrimônio do dono das redes de supermercado Lidl e Kaufland só atinge um fator de 0,66%. Ainda assim, Schwarz é um "oligarca" maior que Jeff Bezos nos EUA. Em termos estritamente percentuais.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_